A década de 90 entrava em sua reta final, com total expectativa para a virada de século e do milênio! O panorama musical estava tão efervescente que soava confuso, com tantas probabilidades ao redor. O movimento grunge já perdia um pouco o fôlego, e o rock dito “alternativo” caminhava forte pelo protagonismo. O “brit-pop” tomava as paradas com a briga entre Oasis e Blur ( “Be Here Now” e “13” trouxeram novas possibilidades as bandas e foram grandes sucessos!), o definitivo “Ok Computer” do Radiohead, redirecionou os rumos sonoros dos anos subsequentes, e “Around the Fur” do Deftones praticamente moldou o nu metal (que chegava com força total) mais acessível para as rádios desde então. Bandas clássicas pesadas vinham com trabalhos bastante contestados por público e crítica: Metallica (“Reload”), Megadeth (“Cryptic Writings”) Judas Priest (“Jugulator”), Kiss (“Carnival of Souls”) e Faith no More (“Album of Year”).
Mas na Europa, o dito power metal se fortalecia, com lançamentos de Hammerfall, Rhapsody, Gamma Ray, Iron Savior e Stratovarius, sendo bastante incensados por seus admiradores. Novas tendências atacavam com força, como o black metal sinfônico da Noruega (Dimmu Borgir – “Enthrone Darkness Triumphant”) e o death metal melódico na Suécia (In Flames – “Whoracle”). Bob Dylan literalmente ressurgia com a incrível experiência blues “Out of Mind”. Mas NADA chegava perto da ascensão da música eletrônica pelo mundo, que pintava com ares de revolução no mainstream. Falei de “confusão” inicialmente, não foi? Pois é, cada vez mais antevíamos o que seria o mundo globalizado, com as experiências musicais e “tribos” sendo cada vez mais congruentes. E sim, novamente foi bastante difícil escolher apenas 5 álbuns, mas vamos lá:
BRUCE DICKINSON: Accident of Birth
A maioria esmagadora dos fãs do Iron Maiden, sofria com a escolha de Blaze Bayley frente aos vocais da lenda e simultaneamente com o risível álbum “Virtual XI”. Bruce Dickinson em sua carreira solo vinha do também criticado (pelo público Metal) experimento alternativo “Skunkworks”. “Accident of Birth” soou como um presente para o público mais ortodoxo, mas vai MUITO além disso. É um dos maiores discos de Metal já feitos! Marca o retorno da parceria com Adrian Smith (também fora do Maiden nesse período) e o entrosamento artístico com o guitarrista e produtor Roy Z . Seu trabalho frente ao estúdio é simplesmente FENOMENAL! Essa observação do crítico Fire Power, sintetiza exatamente o que representa o disco: “consegue ser inovador e conservador ao mesmo tempo (paradoxal hein?).” Os timbres pesados e modernosos, somados as linhas vocais mais soturnas, traziam o toque sonoro do cenário atual. Sincronicamente, o forte senso melódico e a voz “mais em forma do que nunca” de Bruce, nos transporta para o cerne da NWOBHM, em um resultado final irrepreensível!!!
Sobre a capa (teve 4 versões), mais uma parceria que remetia ao passado de glórias, com o desenhista Derek Riggs (para quem não associa o nome, criador do emblemático mascote Eddie), trazendo o personagem do assustador palhaço assassino Edson. Era inevitável a comparação no período de seu lançamento, simplesmente representava “o Iron Maiden que todos queriam ver”. Aliás, vamos combinar que “Accident of Birth” é muito mais bem sucedido que vários registros da discografia da banda, concordam? Em 1999, Dickinson e Adrian inevitavelmente retornariam para a “Donzela de Ferro”, onde se encontram até os dias atuais. Mas aí já é outra história…
Lançamento: 3 de junho de 1997. Produção: Roy Z. Gravadora: Castle.
DAVID BOWIE: Earthling
David Bowie ampliou seus horizontes inexoravelmente nos anos 80, se tornando um dos maiores astros da década. Uma trilogia mais acessível a música pop atual (“Let’s Dance”, “Tonight” e “Never let me down”), parcerias com Mick Jagger, Pat Metheny, Tina Turner, e trilhas de cinema memoráveis (além de trabalhos como ator), terminando a década com uma turnê (“Sound and Vision”) apresentando seus maiores hits. Só que definitivamente não foi bem sucedida, Bowie ODIOU se revisitar, e o camaleão precisava ainda “mudar bastante de cores”, como sempre se manifestou artisticamente. Adentra os 90 fazendo parte de uma banda de hard/punk como vocalista (Tin Machine, dois álbuns lançados), incursionando em uma “salada’ de hip-hop, jazz e soul (“Black Tie White Noise”), rock alternativo em estado experimental (registro da série televisiva “Buddha of Subburbia”) e a retomada da parceria com Brian Eno, no “pouco entendido” projeto “Outside”. Faltava uma explosão de vanguardismo rock’n’roll que abalasse as estruturas!
E fazendo referência ao “homem que caiu na terra”, atacou com uma de suas maiores obras-primas! “Earthling” é porrada sem precedentes, um presente a si próprio para comemorar as 50 primaveras e a inclusão no Rock and Roll Hall of Fame. Foi o primeiro grande astro a cair de cabeça no eletrônico naquele momento, algo que já lhe era peculiar (vide a trilogia de Berlim no final dos anos 70), mas em uma premissa BEM MAIS radical… Os beats de apoio foram assimilados do jungle jamaicano, o “proto” drum’n’bass (nervosíssimos), e com guitarras pesadas vindo a bombordo. A experiência de ter o Nine Inch Nails abrindo sua turnê anterior, o fez emergir nas possibilidades que os múltiplos efeitos lhe ofereciam, com a influência do rock industrial e da cena tecno subsequente. O disco foi um grande sucesso e a turnê (nada de DJ, havia uma banda da pesada!) foi considerada o grande show do ano. Bowie voltava a ser mais contemporâneo do que nunca, sendo redescoberto pela nova geração! Apesar dos destaques de “I’m afraid in Americans” (do filme “Showgirls”), “Seven Years in Tibet” (tema do filme homônimo) e a preferida da cena eletro para remixes “Dead Man Walking”, é um álbum para ser ouvido de uma tacada só! Aliás, ninguém consegue não ir a fundo em “Earthling”, onde a capa (maravilhosa!) também é icônica.
Lançamento: 3 de Fevereiro de 1997, Produção: David Bowie, Mark Platt, Reeves Gabriels. Gravadora: BMG
DUST FROM MISERY: Dust from Misery
“Chacoalhar” o Thrash-Metal, dar uma renovada BRUTAL ao gênero com um “caldeirão” de referências! Por incrível que pareça, o objetivo acabou fluindo de uma forma bem natural, por mais que desde a formação em 1994, os cariocas do Dust from Misery já tivessem esse ensejo através de pesquisas sonoras das mais diversas. O vocalista Alex Voorhees (Imago Mortis), juntamente ao baixista Cláudio Alves (Allegro) e o produtor e engenheiro de som, Maurício Xavier (RIP), integravam paralelamente o projeto Alquimia, onde a palavra de ordem era “embolar” rock, pop, MPB, ritmos folclóricos e o que mais viesse! Quando assinaram para o debut auto-intitulado, o repertório já estava devidamente consolidado nesse amplo conceito, que se estendia as duas bandas. Além do lendário baterista André Delacroix (Metalmorphose, Azul Limão), integravam o DFM, Helvécio Parente (teclados), e os guitarristas Rodrigo Meirelles e Eduardo Alves.
Imergido em uma sonoridade pesadíssima e absurdamente coesa, é basicamente um disco que já nascia com “ares classicosos”. Além de samplers e efeitos diversos, tínhamos percussões indianas e cítaras (“Blessed”), doom (“Black Raven Eyes”), progressivo (“Cycle of Birth and Death“, com seus 15 minutos), climas épicos (“The Lost Soul” e “The 7th”), passagens jazzísticas (“Spirit of Wrath”), alternativo (“The Satellite Song”), cânticos com devotos Hare-Krishna (“Jaya”), coral infantil (na apocalíptica “The End of the World”) “quebradeira” com toque industrial e solo de gaita “bluezera” (“Lust”), uouuuuu! Uma diversidade de absurda competência, proporcionando canções memoráveis, só que produzida muito a frente do seu tempo… A repercussão, mesmo com a dificuldade do público headbanger em assimilar tanta versatilidade na época (apesar de antenada ao cenário que emergia) foi muito boa, levando a banda a alguns programas de TV como o “Jô Soares Onze e meia” e o “Mtv no Ar”, além de críticas entusiásticas de publicações pelo mundo inteiro. Mas enquanto “lá fora” as bandas “implodem” por vaidade, drogas, e todo o previsível combo, em se tratando de Metal Nacional já é sabido como funciona, né? Mudanças abruptas na formação, incapacidade em manter o grupo como prioridade, a fragilidade do mercado, e infelizmente só temos esse único e magistral registro na carreira do Dust from Misery. Merece redescoberta, justiça sendo feita, sem dúvidas!
Lançamento: 15 de Dezembro de 1997. Produção: Dust from Misery e Maurício Xavier. Selo Megahard Records, Gravadora Progressive Rock Worldwide.
THE PRODIGY: The Fat of the Land
“O ponto em que a cultura RAVE colidiu com a cultura METAL”. Essa perfeita avaliação da publicação Metal Hammer, sintetiza exatamente o impacto que “The fat of the Land” do Prodigy proporcionou na época que foi lançado. Universos que durante muito tempo colidiram, dialogaram ferozmente nesse registro, o terceiro na discografia do bardo eletrônico inglês. É um dos principais marcos da música dos anos 90! Além da própria revolução na transição sonora do grupo, após dois discos de textura eletrônica, para uma guinada simbiótica de atitude punk, peso com arranjos industriais, somados a uma boa pitada de guitarras PESADAS e camadas saturadas. A transgressão foi tamanha, que faixas com toda uma abordagem underground, habitavam rádios populares, programação de TV e pistas de dança simultaneamente, algo impensável para os dias atuais. Foi o disco com venda mais rápida no Reino Unido em seu ano de lançamento. E até hoje, é um dos mais vendidos daquele período. Graças também a seu conceito e produção deveras atemporal, o impacto em sua audição permanece o mesmo até os dias atuais!
E a polêmica vinha a tiracolo: “Smack My Bitch Up” teve sérios problemas de execução por letra e vídeo-clipe (banido da MTV) que fazia referência ao estilo de vida auto-destrutivo das festas, inclusive tendo cenas gratuitas de uso de drogas e nudez. Isso não impediu a abertura do disco de ser um grande estouro, figurando na trilha de dois sucessos do cinema: “Closer – Perto demais” e “As Panteras”. “Breathe” foi o avassalador HIT, mas “Diesel Power”, “Funky Shit” e “Mindfields” (consta na trilha do clássico “Matrix”) também tiveram grande repercussão. “The fat of the Land”, “capultou” o Prodigy do restrito nicho eletrônico e os alçou como atração de vários dos principais festivais ao redor do planeta, garantindo a entrada no mercado norte-americano e ampliando as possibilidades da música eletrônica. Os shows traziam uma catarse sem precedentes, furiosas rodas de stage-dive, convergiam no meio de todas aquelas luzes e cores de aura lisérgica, contrastando com o visual futurista e a atitude punk de Liam Howlett, Maxim Reality e Keith Flint (RIP). Foi o ACONTECIMENTO do ano!
Lançamento: 01 de Julho de 1997. Produção: Liam Howlett. Gravadora: XL Recordings Maverick.
RATOS DE PORÃO: Carniceria Tropical
O Ratos de Porão nunca ”deitou nos louros” da pecha de precursores do movimento punk no Brasil, e sempre buscou novas possibilidades sonoras. A guinada ao Metal, com o crossover dos álbuns “Descanse em Paz”, “Brasil” e “Anarcophobia”, lhes carimbou o estigma de “traidores do movimento” (para muitos infelizmente, isso se faz valer até os dias atuais), evento totalmente ignorado por João Gordo e cia, até porque o público headbanger os recebeu de braços abertos. Com o advento de cantar em inglês para visar o mercado externo (em virtude da ascensão do Sepultura), cometeram talvez o maior escorrego em sua discografia, o “estranho” e insípido “Just Another Crime in… Massecraland”. A banda estava no ápice de seus problemas com drogas pesadas e isso fatalmente influenciou negativamente no processo. Voltaram as origens com os discos cover de bandas seminais do punk nacional e internacional (“Feijoada Acidente”), que teve excelente receptividade. Mas era o momento de dar um passo a frente mais uma vez…
Beirando o crust e o grindcore (já haviam gravado Extreme Noise Terror no álbum ao vivo), “Carniceria Tropical” é o seu registro mais brutal e ousado. A excepcional produção do mago Billy Anderson (Brutal Truth, Cathedral, Fantomas, Neurosis, entre muitos outros) fez TODA a diferença, colocando esse material entre os principais registros extremos da história! O “desgraçamento” é de uma coesão tão absurda, que fica impossível destacar algum ponto alto no disco, é simplesmente “matador” em sua proposta como um todo. A evolução musical do grupo também “saltava aos olhos”! Pela primeira vez temos os vocais de João Gordo tão “vomitados” (algumas músicas foram gravadas com um bolo sendo mastigado), que o encarte se faz presente para o entendimento mais pleno de algumas letras. Que aliás, continuam dando um show a parte, em sua verve de denúncia social (temas como abuso policial, problemática das drogas, obesidade, bitolação religiosa, etc), com a sonoridade sendo fio condutor de toda a revolta expressa. Desagradável, lindo e essencial, simultaneamente! Independente da afinidade com o gênero ou não, essa obra do Ratos de Porão merece constar em qualquer coleção de música PESADA…
Lançamento: 1997. Produção: Billy Anderson. Gravadora: Paradoxx Music. Exterior pelo selo Alternative Tentacles, de Jello Biafra.