Confira a segunda parte desta matéria aqui.

 

Na segunda metade dos anos 80, o Doom Metal já era um gênero consolidado e com suas características bem definidas. Se na década anterior, o Black Sabbath já praticava o gênero, ainda que mal existisse a diferença entre Heavy Metal e Hard Rock, nos anos 80 novas bandas pegaram o lado mais soturno da banda de Tony Iommi e definiram de vez o estilo. Coube ao baixista Leif Edling e seu Candlemass somente sacramentar a estabilização do Gênero Maldito. Andamentos lentos, riffs fúnebres, climas e atmosferas sombrias são algumas das principais características do Doom Metal, e são o ponto de partida para cada banda impor sua identidade e características particulares. Devido a isso, o próprio Doom Metal se ramificou em novos estilos a partir do fim da década de 80.

Pelo seu ritmo devagar, sobra mais tempo e espaço para o compositor trabalhar suas ideias em sua banda. Com o advento do Death/Doom através de bandas como Paradise Lost, My Dying Bride e Anathema, o estilo conseguiu atingir novos níveis de morbidez climática e sonora, aliando a atmosfera natural do Doom com o terror e o medo do Death Metal da época. Como em todo estilo metálico que surge, sempre existirão bandas que tentarão sugar ao máximo todas as peculiaridades do aspecto trabalhado. No caso do Death/Doom não foi diferente. Se o gênero já nasceu lento, sombrio e estrangulante, teve quem tentasse elevar tudo isso ao máximo, ou ao mínimo.

Thergothon, na linha de frente do cortejo fúnebre

Na Finlândia, mais precisamente na cidade de Kaarina, três amigos se juntaram para mudar mais uma vez os caminhos do Doom Metal. Niko Skorpio, Mikko Ruotsalainen e Jori Sjöroos formaram uma banda de vida curta, mas de influência que perdura até hoje nos círculos obscuros do underground, o Thergothon. Com duas demos lançadas em 1991, o trio gravou no ano de 1992 seu primeiro e único álbum, Stream From The Heavens, lançado somente em 1994 via Avantgarde Music. Neste registro, o Thergothon elevou à máxima potência a noção de estrangulamento sonoro. O trio conseguiu pegar o Death/Doom já consolidado e o trajou com uma roupagem angustiante, com climas mórbidos e andamento extremamente lento e fúnebre. Estava criado o Funeral Doom Metal. Mas, como uma mágica que sempre acontece em qualquer arte, ninguém cria nada sozinho, pois outra entidade, de forma independente da primeira, consegue ter os mesmos objetivos de pioneirismo ao mesmo tempo.

Skepticism, carregando o caixão ao lado do Thergothon

Também no País dos Mil Lagos, desta vez na cidade de Riihimäki, surgiu uma banda que divide o título de criador do Funeral Doom com o Thergothon, o Skepticism. Fundada em 1991, em suas primeiras demos ainda se encontrava um Death Metal mais tradicional, que foi logo se transformando num Death/Doom, e daí para mais lento ainda, dado o uso constante de teclados e vocais guturais cavernosos, aliados à marcha lenta das músicas. Em 1995 lançaram seu debut, Stormcrowfleet, com seis faixas, todas na média dos dez minutos, trazendo o que havia de mais fúnebre e soturno em termos de música, com um estilo ligeiramente mais denso que o do Thergothon.

Mas afinal, o que é o Funeral Doom Metal?

Muitos podem entender o Funeral Doom Metal como sendo uma forma extrema de Death/Doom, no sentido de ser bem mais lento e mais angustiante. Mas, para Evgeny Semenov, um dos chefes da gravadora russa Solitude Productions, especializada em Doom Metal, tem que haver um cuidado na hora de saber o que é ou não Funeral Doom, pois, não se enquadra neste estilo somente quem faz música lenta. Segundo ele, em uma palavra concedida à revista Terrorizer, os únicos pontos em comum entre Thergothon e Skepticism são o andamento ultra arrastado e o fato de serem Heavy Metal. Para ele, existe o Funeral Doom/Death, que é o mesmo que Death/Doom, só que com andamento bastante devagar, e o Ambient Funeral Doom, que não usa as mesmas estruturas de riffs de Death/Doom, mas mantém o peso nas guitarras e adiciona uma parede imensa de linhas dramáticas de teclados.

Outra banda pioneira do Funeral Doom, desta vez fora da Finlândia, é o Esoteric, da Inglaterra. Esta sim, banda feita para os fãs “Die-Hard” do gênero, pois já em seu primeiro álbum, Epistemological Despondency (1994), o grupo britânico apostava em músicas de mais de 20 minutos de puro peso, lentidão e agonia, enquanto ainda mantinha traços do tradicional Death/Doom em partes de suas estruturas. O Esoteric também aposta no lado visual. As capas de seus álbuns geralmente trazem imagens de motivos geométricos que criam efeitos visuais torturantes e psicodélicos. Ouvir a música do Esoteric enquanto se contempla suas capas é perturbador. Greg Chandler, guitarrista e vocalista do Esoteric, explica que seu som tem que ser emocional e caótico, representando estados mentais durante o processo de composição ou um espectro de experiências passadas.

Esoteric: psicodelia e boas doses de Death Metal

O Funeral Doom foi um estilo que demorou a se espalhar mundo afora. A internet ainda dava seus primeiros passos e ainda haviam poucas bandas com essa ideia e obsessão pelo mórbido. Ainda nos anos 90, o Evoken, dos EUA, começava a apostar no Death/Doom com som extremamente arrastado. Na Noruega, vizinha da Finlândia, berço do Funeral Doom, a banda Funeral já carregava o nome do estilo em meio a forte e polêmica cena Black Metal da época.

Com a força que a internet ganhou a partir dos anos 2000, as bandas pioneiras do Funeral Doom começaram a ficar cada vez mais conhecidas mundialmente, lógico, no meio underground do estilo, já que o Funeral Doom é um modo musical nada palatável facilmente, consequentemente, de difícil popularidade. Com o “boom” da internet, começaram a surgir muitas novas bandas do gênero. Aí surgiu o grande problema!

Como dito, o Funeral Doom é um estilo de sonoridade deveras difícil de ser absorvida, dado o ritmo mórbido e extremamente arrastado e as músicas muito longas. Com a quantidade de bandas aumentando, rapidamente o estilo se tornou saturado. Se uma banda se propõe a fazer música extremamente arrastada, a probabilidade é grande de suas peças musicais soarem maçantes e piegas. De modo que, para uma banda se destacar em relação às demais, é preciso oferecer um atrativo a mais em suas composições; algum diferencial único. E de um dos mais longínquos países do mapa-mundi, a Austrália, vem uma das bandas mais legais e criativas do gênero, o Mournful Congregation.

Shape Of Despair: no mainstream do Funeral Doom

Surgida em 1993 na cidade de Adelaide, no cantinho do mundo e distante da Finlândia ou dos EUA, o grupo liderado por Damon Good pratica um Funeral Doom cheio de melodia e detalhes que tornam seu som único e empolgante, não obstante o ritmo devagar. Com influências do Post-Rock, o grupo australiano enche suas músicas com solos de guitarra ora técnicos, ora sentimentais, e vocais limpos. Até mesmo quem não é chegado no estilo consegue se surpreender com o Funeral Doom do Mournful Congregation, que também ostenta um dos nomes de banda mais legais da cena.

Em questão de temas líricos, o filho mais extremo do Doom Metal não foge muito dos temas abordados pelo pai. Depressão, angústia, tristeza e melancolia dão a tônica das letras.  E não poderia ser diferente. Tal o clima de depressão e sufocamento criado pelas músicas, elas só poderiam estar retratando sentimentos sorumbáticos e de desespero máximo. A não ser que você seja o Ahab, da Alemanha, e seja obcecado por temas náuticos. Os vocais guturais extremos só aumentam a sensação de melancolia do Funeral Doom, fazendo mais um papel de potencializar a atmosfera pesada e densa do gênero.

Outra banda que se destaca em meio a cena é também finlandesa, o Shape Of Despair. Esta banda da cidade de Helsinki aposta fortemente em atmosferas criadas por orquestrações feitas em teclados, o que dá uma variedade de paisagens sonoras ao som do grupo. Shape Of Despair é uma das mais conhecidas bandas do estilo atualmente. Uma banda discípula do Shape Of Despair vem de um país de tradição inexpressiva no Metal mundial. O grupo iraniano 1000 Funerals cravou seu nome no rol das bandas mais importantes do estilo com seus dois álbuns de estúdio, Portrait Of A Dream (2005) e Butterfly Decadence, lançado em 2011, ano em que a banda encerrou suas atividades. Com esse feito, o 1000 Funerals consegue ser o nome mais reconhecido do Heavy Metal daquele país.

Também se credencia a um lugar de destaque atualmente a banda Ea, dos Estados Unidos. Este grupo tem em sua obscuridade um trunfo, já que ninguém sabe quem são seus integrantes, seus nomes ou de onde são. Suspeita-se que são norte-americanos somente pela localização de sua conta no Bandcamp. Outra peculiaridade do Ea são suas letras, cantadas em um antigo idioma morto, que só os integrantes da banda dominam, dado que são arqueólogos que, com suas pesquisas, conseguiram reconstruí-lo. O Funeral Doom do Ea é muito bem produzido, pesado e empolgante. Seu último full-lenght, A Etilla (2014) é composto por uma única colossal música, de míseros 49 minutos (!), cheia de movimentos e de mudanças de andamento, variando muito bem seu Funeral Doom. Um grande e imponente monólito sonoro, de fato.

Contudo, como a frase “a vida imita a arte” é tão certa quanto “quem não faz, leva”, do país do 7 X 1 temos o caso curioso da banda Worship, cujo principal mentor, Mad Max, levou tão a sério sua obsessão por suicídio que ele retratava em suas músicas, que certa vez, em uma viagem ao Canadá, ele pulou de um ponte e caiu de 87 metros. A polícia só encontrou seu corpo uma semana depois, submerso no profundo rio. Também é digno de nota o caso de Yuhani Palomäki, dono de uma das mentes mais criativas do Doom Metal, sendo o homem por trás da banda de Atmospheric Doom Metal Yearning e da banda de Funeral Doom Colosseum. Palomäki cometeu suicídio aos 32 anos de idade, no dia 15 de maio do ano de 2010 (um dia antes do falecimento de Ronnie James Dio), no auge de sua forma criativa.

O líder Juhani Palomäki imitou em vida sua arte no Colosseum. Suicidou-se.

E no Brasil, temos Funeral Doom Metal? Sim, temos, e de muita qualidade!

O nome mais conhecido do gênero em nosso país sem dúvida alguma é o Helllight. Fundada em 1996 na capital paulista, a banda já tem em sua discografia cinco álbuns de estúdio, todos eles trazendo uma carga emotiva e de desespero fortíssima, com boas doses de Death Metal, o que torna o som do Helllight bastante audível e variado. Dentre outras bandas brasileiras, temos uma grata surpresa vinda de Castanhal, no Pará. O My Funeral Dream surgiu em 2015 e estreou agora em 2017 com um EP chamado A Beleza De Um Funeral, onde a banda mostra que sabe fazer um Funeral Doom soturno, envolvente e com o DNA brasileiro do Metal extremo, inclusive com letras em português.

De Curitiba, um forte polo do Doom nacional, temos um Funeral Doom com doses de Black Metal, responsabilidade do De Profvndis Clamatis. Fundada em 2005, o grupo abusa de influências de Shape Of Despair com belas doses da melodia do Paradise Lost, o que deixa seu som rico e tocante.

A luz infernal do Funeral Doom brasileiro. Helllight.

Logicamente você não vai se tornar fã de Funeral Doom Metal somente lendo este artigo. Devido ao forte apelo sinistro e arrastado, é um gênero para poucos, somente para quem ousa e se aventura em experiências musicais extremas e tocantes, e para quem se sente bem em territórios depressivos e de morte. Se você não conhece nada de Funeral Doom, vale a pena conhecer ao menos o trabalho de algumas bandas que este relator destacou aqui. Garanto que seu conhecimento musical será enriquecido, pois novas experiências sonoras fazem bem para a mente. Embarque neste funeral.

 

Encontre sua banda favorita