A reunião de bandas punk/metal da cidade e de outros estados deu um novo fôlego ao underground de CG (com muito sangue, podridão e “aulas” de anatomia). (Foto: Júlio Diniz)
Uma gig extraordinária, maldita e destruidora, daqueles que faltavam e que há um tempo não ocorrem em Campo Grande (nessa noite Campu Grind), MS. Essa foi a síntese dos comentários que circularam entre o público pós Silêncio Fúnebre Festival, que rolou no último sábado (05 de agosto), no Centro Comunitário José Abrão. Na lineup duas bandas locais (Master Goat e God of Carnage, abertura e encerramento, respectivamente), uma de Corumbá/MS (Resistência Suicida) e duas do Sul (Flesh Grinder de Joinville/SC e Distanásia de Maringá/PR), podemos dizer que o evento marcou o ano e por que não a década na cena underground de Mato Grosso do Sul. O nome do festival foi inspirado em um clássico álbum do hardcore/punk/crust nacional, tecido nas teias subversivas que compõem a resistência underground. O álbum “Silêncio Fúnebre”, lançado em 1986 pela banda Armagedom -o qual já é histórico no underground nacional e internacional, mostrando as realidades deste nosso país, onde a falta de empatia e respeito com o próximo causam dor e sofrimento a inúmeras pessoas diariamente. Como declarou Alyson de Souza, um dos organizadores do evento, uma das coisas mais interessantes do evento é “o diálogo entre punk/metal. Creio que essas fronteiras devem ser rompidas, esse diálogo deve ser permanente. Um universo sendo permeado pelo outro.”
Às sete horas e meia da noite o público já se aglomerava na frente do local, com as tradicionais bolhas e latinhas de ceva na mão. A expectativa para a maldição borbotava entre o pessoal de preto que chamava a atenção da comunidade – estava acontecendo uma festa junina na praça em frente, mas sem conflitos. O respeito entre os locais e os “estrangeiros” foi o tom predominante.
Previsto para iniciar às 20:20, com um atraso de meia hora os portões foram abertos. O local é relativamente grande; os headbangers, punks e membros de outras tribos que prestigiaram (90% dos que manifestaram interesse nas redes sociais compareceram) o rolê foram recebidos com uma boa área externa para respirar de quando em quando e fumar, banca de quitutes veganos e venda de bebidas -baratas, se comparado com os preços cobrados nos barzinhos do lado de fora. O ingresso tinha um preço até que amigável, com a condição de colaborar-se com um quilo de alimento não perecível, revertido para as famílias carentes desalojadas da favela Cidade de Deus (20 pilas antecipado, 30 na hora). Também teve venda de materiais das bandas durante o show, como todo evento do porte que se preze: a adesão do público foi massiva, quase que não garanto o meu (foto).
A primeira banda a esquentar os motores da locomotiva da desgraça foi a “caloura” Master Goat, que conquistou grande espaço no movimento underground de Campo Grande. A nova formação mandou seu Death Metal tradicional cujas influências vão de Venom ao Celtic Frost, fazendo culto ao bode-mestre em suas canções e em suas vidas, a exemplo das músicas Golgota e Cruci-Fiction do álbum “Rise of the Goat”. Cumpriram bem com sua proposta veloz e mórbida, mesmo com problemas no som: houve microfonia em alguns momentos e só foi possível ouvir nitidamente o vocal na penúltima música. Mesmo assim, a vibe banda-público não foi seriamente prejudicada, a qual se despediu sob muitos aplausos. A casa começaria a vir abaixo pra valer com a entrada da Resistência Suicida, um ataque punk corumbaense que fez a plateia voltar aos anos 80 através de músicas como Arquivo de Guerra, Resistência e Suor Poupa Sangue, com direito a insanas rodas de pogo, wall of deaths e discursos inflamados antifascismo e com um vocalista (J. Lourenço) muito satisfeito pela integração de tribos ali. Uma homenagem à banda Sacrifício -também de Corumbá- fechou o set do grupo com cerca de vinte anos de existência (uma das mais antigas ainda em atividade no estado) que já lançou dois discos, mas nenhum lançado na internet, a não ser por pouquíssimos registros ao vivo no Youtube: quem quiser conferir o som deve ir aos shows e comprar o material pessoalmente. Mais under impossível.
A catarinense Flesh Grinder, fundada em 1993, veio na sequencia, destruindo tudo com seu Death/Gore/Grind podre e barulhento. O set incluiu desde músicas do último trabalho, como o single Shelves, Jars and Innards, até a primeira demo de 1994, passando pelo clássico S.P.L.A.T.T.E.R. O power trio, cuja aparição há muito tempo era aguardada pelos fãs campograndenses, estava com “sangue nos zóio” e a platéia correspondeu ao espírito, intensificando as rodas de pogo. Até algumas minas corajosas entraram no meio! (fato: o problema sonoro do começo foi gloriosamente superado, tanto que uma boa parte do show do Flesh ouvi perfeitamente do lado de fora, quando precisei me ausentar um pouco). A insanidade tanto dos espectadores quanto da banda impressionou mutuamente; tomara que este fato conte para uma possível volta de Fabio Gorresen e cia.
Mantendo a pegada destruidora, a Distanásia, outra banda bastante aguardada em CG, entrou na sequência, divulgando o EP “Entre a Balança e a Espada”. A qualidade técnica e peso conjunto símbolo do crustcore nacional, com doze anos de estrada, marcou a apresentação enérgica (em especial da parte do baterista Maka, a qual pude presenciar de perto). Assim como ocorreu com as bandas anteriores, a gurizada (e alguns veteranos) se empurrou e puxou e ao som dos petardos, como Holocaust in Your Head, dos naturais de Maringá. É interessante pontuar, aliás, o respeito que permeou o evento inteiro entre o público; nenhum registro de briga e discriminação -só uns zumbis desmaiando, claro. Foi interessante, além disso, ver como, mesmo sendo o primeira vez do grupo em CG, ver alguns cantando as letras, com grandes inspirações do hardcore anos 80 nacional e dos clássicos do crust/d-beat internacional: Wolfpack/Wolfbrigade, Discharge, Anti-Cimex entre outros.
A última banda a se apresentar foi a nativa God of Carnage, na área desde 2012 e já estimada na cena. Mesmo com o pessoal já detonado pela pauleira das anteriores, os deathmetallers foram bem recebidos. Divulgando o último trabalho “Necrofilia”, com faixas animais como Almost a Cannibal e Red Light. O set ainda com uma participação mais que especial de Raihner Batista, da Diabolical Hate, na música Extremidade ou Ritual. Os campograndenses fecharam com chave de “flesh and blood” o baile crossover, o qual acabou às duas da matina, com os presentes -oriundos de fora da cidade e até do estado- indo para casa exaustos, mas satisfeitos em ver que a cena não está morta; com a promessa de uma segunda edição em breve pelo organizador Alyson, a qual todos que compareceram esperam em breve ver cumprida.
Uma parte da apresentação do Resistência Suicida:
https://www.youtube.com/watch?v=kfelIYGd17M