A Donzela de Ferro andava longe dos estúdios desde o lançamento do chato e sem sal “The Final Frontier”, de 2010, e muitos e muitos rumores sobre o futuro da banda circulavam pelo cenário, especialmente após Bruce ser diagnosticado com câncer na língua (e nem assim ele cansa de falar besteiras e arrumar polêmicas desnecessárias). Mas a apreensão deu lugar à ansiedade e nervosismo com o anúncio de um novo disco, e que terminou com o lançamento de “The Book of Souls” no ano de 2015.
Mas o que se pode esperar da banda, depois de tantos altos e baixos desde 2000 para cá?
Antes de tudo, é preciso que o fã tenha em mente duas coisas (“Iron Maiden é religião” não entra na conta deste autor, mesmo sendo iniciado nesta vida de Metal pela Donzela de Ferro): não espere clássicos como “The Number of The Beast” ou “Powerslave”. Mas ao mesmo tempo, esqueça tudo que a banda lançou de “Brave New World” para cá. É preciso dar uma chance ao sexteto. Mesmo “No Prayer For The Dying” e “Fear of The Dark”, discos bem meia-boca, não se comparam a “The Book of Souls”.
A primeira característica do disco é simples: o Maiden não mudou sua musicalidade em nada, e muito menos se reinventou. É apenas o bom e velho Heavy Metal tradicional de sempre, forte e vigoroso, sempre com ótimas melodias, muita energia e muitos tempos não convencionais ao Metal A.I.M. (antes do Iron Maiden, se me permitem esta grafia), que são herdados do Rock Progressivo. Ao mesmo tempo, muito do passado da banda está aqui (há uma aura de “Piece of Mind” e “Killers” no ar, ou seja, algo longe de ser pretensioso, musicalmente falando), pois contrariando previsões, “The Book of Souls” não é um disco feitos por velhinhos cansados em busca da aposentadoria e querendo tirar uns últimos trocados dos fãs. Muito pelo contrário: “The Book of Souls” mostra uma banda que ainda tem lenha para queimar.
Um dos “mas” bem negativos de “The Book of Souls” é a sonoridade do disco em si.
Definitivamente, Kevin Shirley até pode ser um bom produtor, mas não consegue acertar a mão no que tange à sonoridade, que poderia ser bem melhor. Óbvio que está clara, pesada e de alto nível (estamos falando do Iron Maiden, e esse nome é sinônimo de qualidade em tudo), mas soa crua em momentos que poderia ser mais intensa, mais “cheia” e limpa. Acredito que a produção sonora do grupo poderia estar em melhores mãos, de pessoas que poderiam ajudar a banda a atualizar sua sonoridade, mas sem descaracterizá-la.
A arte de Mark Wilkinson para a capa é bem legal, apesar do cenário simples de fundo. Eddie de canibal ficou muito legal, mas vamos ser sinceros: a dupla Martin Birch na produção e mixagem, e Derek Riggs nas ilustrações, ainda deixa saudades em todos nós.
Com Bruce nos vocais, podemos afirmar que “The Book of Souls” é, desde “Seventh Son a Seventh Son”, o disco mais espontâneo da banda. Sim, pois o álbum se distancia da pretensão a ser clássico, não é forçado em nada, e justamente por isso vemos a banda em grande forma, com arranjos ótimos, a dinâmica entre Steve e Nicko é perfeita, o trio Adrian, Janick e Dave enfim acertou a mão e conseguiu se entender muito bem (era um dos pontos que a banda ainda carecia de melhora), e Bruce se mostra com fôlego, sem ficar se esforçando além do que pode render ao vivo (creio que ele aprendeu a equacionar o que pode cantar com a postura que tem no palco, já que é de conhecimento de todos que, ao vivo, Bruce sempre deu umas vaciladas).
Sobre as músicas: não dá, repito, NÃO DÁ para destacar uma ou outra música! NÃO DÁ, pois eles capricharam bastante no disco.
Abrindo o primeiro CD, temos “If Eternity Should Fail”, que possui uma introdução obscura de teclados e Bruce mostrando bom serviço nos vocais, mas logo vira uma música forte e climática, andamento nada muito rápido, com belíssimas guitarras (novidade…) e ótimas vocalizações. Seguindo, temos “Speed of Light”, primeiro Single do álbum, que tem um jeitão meio “lado B” do “Piece of Mind”, ganchuda e com um lado Hard ‘n’ Heavy muito bom, e com um ótimo refrão (não há como não cantar junto), além de Steve e Nicko darem um show de entrosamento e peso. “The Great Unknown” se segue, outra faixa pesada e com andamento pesado e nada veloz, enriquecido por riffs ótimos e grandiosos (onde a famosa influência do Rock Progressivo que o Maiden carrega aparece). Agora, na longa e variada “The Red and The Black”, com seus mais de 13 minutos de duração, as guitarras dão uma exibição de gala, chegando a ser algo deslumbrante, com belíssimas bases, solos intrincados, duelos fenomenais e intervenções providenciais(vejam como a integração entre Jack, Adrian e Dave está perfeita). Não tão grandiosa, temos “When The River Runs Deep”, com um jeitão mais Rock ‘n’ Roll, mesmo pesada e envolvente, com outra bela mostra de força da base rítmica e os vocais mostrando uma diversidade de timbres muito boa. Mais um gigante em termos de tempo, em seus mais de dez minutos de duração, temos a faixa “The Book of Souls”, introduzida por acordes de violão mais melancólicos e teclados de fundo, antes de virar outra faixa pesada, com jeitão épico e climático, onde o sexteto mostra que longa duração, com eles, parece nada, com boas mudanças de ritmo, em momentos pesados e outros mais progressivos…
Um pouquinho de fôlego e água, e o CD dois começa. E já chegam com uma declaração de guerra, “Death Or Glory”, uma faixa mais simples e pegajosa, com jeitão pesado e intenso que só a Donzela de Ferro tem quando apela para fazer algo mais direto e forte. Em “Shadows of The Valley” tem um lado mais melodioso evidenciado, com belas incursões de teclados em meio ao peso dos riffs de guitarra, e também não é uma faixa muito complexa, mas mesmo assim, muito boa. Em “Tears of A Clown”, a banda já começa mostrando uns tempos mais quebrados, e mesmo pesada, é uma música climática e mais acessível, mas longe de ser descartável. No início, “The Man of Sorrows” pode assustar alguns, pensando que podemos ter uma nova “Wasting Love” (que sejamos francos, é uma música descartável), mas logo essa sensação se dissipa, pois a música ganha contornos pesado sob um andamento mediano, e muito peso, mesmo com alguns teclados suaves surgindo no fundo, fora um refrão muito bom. E fechando, temos a polêmica “Empire of The Clouds”, que antes do lançamento já havia causado calafrios nos fãs. Ela começa realmente bem lenta e bela, com teclados e guitarras limpas, vocais mais épicos, mas vai crescendo em peso, força e se tornando um dos melhores momentos do álbum, cheia de variações rítmicas e momentos marcantes, a ponto de 18 minutos passarem como se fossem poucos segundos, em uma exibição da banda como um todo, e vai fechando calma e gentilmente como foi no início.
Podemos dizer que, se de um lado “The Book of Souls” não é um clássico instantâneo (só o tempo dirá) ou perfeito, nos é permitido afirmar categoricamente que é o disco que faria a ponte perfeita entre “Seventh Son of A Seventh Son” e a atualidade, ou seja, é o melhor disco da banda desde então. E mostra que a banda está bem longe da aposentadoria, como muitos críticos (inclusive eu) já apregoavam há tempos.
Enfim, sem fanatismos: é o IRON MAIDEN sendo o IRON MAIDEN.
Ah, algumas palavras minhas incomodaram fanáticos e brucetes de plantão? Lamento dizer, mas acho que nunca compreenderam de verdade o que é a música que Steve Harris e cia nos oferecem há tantos anos.
Voltem ao quarto, sem direito a seu leitinho com chocolate e biscoitos, e entenda.
Up the Irons!
Faixas:
CD 1:
01 – If Eternity Should Fail
02 – Speed of Light
03 – The Great Unknown
04 – The Red and The Black
05 – When the River Runs Deep
06 – The Book of Souls
CD 2:
01 – Death Or Glory
02 – Shadows of The Valley
03 – Tears of A Clown
04 – The Man of Sorrows
05 – Empire of The Clouds
Formação:
Bruce Dickinson (vocais);
Dave Murray (guitarra);
Adrian Smith (guitarras);
Janick Gers (guitarras);
Steve Harris (baixo, teclados);
Nicko McBrain (bateria).