A Voz do Desespero calou-se na quarta-feira última, 13 de dezembro de 2017. Aos 56 anos de idade, aquele cuja voz sempre cantou as dores da amargura e dos males psicológicos encontrou finalmente o mal irremediável, em São Paulo.
Seus pais o registraram em cartório como Warrel G. Baker em 07 de março de 1961, mas a história tratou de registrá-lo em seus anais como Warrel Dane. Durante jovem, o menino Warrel estudou canto clássico durante 5 anos, tendo, pois, desenvolvido técnicas vocais que permitiam que ele alcançasse notas agudas com certa facilidade. Habilidade esta que ele tratou de usar em prol de sua paixão, o Heavy Metal.
Fã de Rob Halford, Ronnie James Dio e Bruce Dickinson, Dane começou sua carreira como cantor de Heavy Metal na banda Serpent’s Knight. Seu debut, Released from the Crypt (1983), já mostrava um Warrel Dane ousado, utilizando sem dó nem piedade seus agudos altíssimos quase que o tempo todo, em certos momentos lembrando um King Diamond menos regrado vocalmente falando. Após deixar o Serpent’s Knight em 1985, Warrel Dane fundou o Sanctuary, a banda com a qual começou a se tornar o vocalista renomado como é reconhecido.
Com seu Heavy/Power Metal melódico e com algumas guinadas pelo Thrash, o Sanctuary registrou dois álbuns clássicos do Metal americano, Refuge Denied e Into The Mirror Black, sendo que o primeiro foi produzido por ninguém menos que Dave Mustaine. Em recente entrevista ao programa Sonoridades, na página oficial da RedeTV! No Facebook, Dane fica em cima do muro quando perguntado sobre o trabalho de Dave Mustaine com o Sanctuary.
“Dave tinha seus problemas, mas eu devo todo meu respeito a ele, pois, se não fosse por ele, eu não teria chegado até aqui.”
Apesar de ainda usar e abusar de seus agudos altíssimos, no segundo álbum do Sanctuary, Dane já esboçava o estilo vocal pelo qual ficaria conhecido: vocais mais graves e pesados, com forte carga emotiva e dramática. Pois bem, cabe lembrar que o Sanctuary era de Seattle. E o que esta cidade e o começo dos anos 90 lembram a você?
Grunge!
Em oposição às pressões da gravadora Epic Records para que o Sanctuary passasse a compor nos moldes do Grunge, a banda acha melhor se dissolver. Warrel Dane, o baixista Jim Sheppard e o guitarrista Jeff Loomis, que estava em turnê com o Sanctuary na época, fundam o Nevermore. Esta sim foi a banda que tornou Warrel Dane reconhecido como um dos mais talentosos e versáteis cantores de Heavy Metal. Ao longo dos anos, o Nevermore foi cada vez mais incorporando doses de Progressivo em seu Thrash Metal, o que permitiu uma maior amplitude de possibilidades de composição e arranjos. As músicas do Nevermore, várias delas de clima pesado e denso, eram a trilha sonora perfeita para que Warrel Dane pusesse em prática seu novo estilo vocal, mais focado em tons graves e na interpretação pesarosa. Sem, contudo, abandonar seu agudos, que passaram a ser roucos e esganiçados e usados com menos frequência. Com o Nevermore, foram sete álbuns de estúdio, todos irrepreensíveis perante crítica e público, muito em parte pelos vocais únicos de Dane.
Dreaming Neon Black, por exemplo, traz letras inspiradas por experiências pessoais de Warrel Dane, momentos melancólicos pelos quais ele passou após o desaparecimento de sua namorada de muito tempo. O álbum conta a história de um homem que afunda em loucura e depressão após a morte de sua companheira.
Em paralelo ao Nevermore, Warrel pôs em prática sua primeira empreitada solo. O debut desta nova fase do cantor se chamou Praises To The War Machine e foi um trabalho muito bem recebido e que só enriqueceu a discografia do cantor.
Em 2010, Warrel Dane, Jim Sheppard e Jeff Loomis se reúnem com seus antigos companheiros para ressuscitar o Sanctuary para alguns shows de reunião. Devido a desentendimentos com Loomis, os membros do Nevermore resolvem por a banda em hiato por tempo indeterminado. Após as primeiras apresentações de reunião onde a banda reviveu os clássicos dois primeiros álbuns e sem Loomis, o Sanctuary entra em estúdio para registrar aquele que ficou batizado como The Year The Sun Died, lançado em 2014. Se os fãs do Sanctuary esperavam um retorno às raízes tanto por parte da banda como dos vocais de Dane, se frustraram. Apesar de ser um ótimo disco, pouco dele lembra o antigo Sanctuary. A abordagem mais Thrash Metal fez alguns fãs acusarem a banda de ser uma continuação do Nevermore. Além disso, Dane continuou a usar sua abordagem vocal que ele adotou no Nevermore, com ênfase nos vocais graves. Sobre este fato, Warrel explicou em 2011 para o canal Rock My Monkey TV, com seu humor peculiar:
“Este álbum não soará como os outros dois. Talvez seja um pouco similar ao segundo. Mas definitivamente, não soará como o primeiro, porque estamos mais velhos e eu não posso andar com um gancho para apertar meu saco nem com um tanque de gás hélio… Estamos em 2011. Mas com certeza haverá sim alguns agudos. Eu nunca precisei apelar para os agudos no Nevermore, mas no Sanctuary, claro que usarei.”
Porém, algo havia de errado com as apresentações ao vivo de Warrel Dane. Sua performance vocal não era mais a mesma devido a constantes falhas na voz e dificuldades em alcançar tons mais altos, mesmo nas regiões barítonas. Paralelo a isso, sua aparência parecia cada vez mais debilitada e envelhecida. Como bom ator que Warrel também era, o cantor resolver mudar também seu figurino. Chapeus de estilo militar e camisas de força eram agora as vestimentas do cantor Dane ao vivo. Todavia, sua performance ao vivo e sua aparência decadente tinham explicação: Warrel Dane sofria de uma forte diabetes e ainda lutava para se libertar do álcool.
Em entrevista ao Imprensa do Rock, Dane dissertou um pouco sobre a bebida:
“A coisa mais importante para um cantor é que você precisa dormir e descansar bastante. E beber muita água. Eu sei que tenho uma má reputação em relação ao álcool; eu bebia muito. Hoje eu bebo bem menos. Quando eu era jovem, eu conseguia levar minha voz até a estratosfera. Agora que envelheci, e eu admito isso, eu não consigo mais cantar tão alto. Agora eu foco nas minhas qualidades. Não é nenhum segredo que sou fã de música gótica, então eu adoro cantar em regiões graves.”
Além de suas duas principais bandas e de seu trabalho solo, Dane fez algumas participações especiais. No álbum The Apostasy, lançado pelo Behemoth em 2007, Dane canta na música Inner Sanctum. Também, o cantor de Seattle participou de músicas das bandas paulistas Hevilan e One Arm Away. Falando nisso, sua relação com o Brasil era bem próxima, tanto que os músicos que o acompanham em sua carreira solo são brasileiros.
Fora da música, Warrel Dane tinha formação em Filosofia, Sociologia e Gastronomia. Dane exerceu durante um tempo seu lado chef em um restaurante italiano, inclusive dividindo seu tempo no restaurante com sua carreira no Nevermore. Ainda, Dane era sócio-proprietário de um outro restaurante em Seattle ao lado do baixista e amigo Jim Sheppard.
Assim como no Rock Gótico, Dane tinha no drama e no desespero de suas composições seu lado forte. Poucos cantores do mundo conseguiam refletir no timbre de voz dor, melancolia e tristeza, com voz poderosa, como Warrel Dane. A dor de Warrel encontrou a morte em São Paulo, num quarto de hotel. No período que estava passando em São Paulo, a Voz do Desespero estava gravando seu segundo álbum solo. Um ataque cardíaco interrompeu não só este projeto como pôs um fim definitivo em sua prolífica vida que durou 56 anos completos.
Warrel Dane sempre esteve aberto a uma reunião com seu parceiro Jeff Loomis, atualmente guitarrista do Arch Enemy. Ninguém mais alimentava as esperanças de um possível retorno do Nevermore do que o próprio Warrel Dane.
“Não se surpreendam se um novo álbum do Nevermore for lançado daqui a, no máximo, dois anos”, declara um otimista Dane em 2015. “Mas eu não sei quem estará na banda. Eu estarei, e Jim Sheppard também. Eu adoraria que Jeff Loomis também estivesse, mas agora ele está com o Arch Enemy. Não somos inimigos. Não conversamos muito, mas não somos inimigos.”
Agora, com sua passagem e sem seu timbre poderoso e seu dom de interpretação únicos, não faz mais sentido uma continuação do Sanctuary. A banda agora se encontra em um status desconhecido, a decidir se segue em frente sem sua Voz. Quanto ao Nevermore, nunca mais.
Para encerrar este artigo, cabe uma interpretação negra e dramática como Warrel Dane gostava de se expressar artisticamente. Recentemente ele gravou ao lado da cantora Moran Magal um cover para a música Solitude, do Black Sabbath. Tão melancólico quanto um epitáfio de saudade e dor, tão parecido com a mente e ideias caóticas da Voz do Desespero. Que esta ecoe em outros planos. Não duvido que, onde quer que Dane esteja soltando sua voz, ela reverberará neste plano, se chocando na mente daqueles que aprenderam a penetrar dimensões introspectivas usando como transporte a Voz.