Os anos 80 trouxeram uma ampla diversidade musical ao cenário brasileiro, antenado com o que ocorria lá fora (apenas com um “gap” de meses). E o pioneirismo de poucos começava a dar sinais de que barreiras estariam caindo. Se não fosse o conservadorismo da música como um todo no Brasil, este continuísmo chato e radicalismo babaca (sendo que ambos são desnecessários), já não haveria tretas entre Punks, Metalheads e fãs de Hardcore. E um dos que começou a romper estes limites foi o RATOS DE PORÃO, um dos grupos mais celebrados do cenário brasileiro. Se em “Crucificados Pelo Sistema” de 1984 a banda tinha uma aproximação vai voltada ao Punk Rock, em “Descanse em Paz” de 1986 surgia o lado Hardcore do grupo, e em “Vivendo Cada Dia Mais Sujo e Agressivo” já surgia o lado pioneiro do Crossover , em “Brasil”, disco de 1989, vemos a afirmação do quarteto como uma potência do cenário nacional. E não é à toa que ele é adorado como a obra-prima do grupo por muitos fãs.
Em 1989, o país vivia um caos econômico. O fim do Plano Cruzado em 1986 jogou a economia do país em um inferno, e existia um pessimismo enorme. Além disso, o então presidente José Sarney já havia largado o país de mão, deixando para seu herdeiro, que seria eleito em dezembro de 1989 (no caso, o chamado “caçador de marajás” Fernando Collor de Melo, que venceu Lula no segundo turno, ou seja, não é de hoje que o brasileiro que um messias no poder, não um presidente) essa herança bananosa. Cenário perfeito para o quarteto soltar um disco.
O quarteto de São Paulo havia caído nas graças da Roadrunner Records, sendo “Brasil” o primeiro de uma série de discos pelo selo. E é justamente nele que, sendo o terceiro disco com a mesma formação (o que garante a coesão necessária para se criar material de primeira), o grupo chega ao seu ápice de criatividade. E com o suporte e investimento de um selo com recursos, faltava apenas terrem uma produção de primeiro mundo.
E tiveram!
“Brasil” foi gravado em Berlim, na então Alemanha Oriental, sob a tutela do produtor Harris Johns, o mesmo que conhecemos de trabalhos com GRAVE DIGGER, HELLOWEEN, SODOM, TANKARD, KREATOR e outros tantos. Foi a primeira vez que o grupo teve uma produção de primeira, e a qualidade sonora é perfeita. Sim, pesada e clara, a sonoridade de “Brasil” nos permite enfim ver que por trás da serra elétrica Crossover do grupo, existem detalhes musicais preciosos, arranjos bem cuidados.
As artes da capa e contracapa são uma dura crítica para vários setores da sociedade, criada pelo conhecido cartunista Francisco A. Marcatti Jr., o conhecido Marcatti. O massacre ideológico dos índios, os contrastes sociais de ricos e pobres, a degradação ambiental, o roubo dos mais pobres pelos mais abastados… Tudo uma imenso retrato da terra do “Samba, futebol e Carnaval”, um país para gringo ver (o que não mudou nem um pouco nesses anos todos).
Mas nada disso daria jeito se, por trás de tanto investimento e esforço externo, o grupo não tivesse boas composições. E é aí que a coesão entre João Gordo (vocais), Jão (guitarras), Jabá (baixo) e Spaghetti (bateria), que criaram canções ótimas, com boa dose de peso, as melodias estão bem assentadas. A banda se mostra mais técnica que antes, mas sem que sua música se torne complexa (o que mataria a essência do grupo).
Gravado em duas versões (inglês e português), “Brasil” tem 22 canções, algumas delas autênticos clássicos do Rock nacional. Algumas estão no repertório ao vivo do quarteto até hoje, pois são icônicas. Existem pauladas bem sérias, que nos levam a refletir, como “Amazônia Nunca Mais”, a paulada “Retrocesso”, o hino “Aids, Pop, Repressão” (uma paródia crítica com o lema “Sexo, Drogas, Rock ‘n’ Roll”, já que a época era um caos), as essenciais “Lei do Silêncio” e “Plano Furado II”, a destruidora de ouvidos “Crianças Sem Futuro”, as com mais presença do Hardcore “Farsa Nacionalista” e “Vida Animal”, e a pá de cal na alienação formada pela trinca de ases “Máquina Militar”, “Terra do Carnaval” e “Herança”. Mas há espaço para alguns momentos bem humorados, como “Gil Goma” (uma piada com o repórter policial Gil Gomes, onde João mostra seu talento na arte de imitar as pessoas), e “O Fim” (parece uma instrumental, mas se nunca foi até o final da canção tenha paciência, ouça e morra de rir). E para aqueles que procuraram a versão CD que tem tanto o “Brasil” como o “Anarkophobia” juntos, ainda existe o cover para “Jardim Elétrico”, dos MUTANTES. E uma dos óbvios destaques de “Brasil”, que todos pensaram que eu não mencionaria (eu mesmo esqueci) é a clássica “Beber Até Morrer”, um autêntico clássico do grupo, que embalou toda uma geração desiludida com as perspectivas do país nos braços da bebida.
Clássico, atual e sempre uma ótima pedida, “Brasil” deve estar sendo tocado a pleno volume por todos, nesse momento em que o pulha do presidente deste pardieiro está fazendo cagadas em cima de cagadas (e como eu sempre digo: eleito por quem o cama de golpista).
Formação:
João Gordo – vocal
Jão – guitarra
Jabá – baixo
Spaghetti – bateria
Faixas:
01. Amazônia Nunca Mais
02. Retrocesso
03. Aids, Pop, Repressão
04. Lei do Silêncio
05. S.O.S. País Falido
06. Gil Goma
07. Beber Até Morrer
08. Plano Furado II
09. Heroína Suicida
10. Crianças Sem Futuro
11. Farsa Nacionalista
12. Traidor
13. Porcos Sanguinários
14. Vida Animal
15. O Fim
16. Máquina Militar
17. Terra do Carnaval
18. Herança
Contatos:
Site Oficial
Facebook