Por volta das 10:00 da manhã do dia 13/12/2017 eu acordo com uma mensagem de um grande amigo meu: ele me contava que viu no blog de um amigo que Warrel Dane tinha falecido na noite anterior. Mas antes, cercou-se de cuidados para me contar, professor de língua portuguesa que ele é, leva tudo o que você fala ao pé da letra, confesso que essa “encheção de linguiça” me deixou meio irritado, afinal, como eu tenho uma vida noturna, normalmente, a essa hora eu ainda estou dormindo feito uma pedra e acordar com uma notícia dessas não era nada legal.
Incrédulo, fui no Google e digitei “Warrel Dane morreu” torcendo para que fosse uma brincadeira de mal gosto (não deste meu amigo, pois ele não é deste tipo de coisa, mas, em tempos de fake news, aprendi a ser ainda mais cético do que sempre fui), porém, o primeiro resultado era o da página do G1, que me dava aquela pontada violenta no coração: o meu maior ídolo no campo musical realmente havia nos deixado. Era verdade, há pelo menos 8 horas, o meu vocalista e letrista favorito já havia nos deixado órfãos.
Algumas semanas antes da trágica notícia, eu havia voltado a escutar NEVERMORE, coisa que há algum tempo eu não o fazia, por alguma razão que não sei explicar. Eu sou um cara totalmente desprovido de fé, mas normalmente a minha intuição não falha. Como diz a minha mãe, “às vezes o nosso coração nos pede para fazer ou deixar de fazer alguma coisa”. E parecia que meu coração dizia que algo iria acontecer, pois eu voltava a escutar a banda com muita intensidade, como se eu tivesse acabado de descobrí-los.
Voltando ao trágico dia 13/12/2017, procurei ler o maior número de sites possíveis, mas como Dane, infelizmente não era uma figura conhecida fora do Metal, as informações eram escassas. Até no Whiplash, um dos sites mais acessados do Rock e Metal aqui no Brasil (n. do R: Na época, eu não conhecia a ROADIE METAL), as informações demoravam a chegar. Fui nos sites gringos e muita pouca coisa era divulgada.
Passei então a escutar toda a discografia do NEVERMORE, com o volume no talo e chorando feito criança. Parecia que eu tinha perdido um ente querido. Talvez tenha sido o meu choro mais doído desde a morte do meu pai, isso lá no ano de 1988. E sem acreditar que o destino (somado à falta de cuidado de Dane com sua saúde – N. do R: ele era diabético, tinha problemas com álcool, falava disso abertamente, porém, não se cuidava como uma pessoa nesta situação deveria) havia levado o cantor.
Em entrevista recente que conduzi com os músicos que o acompanharam nos anos finais de sua vida, Thiago Oliveira (guitarra), Johnny Moraes (guitarra), Fabio Carito (baixo) e Marcus Dotta (bateria), aqui mesmo para a ROADIE METAL – A VOZ DO ROCK, eles me relataram com detalhes como foram as últimas horas de Dane entre nós.
Warrel tinha passado o dia com o baterista Marcus Dotta e este o deixou no hotel após o jantar. Daí Johnny Moraes chegou ao hotel para acompanhá-lo e relatou que após morder um pedaço de um sanduíche, o vocalista disse que se retiraria e foi para o quarto. E depois quando o guitarrista foi se , despedir de Dane, já o encontrou sem vida. Imediatamente ligou para o SAMU, que chegou rápido, porém, os médicos disseram que ele havia entrado em óbito de parada cardíaca, durante o sono. Isso por volta das duas horas da madrugada.
Alguns dias antes de sua passagem, Dane e a banda se apresentaram no programa “Sonoridades”, da Rede TV!. Eu não assisti ao programa no dia da transmissão, mas quando eu assisti, percebi que Warrel estava muito, mas muito debilitado. Com certeza, ele não duraria muito tempo. Foi triste vê-lo naquela situação, um cara do bem, querido por todos da cena, naquela situação. Thiago Oliveira me confessou que naquele programa, foi a sua despedida do vocalista, eles não iriam se ver mais.
Warrel George Backer, nascido em 07 de março de 1961, em Seattle, iniciou sua carreira em 1983 pelo SERPENT’S KNIGHT, lançando um único álbum, intitulado “Released From the Crypt“. no mesmo ano de 1983. Dois anos depois, a banda se separou e logo Warrel formou o SANCTUARY, que durou até 1992 e depois voltaria em 2010, estando na ativa até os dias atuais. Com esta banda, Dane gravou os três álbuns lançados até hoje por eles: “Refuge Denied” (1987), “Into the Mirror Black” (1990) e “The Year the Sun Died” (2014).
Após uma divergência entre os membros da banda onde, metade aceitou a imposição da gravadora em fazer um som mais voltado para o Grunge, uma tendência no início dos anos 1990 e a outra metade que queria manter o som mais Metal, o SANCTUARY acabou, literalmente na porrada. Então Dane e Jim Sheppard (baixo) recrutaram músicos e formaram o NEVERMORE. A banda durou de 1992 à 2011, lançando 7 álbuns de estúdio e um ao vivo que fora lançado em CD e DVD.
Foi com o NEVERMORE que Dane alcançou o seu topo como frontman, embora os seus intensos agudos tenham ficado no passado com o SANCTUARY. Porém, ele ajudou a dar à banda uma característica única, a de fazer um som totalmente impossível de ser rotulado e, principalmente, de ser copiado. E ele conseguiu atrair uma legião de fãs por todo o mundo, com suas letras inteligentes, que fazem o ouvinte pensar em uma maneira de fazer o seu melhor, por um mundo melhor.
Em 2007, após a banda tirar um período de férias, ele lançou seu primeiro álbum solo, “Praises to the War Machine“, uma obra em que ele abandona (um pouco) o Metal, passeando por outras vertentes.
Com a separação do NEVERMORE, ele ganhou a chance de um recomeço. E com Thiago Oliveira, Johnny Moraes, Marcus Dotta e Fabio Carito, ele teve a oportunidade de fazer turnês, cantando as músicas do NEVERMORE que inspiraram (e ainda inspiram) muitas pessoas pelo mundo. E foi em 10 de abril de 2014 que este redator que vos escreve teve a oportunidade de conhecer o seu maior ídolo: E posso lhes dizer, meu inglês (que embora seja elogiado quando eu converso com os gringos, mas não é fluente) travou, e tudo que eu consegui foi pedir fotos, perguntar se o NEVERMORE voltaria (que foi me respondido com um “maybe) e pedir para que incluísse a música ” Poison Godmachine” no set e anos depois o Thiago Oliveira me confirmou que a música já estava prevista no show.
Dane acreditava ser em “Dreaming Neon Black” a sua melhor performance enquanto vocalista. E muito disso se explica pela temática do disco, conceitual, que fala de uma namorada que ele tinha. Essa namorada teria morrido e pertencia a uma seita que pregava o uso de drogas pesadas. Em todo o álbum você sente o clima denso, o desespero, tanto vocal quanto lírico dele, ora perguntando se Deus pode ouví-lo, ora dizendo que sente falta dessa namorada e que ela estará sempre presente no seu coração.
Mas foi em “Dead Heart in a Dead World” que o talento de toda a banda ficou bem latente. Este disco é considerado por mim o melhor já lançado neste século e um dos melhores em minha opinião da história do Metal. Foi ai que a banda se tornou bem grande. Mas infelizmente não grande como o ora quarteto, ora quinteto merecia. Esta foi uma das bandas mais injustiçadas.
Curiosamente, a data de hoje coincide com a morte de um amigo de Warrel: Chuck Schuldiner, vocalista, guitarrista, líder e mentor do DEATH, uma outra banda que também não teve o seu valor devido. Ambos construíram amizade durante a turnê que suas respectivas bandas fizeram, entre 1996 e 1997, na qual o NEVERMORE divulgava o seu segundo álbum “The Politics of Ecstasy“. E ele seria o vocalista do projeto de Chuck, o CONTROL DENIED. Porém, compromissos com o NEVERMORE o impediram de gravar o álbum. E caro leitor, imagine, seria fantástico um disco com ambos. Chuck faleceu em 13 de dezembro de 2001, vítima de pneumonia. Ele também lutava contra um tumor no cérebro.
Voltando ao ano de 2017, após a morte de Dane, a banda brasileira deu um tempo nas gravações. As partes instrumentais estavam bem adiantadas, os vocais eram os da pré-produção. A única música que estava realmente pronta era o cover do THE CURE, “The Hanging Garden“. Os músicos dizem que ele sentia muito orgulho das músicas e que ele estava curtindo demais gravar com eles. Dane amava nosso país e sempre que tinha um tempo no restaurante que ele tinha em sociedade com Jim Sheppard, ele vinha pra cá e fazia shows, não só em terras brasileiras, mas foram duas vezes para a Europa.
E a banda, junto com a Century Media, resolveu terminar o projeto, era uma forma de deixar vivo o último legado de Dane. Não só nós fãs, mas os músicos mereciam ver este álbum vir a luz do dia. E como eles bem dizem, foi um trabalho de sangue, suor e lágrimas. E que valeu muito a pena. O disco tem sido bem recebido, figura em boas posições nos charts pela Europa, chegou a ser o mais vendido na loja Die Hard, na galeria do Rock, em São Paulo e aqui na cidade do Rio, onde este redator reside, eu tive uma dificuldade imensa em adquirir a minha cópia,
Há um ano atrás, eu nem sonhava em ser redator deste site, posto que ocupo com o maior orgulho. E fico mais orgulhoso quando vejo que as matérias que publico têm um bom número de compartilhamentos. Elas são como meus filhos, estou sempre entrando aqui e monitorando, procuro interagir na página do site no Facebook porque eu tenho o maior respeito por quem dedica uma parte do seu tempo lendo as coisas que eu escrevo. Em 2017, se eu estivesse por aqui, seria incapaz de escrever uma linha sobre a morte de Dane. Eu só sabia chorar e assistir aos vídeos do NEVERMORE pelo YouTube. Mas hoje, eu escrevo sobre a data com orgulho, pois posso dizer ao leitor que suas letras me influenciaram e foram tão importantes na minha vida. E além de ter entrevistado os caras da banda, eu mantenho contato com eles. Me sinto parte do projeto deles, mesmo não tendo estado um segundo sequer no estúdio com eles. E vejo o respeito que eles tem com os fãs e eles merecem todos os louros que estão colhendo.
E o 13 de dezembro não é um dia triste. Lógico que queríamos o Warrel por aqui por mais alguns anos, ele ainda era novo e teria um caminho a seguir. Porém, a partir de 2018, esta é uma data para se lembrar com alegria, de todo o legado que este cara espetacular deixou. Iremos lamentar o fato de que, junto com Dane, um possível retorno do NEVERMORE foi igualmente sepultado, ainda mais que ele havia feito as pazes com Jeff Loomis e Van Williams e o retorno era apenas uma questão de tempo. Mas é hora de lembrar das coisas boas que ele deixou ai e “Shadow Work” é uma obra que fecha com chave de ouro uma carreira irrepreensível deste cara que foi um gênio. Formado em Filosofia, Sociologia e Teologia, além de chef de cozinha dos bons, um excelente cantor, um letrista do mais alto gabarito e um intérprete sem igual.
Termino este texto deixando duas de suas frases cantadas no NEVERMORE:
“You are forever in my heart, you’ll never die”.
“Nevermore to feel the pain”.