Em de outubro de 2018, era lançado o segundo disco solo e o mais dolorido para os músicos que estavam envolvidos na gravação, e também os fãs: trata-se de “Shadow Work“, o disco póstumo da lenda eterna chamada Warrel Dane.

Dane, como era sabido por todos, havia brigado com seu companheiro de longa data no NEVERMORE, Jeff Loomis. Este afirmou há poucos dias atrás de forma bastante honesta que não há a possibilidade do retorno da banda sem o seu vocalista e mentor intelectual. Porém, Dane se reuniu em 2014 com músicos brasileiros, saiu em turnê com eles tocando músicas do SANCTUARY, NEVERMORE e de seu primeiro álbum solo, “Praises to the War Machine“, de 2008.
A parceira com os brasileiros deu tão certo que todos se reuniram em 2017 para a gravação do disco, que em princípio seria um lançamento com versões Heavy Metal para algumas das bandas góticas que Warrel Dane tanto admirava em vida. Porém, as coisas foram tomando outra forma e composições novas foram surgindo. Como houve uma mudança nos planos, Warrel encaminhou uma demo para a “Century Media“, afim de que esta o autorizasse a gravar um álbum de inéditas. E como o cara mandava prender e soltar dentro da gravadora, óbvio que ele teve sinal verde e o projeto foi tocado adiante.
Do projeto original, somente o cover para “The Hanging Garden“, do THE CURE acabou sendo finalizado e utilizado em “Shadow Work“. Warrel Dane era conhecido por escrever letras aos “45 minutos do segundo tempo”. Foi assim no NEVERMORE em músicas como por exemplo, “The River Dragon Has Come“, em que ele escreveu a letra com a banda já em processo de gravação. Por conta disso, somente sete músicas haviam sido compostas quando a triste notícia do falecimento de Dane se tornou pública.
Em 13 de dezembro de 2017 Warrel faleceu, em São Paulo. Diabético, foi vítima de uma parada cardíaca, aos 56 anos de idade. Ele era conhecido por seu problema com o alcoolismo e nunca escondeu isso de ninguém. Andava com a saúde fragilizada e sempre tinha algum mal-estar. Ainda assim, sempre que tinha uma folga em seu restaurante em Seattle, do qual era sócio do seu parceiro de longa data, o baixista Jim Sheppard, ele se juntava a Thiago Oliveira e Johnny Moraes (guitarra), Fabio Carito (baixo) e Marcus Dotta (bateria), para sair em turnês, e desta última vez, para colocar em prática o desejo do segundo álbum solo, algo muito esperado pelos fãs, que alimentavam uma esperança de um retorno do NEVERMORE, uma vez que o principal obstáculo já havia sido superado: a briga de Warrel com Jeff Loomis era coisa do passado.
Infelizmente a morte acabava com um sonho, que era o retorno da banda, mas não acabaria com o projeto: e a “Century Media” autorizou com que os brasileiros terminassem com a produção de “Shadow Work“. Era mais do que justo, tanto com os músicos, quanto com os fãs e sobretudo com o próprio Warrel, que merecia uma despedida em alto nível. E sob a produção do badalado Wagner Meirinho, no estúdio “Orra Meu“, na cidade de São Paulo, os caras tocaram o trabalho, definido por eles mesmos como sendo de “Sangue, Suor e Lágrimas”.
Os vocais de Dane utilizados na gravação foram os que ele gravou na pré-produção do disco e com o brilhante trabalho de Meirinho, nem parecia. E Dane, mesmo muito doente, fez um ótimo trabalho, em uma interpretação absurda, cheia de atmosfera e um clima bem denso em toda extensão do disco.
Disco esse que aliás, não tem nada a ver com a sonoridade do primeiro, “Praises to the War Machine“. Este aqui é tão denso quanto os dois últimos discos do NEVERMORE, “This Godless Endeavor” e “The Obsidian Conspiracy“, como iremos ver nos próximos parágrafos, ao destrincharmos cada uma das oito faixas presentes neste play bem curto e direto.
A abertura com a calmíssima e curta “Ethereal Blessing” é uma música em que eu só consigo imaginar Warrel Dane em seu descanso eterno, uma sensação de paz que essa faixa nos transmite.
Mas logo logo as guitarras pesadas e sombrias de “Madame Satan” entram em ação. Em uma música que Warrel compôs a letra inspirado na famosa casa gótica paulistana. Os músicos me relataram que além de ele ter ficado encantado com a casa, já que era grade fã de música gótica, ele ficava repetindo o nome da casa e fez uma letra no que ele pensava ser um demônio. Musicalmente essa é uma das músicas mais pesadas, agressivas e sombrias da carreira do vocalista. O refrão gruda como chiclete. Aqui temos os destaques a bateria de Marcus Dotta, com seus blast’s-beats e bumbos duplos sensacionais.
Em “Disconnection System“, uma das primeiras músicas a ser lançada como single, temos mais peso em uma música densa e que em muito lembra o NEVERMORE, sobretudo nos seus dois últimos álbuns, “This Godless Endeavor” (2005) e “The Obsidian Conspiracy” (2010). Aqui, as guitarras de Thiago Oliveira e Johnny Moraes dão um espetáculo à parte, sobretudo nos solos, repleto de harmonia, em que podemos perceber nota a nota.
“As Fast as the Others” é uma faixa digamos, mais comercial, mais acessível para que você possa indicar, para aquele sujeito que não é tão familiarizado com o Heavy Metal e nem por isso a música deixa de ser boa, ao contrário, uma faixa bem tocada e com bonitas melodias e sem deixar de ser pesada. Não é tão pesada quanto as demais, mas temos bons momentos por aqui, onde destaco as boas linhas de baixo de Fabio Carito.
A faixa título foi a que me causou a melhor impressão logo de cara e é a minha favorita até hoje. Honestamente, ela deve seguir com esse status por longo tempo. As guitarras juntamente com as batidas de Marcus Dotta na sua introdução são algo que hipnotizam o ouvinte. Os riffs e a voz de Dane, mesmo que não seja mais o mesmo dos tempos do NEVERMORE, ainda é sensacional. Uma outra música densa, com uma atmosfera única e quem se prende muito a um timbre de guitarra bom, não vai deixar de achar essa música boa. E pra mim, ela é tão boa que é o alarme do meu smartphone.
E chega a versão Heavy Metal para a melancólica ” The Hanging Garden“, do THE CURE e este redator que vos escreve pensa assim: “Nossa, o Warrel Dane me fez gostar de THE CURE“. Porque eu não tenho o menor apreço por esta banda, mas o que ele e os músicos fizeram aqui foi surreal. Marcus Dotta quebrou tudo com aquela virada espetacular na intro e com os blast’s-beats, além dos riffs e peso que a dupla Thiago e Johnny imprimiram na música. Bom, da versão da banda de Robert Smith, apenas a letra ficou intacta. É mais ou menos o que ele, no álbum “Dead Heart in a Dead World” fez com “The Sound of Silence“, de SIMON & GARFUNKEL, transformando a música. Assim era essa lenda, como um midas, transformava em ouro tudo que tocava.
“Rain” é uma linda balada, com excelentes harmonias e melodias. E também é aquela música que nos faz dar uma respirada após os dois petardos que foram as faixas anteriores. O solo desta faixa é de longe, o melhor deste álbum. E o peso não é deixado de lado aqui, temos partes densas em que as guitarras falam alto.
E o que é bom dura pouco, o Warrel havia falecido e somente oito músicas estavam “prontas”. A oitava e que fecha a obra é uma música maravilhosa, a maior do play e como ele fazia nos tempos de NEVERMORE, sempre havia aquela faixa épica para ser executada por último. E em “Mother is the Word for God” é desse jeito. Ela segue calma até que, do meio para o final, ela ganha peso, dramaticidade e lembra muito a faixa “This Godless Endeavor“. Um excelente final. Uma pena que não houve tempo para que mais músicas fossem incluídas neste maravilhoso play.
Em pouco mais de 40 minutos temos um disco que é intenso do início ao fim, deixa aquele gosto agridoce no fã: a satisfação em escutar a obra do seu maior ídolo, mas em contrapartida, são as suas últimas palavras, a última vez que você escutará e isso é aterrorizante. É muito difícil escrever estas linhas, tendo em vista que não consigo, e nem quero separar a parte analítica, da parte do fã, do devoto. A carreira de Warrel Dane significou e sempre significará muito para este redator. Suas letras sempre me influenciaram e ajudaram-me a tornar o adulto que hoje sou. Uma pena que no meu único encontro com ele, em 2014, eu tenha ficado tão nervoso, que esqueci de agradecê-lo por ter contribuído desta forma na minha vida. Mas talvez ele soubesse disso.
Abaixo, deixarei algumas declarações concedidas com exclusividade por três dos quatro músicos (N. do R: a declaração do baixista Fabio Carito é a reprodução de sua postagem no Facebook na data anterior ao aniversário do álbum e ele me autorizou a utilizar o conteúdo nesta matéria), sobre a data e o que significou para cada um deles ter gravado “Shadow Work“, uma experiência de grande valia para ambos os lados: o vocalista consagrado que andava em baixa na carreira e os músicos brasileiros, talentosos, relativamente desconhecidos e que foram recompensados ao estender a mão para uma lenda. Com a palavra, os músicos.
Um ano de lançamento de “Shadow Work” e como o tempo voa… Foi um disco trabalhoso de se fazer, não só pelo falecimento do Warrel, mas também pela quantidade de músicas gravadas e a complexidade de algumas delas. Foi a realização de um sonho, foi a primeira vez que pude gravar um disco num esquema de banda grande, com todo suporte de logística, gestão, orçamento, distribuição e marketing de uma gravadora grande. (“Shadow Work“) Se tornou por várias razões, um álbum cultuado, principalmente na Europa. Esteja onde estiver, eu sei que o Warrel Dane está feliz e orgulhoso por termos concluído o seu álbum da forma como ele gostaria de tê-lo feito. Para os meus colegas desta banda, eu vos digo: nosso dever foi cumprido. Já para os fãs do Warrel, o recado: aguardem, pois isso ainda não é tudo.
Johnny Moraes, guitarrista
Eu me lembro que o Warrel estava passando por um período difícil na época da composição, com depressão e talvez isso tenha sido o combustível para que ele tenha escrito as coisas que ele canta nas músicas. Ele era um artista muito real, pegava o que ele sentia ao seu redor e transformava em música. Eu me orgulho de ter sido o último parceiro de composição do Warrel e estar em um time tão seleto como o Jeff Loomis e Peter Wichers (N. do R: guitarrista do SOILWORK, com quem Warrel gravou o álbum “Praises to the War Machine“)… Ele (Warrel Dane) viveu algum tempo na minha casa e era quase um membro da minha família e foi uma chance que ele me deu da qual eu sou eternamente grato por ter sido parte deste último projeto solo dele. Este trabalho me representa uma faca de dois gumes: se por um lado eu me sinto orgulhoso de ter feito. Ao mesmo tempo eu sinto para que eu queira fazer algo parecido, teria que ser uma situação muito especial, com alguém com um talento tão especial quanto o dele, dar um próximo passo depois de um disco desses é muito difícil. Eu fiquei feliz com o respeito que recebi de músicos de bandas como o MEGADETH, NEVERMORE, MALEVOLENT CREATION, várias pessoas entraram em contato comigo, fãs do Warrel e isso é um presente que ele me deixou
Thiago Oliveira, guitarrista
Esse disco é ambíguo, eu tenho essa sensação. Ao mesmo tempo que “Shadow Work” era uma coisa que a gente tava querendo muito e a gente trabalhou muito, ele veio para, digamos assim, finalizar uma história de uma forma muito triste. Nós estávamos esperando muito para lançar e esse lançamento veio acompanhado de uma das coisas mais loucas que eu já vivi na minha vida, de um cara que era meu ídolo e virou meu amigo, que em 2006 eu abri o show da banda dele e dez anos depois eu estava fazendo um disco com ele e ao mesmo tempo, no meio do processo desse disco, que demandou muito esforço nosso, ele falece… Na época eu fiquei completamente sem rumo. Que coisa louca, que coisa absurda que eu estou vivendo. E o disco veio para colocar um ponto final no que foi a história do Warrel Dane em nossas vidas. Triste, mas, seria ainda mais triste se esse disco não fosse lançado. E provavelmente outras pessoas, outras bandas, ninguém faria nada em uma situação dessas, de morte, de luto. E “Shadow Work” precisava nascer, mesmo nestas condições. Era um disco que veio de uma situação em que não era para vir e ele veio. Mesmo com a morte, ele teve que nascer, era necessário esse ponto final. Nos dá orgulho, do que a gente viveu perto dele, principalmente eu e o Johnny, nós levávamos o Warrel aos hospitais, passávamos noites acompanhando-o e seria muito triste se esse disco não saísse depois de todo esse nosso esforço. É um motivo de orgulho de viver uma experiência dessa, de uma grande gravadora, mas o mesmo tempo é uma coisa muito triste. Eu pego o disco e fico feliz e triste ao mesmo tempo, até hoje.
Marcus Dotta, bateria
“Shadow Work” completa um ano e é inacreditável como o tempo voa e como ele vai fazer com que este disco envelheça bem. Tive o privilégio de viver o que as bandas dos anos 80 viveram: gravadora mundial bancando o trabalho, contrato com direitos autorais, de imagem e execução, estúdio pago incluindo toda e qualquer despesa adicional, equipamento de ponta, equipe com produtor e engenheiro de som… Warrel tinha à disposição qualquer músico que quisesse no planeta. Nós estendemos a mão a ele, porque seus “amigos” o ignoravam. Ninguém queria saber dele. O Warrel não estava cantando bem e sua performance estava muito aquém do que um dia foi, fora os problemas de saúde. Mesmo voltando para o SANCTUARY, sua carreira estava em baixa e ele precisava de mais. Fico feliz de ter dado tempo dele dizer que “Shadow Work” era o disco mais pesado que gravou e melhor que alguns que criou com o NEVERMORE. Não é segredo para ninguém que não é o meu disco favorito, mas de longe é o mais especial e importante e acho que assim será por décadas. Gostaria muito de vê-lo relançado com outra mixagem e as faixas bônus que não foram lançadas. E sim, estamos trabalhando em algumas sobras.
Fabio Carito, baixista
Lineup:
Warrel Dane – Vocal
Thiago Oliveira – Guitarra
Johnny Moraes – Guitarra
Fabio Carito – Baixo
Marcus Dotta – Bateria

Tracklisting:
01 – Ethereal Blessing
02 – Madame Satan
03 – Disconnection System
04 – As the Fast as the Others
05 – Shadow Work
06 – The Hanging Garden
07 – Rain
08 – Mother is Word for God
