O cenário pós 11 de Setembro, contribuiu para que 2002 mantivesse aquela tensão frequente no ar. E obviamente, isso se manifestou no cenário musical. Eminem foi O CARA nesse ano! Mesmo com um som raivoso e exalando revolta (“The Eminem Show”), colocou mais uma vez o rap no topo das paradas e venceu todas as premiações possíveis. O rock alternativo ainda dominava os holofotes, e dois trabalhos também carregados de punch, com veia experimental saltada, foram bastante exaltados: “Audioslave“ (Audioslave) e “Songs for the Deaf” (Queens of the Stone Age). Jerry Cantrell destila uma bela e soturna homenagem a Layne Staley com “Degradation Trip”. O Red Hot Chili Peppers resolve não mexer em time que está ganhando, e continua a guinada alternativa do sucesso “Californication”, com “By the Way”. O prog-metal tentava manter o pique da década passada, com os lançamentos de Dream Theater (“Six Degrees of Inner Turbulence”), Symphony X (“The Odissey”) e Pain of Salvation (“Remedy Lane”). Falando em cenário progressivo, “Vapor Trails”, do Rush, apesar de pouco inspirado (algo raro em sua trajetória, mas compreensível pelo absorvimento das tragédias pessoais de Neil Peart), repercutiu bastante aqui no Brasil, por sua turnê ter motivado a primeira vinda da lenda canadense ao país.
Inspiração também foi o que faltou ao metal nesse ano, com raras exceções: a estreia do Mastodon (“Remission”), Immortal (“Sons of Northern Darkness”) no cenário extremo, Nightwish (“Century Child”) sendo mais gótico do que habitualmente sinfônico, o power metal correto do Rage (“Unity“), assim como o Hard’n’Metal do WASP (“Dying for the World“), o death melódico do Dark Tranquility (“Damage Done”), o “classic heavy”do Saxon (“Heavy Metal Thunder”). No Brasil, podemos destacar o Capital Inicial reforçando sua nova fase (“Rosas e Vinho Tinto”) e o folk-metal dos mineiros do Tuatha de Danann (“The Delirium Has Just Began…“). Tarefa árdua, mas estamos aqui para isso, minha escolha dos 5 álbuns deste ano:
BRUCE SPRINGSTEEN: The Rising
Segundo a revista Time, “The Rising”, “foi o primeiro e significante trabalho artístico popular a responder aos eventos do 11 de setembro”. Mas não é apenas por esse fator que tem ares “classicosos” na trajetória de Bruce Springsteen. Vamos passo a passo… O álbum quebrava um silêncio de sete anos sem material original (o maior hiato em sua discografia). Outro ponto a se destacar, foi o reencontro em um registro completo com a E Street Band, algo que não acontecia desde o multiplatinado “Born in the Usa”, de 1984 (18 anos depois!) E por fim, a riqueza do repertório! Apesar do clima tenso no qual se inspirou, “The Rising” passa bem distante de ser um disco melancólico. Ao contrário, mostra grande vigor (rock’n’roll levemente “modernoso”, mas bebendo nas raízes da música americana como é de praxe), com o novo casamento entre Bruce e sua clássica banda funcionando as maravilhas, sob a batuta do produtor Brendan O’Brien (Pearl Jam, Rage Against the Machine e Korn).
A verve poética do “The Boss” se mantém intacta, nada de arroubos patrióticos pela delicada temática abordada. São histórias simples, protagonizando o americano de classe média, sem-teto ou proletariado, em meio a esses conflitos. Difícil destacar alguma canção em um resultado final (15 músicas) tão GENIAL, mas vale frisar que a faixa-título e “Waitin’On A Sunny Day”, foram os grandes carro-chefe, e nunca mais se ausentaram do set-list nos shows. “The Rising” colocou Bruce Springsteen novamente no topo da Billboard e selou seu retorno ao cenário mundial!
Lançamento: 29 de Junho de 2002. Produção: Brendan O’Brien. Gravadora: Columbia Records.
DOKKEN – Long Way Home
Um dos GRANDES discos de rock mais ignorados e subestimados que se tem notícia! Porque? A “MARCA” Dokken infelizmente acabou atrapalhando bastante… Quando remetemos ao grupo americano, a primeira memória que se acentua, é a música festiva ao extremo dos anos 80, com visual colorido, os muitos excessos, etc. E naquele momento, o hard glam estava devidamente “morto e enterrado”, o “revival” do gênero só se daria bemmmm depois. A outra questão, é que o próprio fã do Dokken ao colocar o CD (belíssima capa!) para tocar, não encontrava AQUELA banda que ele conhecia. Complicado, não acham? Ainda era hard rock, mas completamente multifacetado sonoramente, com tendências mais setentistas, “bluezeras” (tem versão para “Heart Full Of Soul”, dos Yardbirds) e contemporâneas. Sim, bastante atualizado com o momento vigente, a começar pelas letras, mais introspectivas e com fortes tendências poéticas. Mas por favor, nada similar ao horroroso “experimento grunge”, “Shadowlife”, que fez a relação com George Linch azedar de vez e levou a banda ao fundo do poço nos anos 90.
Um dos grandes responsáveis pelo excelente resultado final foi John Norum, o grande guitarrista sueco que capitaneava o Europe, e resolveu se aventurar no Dokken (já havia gravado “Up From The Ashes”, o álbum solo do frontman). Esqueçam o que fazia em sua ex banda, ele simplesmente esbanja toda a versatilidade que lhe é cabida, e inédita em um registro para o grande público, com riffs, efeitos e solos diferentemente incríveis. Desempenho simplesmente sensacional! Vale destacar também a voz de Don, em sua melhor forma. “Long Way Home” é aquele disco que a audição flui de tal forma, que temos a sensação que o tempo voou, e queremos torna-lo a ouvir em seguida, tamanho é conciso e “grudento”. O único senão, é a eterna insistência em baladas (três) no repertório (ele AMA!). São corretas, com alguma vantagem para “Goodbye my Friend”, mas aquém do restante do material. Também foi o primeiro registro do ótimo baixista Barry Sparks. “Long Way Home” merece ser redescoberto!
Lançamento: 23 de Abril de 2002. Produção: Don Dokken. Gravadora: CMC International.
PORCUPINE TREE – In Absentia
O rock progressivo teve uma grande “alavancada” com a ascensão do subgênero prog-metal durante os anos 90. Por mais que as bandas desse cenário se mantivessem bem e na ativa, começava a demonstração clara de desgaste. E foi nessa sintonia, que tivemos um álbum MARCO, que levaria o estilo para outro patamar desde então. Absolutamente o oposto aos muitos exageros extrapolados de Dream Theater e companhia… É muito difícil explicar a complexidade da proposta minimalista do Porcupine Tree dentro da esfera progressiva, mas vamos lá! Tudo brotou da mente pródiga do multi-instrumentista e produtor britânico Steve Wilson, que já havia apresentado uma qualidade e sensos técnico e melódico, impressionantes em seus projetos anteriores. Mas o seu ápice é essa obra-prima, “In Absentia”.
Ficou provado que é possível alinhar sofisticação musical e arranjos elaborados a um som acessível, que coloca o gênero atualizado em 2002, sem maiores arroubos nostálgicos. Simplesmente é um “abraço” do universo prog a elementos de rock alternativo, pop e metal, que em momento algum “sacrifica” algum dos lados, mantendo um senso harmônico repleto de sutileza (principalmente nas passagens), complementadas por pitadas eletrônicas e climas soturnos. E tudo isso alinhando uma “vibe” SUTIL (sempre!) de psicodelia “a la Pink Floyd”, a guitarras distorcidas similares ao que Steve estava conduzindo frente a produção do Opeth. Rock progressivo completamente moderno e atual para os padrões da época (tanto que foi abraçado por fãs de outros segmentos), com uma versatilidade diferenciada que representou uma nova etapa para o estilo a partir de então. Obra-prima, por muitos considerado como o melhor álbum da década (não apenas desse ano)! Mas a audição é amplamente necessária para o entendimento desse texto, se você ainda não percorreu a sinergia de “In Absentia”, não perca tempo!
Lançamento: 24 de Setembro de 2002. Produção: Steve Wilson . Gravadora: Lava Records.
SHAMAN – Ritual
EXPECTATIVA! Uma palavra que traz consequências sempre complicadas em nossas vidas, mas em se tratando desse processo ocorrido aqui, inevitável descarta-la. André Matos (RIP), Luís Mariutti e Ricardo Confessori debandaram de uma das grandes instituições metal do país. O Angra foi a banda mais bem sucedida em expandir o sucesso que o Sepultura possibilitou no mercado externo. O “racha” resultou em fãs desnorteados, muitas dúvidas pairando no ar, até que o projeto Shaman foi anunciado. Em um momento de pouco fôlego no metal mundial, o debut de estreia “Ritual” veio como um bálsamo! Acompanhados do excepcional guitarrista Hugo Mariutti, é um disco meticulosamente planejado, que já nasceu grande. Se a intenção era não remeter ao trabalho anterior que tanto marcou os integrantes, conseguem com louvor e maestria! O conceito primal são os rituais religiosos, principalmente os xamânicos (o nome da banda não seria em vão, CLARO!), então a atmosfera mística e as experiências étnicas anteriores com o Angra (principalmente em “Holly Land”), se multiplicam a enésima potência.
Interlúdio tribal, climas épicos, sonoridades exóticas em abundância (percussões e instrumentos indígenas, indianos e eruditos, canto gregoriano, o violino singular de Marcus Viana, do Sagrado Coração da Terra), somados a heavy-metal de primeiríssima! Com uma pegada direta e influências progressivas, vocais bem mais rasgados, emotivos e menos melódicos (André em sua melhor performance até então), é simplesmente um PRIMOR de execução! A produção de Sasha Paets salta os olhos, havia provado a sua competência em trabalhos com o próprio Angra e o Edguy, mas podemos dizer que “Ritual” (onde também contribui como guitarrista) é o seu “canto dos cisnes”! Impossível destacar alguma canção avulsa com um resultado tão brilhantemente coeso, mas o farei com a belíssima balada de ares medievais “Fairy Tale”, por uma questão curiosa: caiu no gosto popular por ter integrado a trilha-sonora da telenovela “O Beijo do Vampiro”. Por incrível que pareça, muitaaaa gente conheceu o Shaman através desse “acesso”. Tobias Sammet, do Edguy, faz uma participação na “pauleiraça” melódica “Pride”. Discaço!
Lançamento: 21 de Junho de 2002. Produção: Sasha Paets. Gravadora: Universal Music.
THE FLAMING LIPS – Yoshimi Battles the Pink Robots
Oriundos da década de 80, os The Flaming Lips tiveram um ótimo “boom” com a ascensão do rock alternativo na primeira metade dos anos 90, principalmente com a recepção do HIT “She Don’t Use Jelly”. Poderiam colher os louros, mantendo-se dentro dessa ambientação musical, mas temos várias palavras-chave para classificar os americanos de Oklahoma, liderados por Wayne Coyne: INQUIETAÇÃO é uma delas! “Zaireeka” (1997), álbum quádruplo feito para se ouvir simultaneamente, obviamente teve problemas de compreensão, e isso os levou ao mercado independente, com total liberdade para criação. A guinada para esse processo se deu com a sensacional incursão psicodélica de camadas sinfônicas eletrônicas, “The Soft Bulletin” (1999), que mesmo repleto de um “show de experimentações” os levou a um grande sucesso comercial e o reconhecimento da crítica. Mas apesar de sérios problemas de ordem pessoal que quase fizeram o grupo se desmantelar, o melhor ainda estava por vir…
“Yoshimi Battles the Pink Robots”, foi o álbum que levou a banda para o mainstream, onde passaram a se apresentar em grandes festivais pelo planeta, e sedimentou a imagem que todos temos do The Flaming Lips: cores em profusão, luzes caóticas, shows catárticos, universo lúdico, letras repletas de abstracionismo e MUITAAAA psicodelia. “Tresloucamento” é a tônica e ESTRANHEZA, outra palavra-chave! Costumo dizer (por minha conta e risco), que são os herdeiros do espólio de Syd Barret na Terra, com louvor. A sonoridade deste clássico dos anos 2000, ao mesmo tempo que abusa de bizarros recursos eletrônicos, soa acessível (“ambient”) e bastante coeso no formato de canções, desbundando lirismo. Apesar da fábula de Yoshimi, uma jovenzinha japonesa faixa-preta em karatê, que está preparada para salvar sua cidade do ataque dos robôs cor-de-rosa, não é um disco considerado conceitual por Wayne Coyne: “As coisas simplesmente foram se interligando”, afirmou. Unidade é algo que realmente se tornou muito frequente na constante produção do grupo (basicamente um registro por ano) desde então. Obras de arte são feitas para serem absorvidas como um todo, mas impossível não destacar a maravilhosa “Do You Realize” (sua canção mais conhecida), a singela faixa-título PARTE 1, a poderosamente emocional “Are You A Hypnotist?” e “Approaching Pavonis Mons by Balloon (Utopia Planitia)”, que levou o Grammy em 2003 de Melhor Performance Instrumental de Rock. Se você é avesso a experimentações sonoras em demasia, fuja! Agora, se quiser viajar por dimensões lisérgicas e desconhecidas, caia dentro que a “good trip” é certa!
Lançamento: 16 de Julho. Produção: The Flaming Lips. Gravadora: Warner Bros.