Este voo que estamos fazendo todas as sextas-feiras não tem perigo de ser cancelado por conta da pandemia de Covid-19. E o melhor: você não precisa sair de casa e quebrar a sua quarentena para embarcar nesta viagem. Posicione-se confortavelmente de frente ao seu computador ou com seu celular na mão, aperte bem os cintos e arrume as roupas de frio, pois nosso destino de hoje será a encantadora, gigantesca e inclemente Rússia!
Um dos nomes oficiais da Rússia é Federação Russa. Isso porque o país é divido em vários territórios com determinada autonomia, onde todos eles são subordinados ao governo federal, sediado na capital Moscou. O Brasil é um país federativo onde todos os estados possuem o mesmo nível de autonomia. Mas a autonomia dos estados brasileiros é limitada, algo que não acontece na Rússia. Os territórios russos, num total de 85 (!), possuem diferentes níveis de autonomia.
Existem os “oblasts” e os “krais”, que se equiparam aos estados brasileiros. Na prática, não existe diferença entre “oblast” e “krai”, sendo a distinção dos nomes motivada somente por circunstâncias históricas. Existem também as “repúblicas”, que são verdadeiramente países dentro da Rússia, com elevado nível de autonomia, idioma e congresso próprios. A subordinação das repúblicas perante Moscou acontece mediante relações exteriores ou em outras circunstâncias específicas. Ainda existem as “okrugs”, territórios isolados que são subordinados ao oblast ou krai mais próximo, e o Oblast Autônomo Judeu, que é o único território judeu do mundo além de Israel. Por conta de seu imenso território, a Rússia ocupa dois continentes, a Europa e a Ásia. A “Rússia europeia” é largamente mais desenvolvida que a “Rússia asiática”, principalmente porque a parte asiática do país é grandemente ocupada pela temida e inóspita Sibéria.
Essa diferença de desenvolvimento acaba por se refletir no Heavy Metal local. As maiores e mais bem sucedidas bandas do país se encontram do lado de cá dos Montes Urais (a cordilheira que divide a parte europeia da asiática). Isso não significa que não exista bandas de Metal em atividade do lado de lá da cordilheira. No entanto, esta popularidade não se reflete fora da Rússia e dos países de sua influência por causa da barreira da língua e do alfabeto. As bandas russas em sua maioria cantam em russo, que se escreve com o alfabeto cirílico.
Não se faz necessário hoje contar a história do Metal na União Soviética, pois a mesma já foi explanada no episódio deste quadro que tratou sobre a Estônia. Então vamos direto conhecer algumas das principais (e algumas obscuras) bandas do Metal russo, que é mais rico do que o que você pode imaginar.
ARIA
Esta banda já foi abordada várias vezes aqui na Roadie Metal por este humilde redator. O Aria foi fundado em 1985 e é há muito tempo a mais bem sucedida banda da Rússia. Mas não é que o Aria seja apenas um “Sepultura” local. O Aria possui uma gigantesca popularidade. Lota estádios em todo o país, sempre aparece nas TV’s e rádios locais e cada novo lançamento alcança o primeiro lugar das paradas russas. Apesar das muitas e traumáticas mudanças de formação, o Aria se mantém forte com seu Metal tradicional com fortes influências da NWOBHM, tendo já lançado 12 full-lengths que carregam uma invejável qualidade e consistência. Este redator já escreveu uma matéria, dividida em cinco partes, que conta detalhadamente toda a história do Aria. Confira a primeira parte clicando aqui.
KIPELOV
Banda liderada por Valery Kipelov, que foi o vocalista do Aria desde sua fundação até 2002, quando ele deixou a banda e arrancou consigo o guitarrista Sergey Terentiev e o baterista Alexander Maniyakin. O Kipelov também pratica um Metal tradicional, porém com contornos mais modernos e pesados em relação ao Metal tradicional de sua ex-banda. Além disso, o Kipelov goza de uma notável popularidade na Rússia que se equipara a do Aria. Apesar da traumática separação, hoje as duas bandas são amigas, ensejando inclusive a participação de Valery Kipelov em alguns shows atuais do Aria para relembrar os antigos clássicos gravados em sua voz.
MASTER
Não confundir com a banda homônima norte-americana pioneira do Death Metal. O Master também nasceu de uma separação do Aria. Em 1986, quatro dos seis integrantes do Aria saíram e fundaram o Master com a intenção de tocar um Metal mais rápido e agressivo do que o Metal tradicional do Aria. Este êxodo foi liderado pelo baixista Alik Granovsky, que permanece até hoje como único integrante original da banda. O Master é o principal nome do Thrash Metal russo e a banda já passou por uma fase influenciada pelo Sepultura nos anos 90. Inclusive a banda brasileira, na época promovendo o álbum Arise, tocou na Rússia tendo como abertura o Master. Assim como aconteceu com Kipelov, as rusgas do passado envolvendo Granovsky e o Aria ficaram para trás.
Por falar na banda Aria e nos seus filhos, confira abaixo uma música do show comemorativo de 30 anos do Aria, que reuniu vários ex-integrantes juntamente aos atuais, perfazendo um total de dois vocalistas, quatro guitarristas, dois baixistas e dois bateristas, naquela que talvez foi a grande celebração da história do Metal russo.
TCHERNY KOFE
O “Café Preto”, como se traduz o nome da banda, é mais antiga que o Aria. Por ter sido fundada em 1981, a banda ainda sofreu para sobreviver no underground contra a repressão que União Soviética impunha sobre as bandas de influência ocidental. Algo pelo qual os integrantes do Aria também passaram. Tanto o Tcherny Kofe quanto o Aria foram favorecidos pela abertura econômica e política da União Soviética, os programas Glasnost e Perestroika, o que catapultou a popularidade de ambas nos anos 80. O Tcherny Kofe pratica um Metal tradicional na veia do Accept e milita no país até hoje graças a persistência de seu líder Dmitry Varsharvsky.
AVGUST
Muito do que foi dito sobre o Tcherny Kofe também se aplica ao Avgust, que surgiu em 1982 na cidade de São Petersburgo. Com um som que transita do Heavy Metal ao Hard Rock, o Avgust possui cinco álbuns de estúdio e não conta com mais nenhum integrante original em sua formação atual. O membro mais antigo é o vocalista Pavel Kolesnik, que ocupa o posto desde 1984.
ARKONA
Nem só de Aria e de seus filhos vivem o Metal russo. O Arkona é a banda de Folk Metal mais popular do país e a banda russa mais conhecida fora da Rússia. Fundada em 2002, até hoje o Arkona é liderado pela vocalista Masha “Scream” Arkipova, que registrou seus vocais em nove álbuns de estúdio. O grupo atualmente tem contrato com a Napalm Records e seu álbum mais recente é Khram, lançado em 2018.
BEGERITH
A cidade de Vladivostok, que fica no extremo leste da Rússia, é mais conhecida por quem joga War, pois é de lá que o jogador pode mover suas tropas para o Alasca (provem isso, terraplanistas!). É de lá também que vem a banda Begerith, que faz um Black Metal altamente técnico e bem-produzido, que flerta com o Metal Progressivo e, em alguns momentos, com o Doom Metal. Seu trabalho mais recente é o álbum A.D.A.M., que foi lançado em 2017. Recentemente o Begerith cruzou o país até a capital Moscou, onde se encontra em atividade.
COMATOSE VIGIL
Funeral Doom Metal casca-grossa, destinado àqueles que amam o estilo sem explicação. Fundada em 2002, o Comatose Vigil se tornou uma das principais representantes do estilo ao longo dos anos, muito embora sua discografia seja bastante resumida. O grupo encerrou suas atividades em 2016. No ano seguinte, o vocalista A.K. iEzor remontou a banda sob o nome Comatose Vigil A.K., tendo em vista que o soberano sobre o nome “Comatose Vigil”, o guitarrista Alexander Orlov, não permitiu que o vocalista adotasse o nome.
Basta. Se eu fosse arregimentar aqui todas as mais importantes bandas russas, esta matéria se tornaria do tamanho de um livro. Mesmo assim, seria um pecado não mencionar outras bandas veteranas como Kruiz e Legion, bem como outras mais recentes tais quais Mavrick, Arteria, Epidemia e Gran-Kurazh, que também valem a pena serem conhecidas. Que estas bandas aqui mencionadas despertem seu interesse em se aprofundar cada vez mais no Metal russo.
Nossa viagem de hoje encerra-se por aqui. Semana que vem será a vez da competentíssima redatora Jéssica Alves assumir o cockpit deste avião e nos conduzir a algum outro país do qual tenho certeza que você não lembra de dois ou três nomes do Metal de lá. Спасибо!