Em geral, poucas pessoas compreenderiam a importância do Judas Priest para a história do Heavy Metal.
É bem simples: sem o quinteto de Birmingham, não existira o Heavy Metal como ele é hoje, em termos de estética musical e visual. Um bom ouvido mostra o quanto essa turma é importante para a consolidação do Heavy Metal como estilo musical coerente e moderno, sempre avançando para o futuro de olhos abertos, e com suas raízes no passado.
E não é à toa que “Painkiller” é considerado por muitos como um divisor de águas na carreira da banda, e seu momento mais inspirado.
Antes de tudo, é preciso dizer que após “British Steel” (1980), “Screaming For Vengeance” (1982) e “Defenders of The Faith” (1984), e deixando o furado “Point of Entry” de lado, o Judas andou por maus bocados na segunda metade dos anos 80: o lançamento do controverso “Turbo” em 1986, os fãs torcendo o nariz para a banda, a tentativa mal-sucedida de voltar às boas com “Ram It Down” (disco de 1988 e que ainda preservava algumas das características mais negativas de “Turbo” diante dos olhos dos fãs), e a perda de terreno para bandas como Slayer e Metallica acenderam o sinal de alerta na casa. Ainda existia o problema de serem julgados pelo suicídio dos jovens James Vance (20 anos) e Raymond Belknap (18 anos) em Sparks, Nevada, em 1985.
Eles cometeram suicídio em 23 de dezembro de 1985, após beberem e fumarem maconha e ouvirem discos do quinteto. Vance morreu em 1988, quanto Raymond foi pro ralo instantaneamente. Obviamente, ficaram escondidos estes fatos (bem como que ambos já tinham comprovado passado como suicidas), mas o Judas teve causa ganha em agosto de 1990.
E culminando toda esta torrente de chumbo grosso, o baterista Dave Holland deixa a banda em 1989 (o que muitos comemoraram, pois a ausência de uma técnica mais refinada nas baquetas era berrante). Aliás, já foi tarde, e nem precisava ter vindo, não serei politicamente correto.
Parecia que o grupo estava mesmo prestes a ter sua carreira encerrada. E sendo muito sincero, por ser este autor testemunha daqueles tempos, ninguém acreditava mais no grupo. Simples assim.
Mas quando parece que tudo vai acabar, esses caras deram a volta por cima, e mostraram o porquê de serem tão venerados. “Painkiller” é a virada do jogo, e a afirmação final do grupo.
Para começar, trouxeram Scott Travis para a bateria. E quem conhecia o trabalho dele no Racer X, já sabia que ele é um batera de pegada pesada, mas de muito boa técnica (ouçam o solo dele ao vivo no “Extreme Volume Live” do Racer X e se surpreendam). Se é fã do Dave, pode chorar: Scott é muito melhor.
Gravado nos Miraval Studios, na França, e mixado nos Wisseloord Studios, na Holanda, a produção do disco ficou na mão de Chris Tsangarides (que até ali, trabalhara com Black Sabbath, Anvil, King Diamond, Girlschool, Thin Lizzy, entre tantos outros) e do quinteto. Chris, além de tudo, ainda ajudou na composição de “A Touch of Evil”. Não preciso nem dizer que a produção do disco é do mais alto nível, preciso???
A capa é de Mark Wilkinson, mostrando conceito de um herói que salvaria a raça humana. Aliás, é um tema recorrente no disco, se prestarem atenção nas letras. E é de primeira.
Com o lançamento atrasado para setembro (devido ao julgamento citado acima), em essência, “Painkiller” fez com que o Judas Priest absorvesse influências da música em voga na época, ganhando muito peso e uma agressividade brutal. É incrível o impacto sonoro que a banda conseguiu. E assim, eles abrem as portas para um novo gênero dentro do Metal: o Metal tradicional moderno, que tem muitos adeptos e fez escola. Fora isso, a força e técnica do velho estilo ainda estão presentes, e mesmo suas características mais comuns foram exacerbadas, já que a técnica dos solos de guitarra ficou ainda maior (chega a ser abusivo o que Glenn e K. K. fizeram aqui), a base rítmica do grupo ficou mais refinada e bem trabalhada (bem-vindo, Scott!), e sem contar que Rob nunca cantou de forma tão agressiva, e para ser bem sincero, tão bem.
O disco inteiro é excelente, mas não dá para não falar da velocidade e peso de “Painkiller”, onde Scott já dá seu cartão de visitas em uma introdução icônica, fora os solos excelentes de K. K. e Glenn (até hoje, um de meus solos favoritos em todo Metal); a força mais tradicional de “Hell Patrol” (uma música bem clássica da banda, apenas com maior agressividade e técnica, além de Rob estar mostrando bem como saber usar sua voz exuberante), a rasgada e opressiva “All Guns Blazing” (que riffs infernais!!!), “Metal Meltdown” e seu refrão deliciosamente agressivo e ganchudo (fora Ian e Scott mostrarem um entrosamento de primeira na cozinha rítmica), a mais melodiosa e trabalhada “Night Crawler” (onde Rob usa bastante seu timbre mais natural, e as guitarras mostram porquê Glenn e K. K. influenciaram tantos guitarristas com seus duetos), a introspectiva e climática “A Touch of Evil”, e o grand finale de “One Shot At Glory”.
Uma pena Rob ter saído da banda logo depois da tour de promoção (onde este que vos escreve ficou babando no show deles no Rock In Rio II, pois como não havia ouvido/visto nada do disco ainda, não estava conseguindo acreditar no poder de fogo da banda).
Óbvio que “Painkiller” e sua sonoridade mais moderna incomodam uma parte dos fãs mais antigos da banda (e alguns garotinhos que herdaram a mimizência destes), mas se pararem para pensar direito, ele é talvez o melhor disco da banda, o que melhor sintetiza o quanto eles são capazes de se reinventar e fortalecer para novos desafios.
Ah, o caro leitor não gosta da musicalidade de “Painkiller”?
Nada posso fazer sobre seu problema…
Formação:
Rob Halford (vocais);
Glenn Tipton (guitarras);
K. K. Downing (guitarras);
Ian Hill (baixo);
Scott Travis (bateria).
Músicas:
01 – Painkiller
02 – Hell Patrol
03 – All Guns Blazing
04 – Leather Rebel
05 – Metal Meltdown
06 – Night Crawler
07 -Between The Hammer & The Anvil
08 – A Touch of Evil
09 – Battle Hymn
10 – One Shot At Glory