O ano de 2006 foi de Amy Whinehouse! O atemporal e inclassificável “Back to Black”, nascia com ares clássicos e colocou uma espécie de “nostalgia modernosa” no topo das paradas, uma “salada” genial de rhythm and blues, soul e pitadas de jazz, somadas a letras angustiadas e vocais memoráveis. Pena que infelizmente parou por aí… Falando em desfechos trágicos, Justin Timberlake “pagou de vidente” e se anunciou como o substituto natural de Michael Jackson, com o sucesso “FutureSex/LoveSounds”. E falando em mitos da black music, nesse ano perdemos o maior deles, James Brown.
Artistas do indie-rock chegavam ao mainstream graças ao fenômeno da ferramenta Myspace (que também alçou Lilly Allen como nova estrela POP), com os álbuns “Whatever People Say That I Am, That’s What I’m Not” (Arctic Monkeys) e “Black Holes And Revelations” (Muse). Em ares mais alternativos do início da década, o The Raconteurs se destacou com “Broken Boy Soldiers”, juntamente com representantes do gênero de vertente mais folk, como Belle & Sebastian (“The Life Pursuit”) e Cat Power (“The Greatest”).
Os veteraníssimos Tom Waits (“Orphans, Brawlers, Bawlers and Bastards“) e Bob Dylan (“Modern Times”, primeiro lugar da Bilboard), voltavam aos seus tempos de glória, sendo redescobertos por aquela geração. No terreno mais pesado, lendas infelizmente batendo ponto, com trabalhos que remetiam a burocracia: Iron Maiden (“A Matter of Life and Death”), Queensrÿche (“Operation: Mindcrime II“) e Rage (“Speak of the Dead“). Em compensação, Celtic Frost (“Monotheist”), Winger (“IV”), Michael Schenker Group (“Tales of Rock ‘n’ Roll“), Red Hot Chilly Peppers (“Stadium Arcadium”), Motörhead (“Kiss of Death”), e Slayer (“Christ Illusion”, no retorno de Dave Lombardo), mostram grande vigor e foram muito bem recebidos pela audiência.
O “starchild” Paul Stanley, do Kiss, se aventura em razoável disco solo de tons modernosos, mas que rende alguns bons momentos. Outros astros dos anos 70 que fizeram bonito foram Glenn Hughes (“Music for the Divine“) e Sammy Hagar (Livin’ It Up). Mastodon (“Blood Mountainn”) e Jorn (“The Duke”) apresentam o notável amadurecimento que já acenavam suas estradas como gloriosas. No Brasil, o Matanza chega ao seu ponto máximo (“A Arte do Insulto”), Caetano Veloso lança seu disco mais roqueiro até então (“Cê”) e o Angra vem com sonoridade mais direta e pesada em “Aurora Consurgens”. Mas vamos a sempre árdua tarefa de apresentar o meu TOP 5:
KRISIUN: AssassiNation
Se atualmente os gaúchos do Krisiun são considerados com toda justiça, uma das maiores instituições de death metal do planeta, temos que creditar as mudanças ocorridas a partir deste álbum. “AssassiNation”! O sexto registro do trio (não creditando o split “Curse Of The Evil One” de 92 e os EPs “Unmerciful Order” de 93 e “Bloodshed” de 2004), expandiu os horizontes sonoros sem perder a brutalidade, e sentenciou uma evolução técnica que permeou-se crescentemente até os dias atuais. O old-school de competência acima da média que fez a banda ser descoberta com fervor e desbravasse o mercado externo, aqui vem acrescido de andamentos mais intrínsecos, cadenciados e “quebrados”, groove de médio tempo e a velocidade então onipresente, dividindo espaço com muito mais peso (grandes riffs “brotam” imensamente!) e flertes com o experimentalismo.
Claro que a produção primorosa de Andy Classen (Holy Moses), contribuiu para que a surpreendente ascensão técnica e melódica do grupo chegasse aos nossos ouvidos de forma cristalina. Como é costumeiro neste gênero, fãs mais radicais desaprovaram o novo direcionamento. Só posso atestar que “AssassiNation” é um marco, levando a música praticada pelos irmãos Koslene, como atualmente dizemos no dito popular, para OUTRO patamar!
Lançamento: 21 de Fevereiro de 2006. Produção: Andy Classen. Gravadora: Century Media Records.
DAVID GILMOUR – On an Island
Dizer apenas que é o melhor álbum da carreira solo de David Gilmour, não comensura o impacto no qual este trabalho causou mediante o seu lançamento. Se passavam 22 anos do seu último “solitário” disco (o ótimo “About Face”, 1984), e a volta aos estúdios depois de mais de uma década, após o derradeiro registro do Pink Floyd, o incrível “The Division Bell” (1994). Se fosse divulgado mediante a franquia que o consagrou, não traria nenhuma surpresa o resultado para os fãs. Olhem o time que o acompanhou: Guy Pratt (baixo e vocal), Rick Wright (teclado e vocal), Jon Carin (teclado e vocal) e Dick Parry (saxofones), ou seja, quatro membros do Pink Floyd pós-Waters juntos, além de Phil Manzanera (guitarras). Ainda temos a participação de lendas, como David Crosby, Graham Nash e Robert Wyatt. Não tinha como dar errado!
Falar da técnica individual formidável e o talento como compositor do guitarrista britânico, é “chover no molhado”. O tino melódico de Gilmour estava apuradíssimo, e traz um acento mais suave e introspectivo para a viagem de “On an Island”. Com a vibração devidamente “domesticada”, a beleza e o apuro em cada detalhe sonoro proposto, se torna mais perceptível e encanta de forma sublime. As canções instrumentais expandem a sua figura como um dos mais grandiosos guitarristas, no aspecto de desprendimento emotivo do seu instrumento, e no uso de poucas notas com muitos vibratos e bends. A faixa título e “Smile”, nos remetem ao “Floyd sem Waters”, enquanto “Take a Breath”, a fase pós-Syd Barret do final dos anos 60. A suavidade proeminente de “The Blue” e “A Pocketful of Stones” é comovente, assim como sua incursão pela guitarra turca em “Then I Close My Eyes”, e ao saxofone (isso mesmo!) em “Red Sky at Night”. Obra-prima que periga levar as lágrimas, se consistindo em um dos grandes trabalhos da década!
Lançamento: 06 de Março de 2006. Produção: David Gilmour, Phil Manzanera, Chris Thomas. Gravadora: Columbia Records.
SEPULTURA – Dante XXI
“Dante XXI” é COM SOBRAS o melhor disco do Sepultura até então, na fase pós-Max Cavalera! Também foi o último com a participação de Iggor Cavalera na bateria, e engatou uma sequência de trabalhos conceituais a partir daí. O projeto encanta pela ousadia como um todo, a começar pela sonoridade. O feeling “tribal-étnico” repleto de brasilidade, que sintetizava uma espécie de “fórmula de sucesso” para o grupo, dá lugar a orquestrações, com várias passagens eruditas. Em virtude disso, a bateria de Iggor aparece mais concisa, com linhas mais simples e diretas, mas que em nada afetam um trabalho de extrema relevância, deste que é um dos maiores instrumentistas do gênero. Andreas Kisser acaba sendo o grande destaque pela versatilidade, as guitarras do Sepultura permeiam uma gama amplamente ampla de possibilidades, e percebe-se claramente um caráter evolutivo em seu estilo de tocar, trazendo um grande frescor de modernidade .
Não podemos esquecer da história que está sendo contada e que contribuiu para promover todas essas mudanças (afinal, é uma “ópera-thrash”!): as três seções de “A Divina Comédia”, do escritor italiano Dante Alighieri (Inferno, Purgatório e Paraíso) referenciadas com os dias atuais. Claro que as letras também se consistem em um grande destaque neste projeto, no qual fica perceptível como foi meticulosamente planejado. “Convicted In Life” (que representa a entrada de Dante para o Inferno), “Fighting On”, e “Nuclear Seven”, permeiam-se como algumas das melhores músicas feitas na história da banda. Mas o álbum como um todo (16 faixas) é um primor, e lamentamos bastante a ausência do sucesso comercial que merecia, em uma época que problemas internos quase “implodiram” o grupo. Merece ser mais incensado na carreira do Sepultura!
Lançamento: 14 de Março de 2006. Produção: André Moraes. Gravadora: Steamhammer.
IMAGO MORTIS – Transcendental
O Imago Mortis alçou com louvor o posto de maior referência do doom metal nacional! O debut “Images from the Shadow Gallery”, impressionou pela verve poética mergulhada na filosofia, com o nosso idioma se alternando ao repertório (a maior parte em inglês) e um instrumental poderoso. O seminal “Vida: A Play of Change”, álbum conceitual repleto de experimentalismo que discorre a saga de um indivíduo à beira da morte, foi praticamente uma unanimidade perante público e crítica, sendo alçado com todo louvor a condição de clássico. A expectativa para o seu sucessor era absurda. E quando “Transcendental” saiu depois de quase 4 anos, não é que eles conseguiram surpreendentemente se superar? O impacto se dá inicialmente pelo viés musical, a diversificação permeando várias vertentes do metal e progressivas, mostram que o grupo ignora completamente o risco da ousadia, e mexe sim, em time que estava ganhando. Claro que o doom se faz presente, mas de forma MUITO mais abrangente.
E o mais incrível, é que há uma linha tênue que conduz todas essas referências, soando personalíssimo em um belo conjunto de canções com atmosfera dark que transcende (perdoem o trocadilho) a nossa audição. Dessa vez as letras abordam as multifacetas da natureza humana. “Across the Desert” e “Into The Void” nasceram hinos, assim como a singela intercessão em “Searching For A Touch Of Divinity” (dueto vocal com Mel Boa-Morte) e “A Sweet Lullaby” (belo arranjo de piano de Maila-Kaarina). A agressividade nos “petardos”, “Hall of Souls”, “Sangue e Dor” e “Kali-Yuga” (vigoroso solo de órgão Hammond de Alexandre Garcia), contagiam subliminarmente! E querem doom mais “tradicional”? Presente em “Undrying Tears”, os 9 minutos da maravilhosa faixa-título, e em “Sea Of Uncertainty”. Trabalho primoroso, no qual cada integrante ou participante brilha acima da média, mas é impossível não destacar os vocais de Alex Voorhes, que chegam no seu maior ápice em sua carreira. Obra-prima do metal nacional!
Lançamento: 15 de Setembro de 2006. Produção: Glen Zolotar e Imago Mortis. Gravadora: Die Hard.
MEAT LOAF: Bat out of Hell III: The Monster Is Loose
Faremos uma metáfora com o cinema! Geralmente quando um clássico nas telas é lançado, o episódio 3 da trilogia costuma ser considerando o mais fraco, já perceberam? Não é o que acontece aqui com a terceira parte de “Bat out of Hell”. Meat Loaf foi alçado ao estrelato no ano de 1977, com esta imponente obra, que está entre os 10 álbuns mais vendidos de todos os tempos (cerca de 43 milhões de cópias, 14 álbuns de platina). O rock’n’roll de ares pomposos, com passagens eruditas e operísticas, selou a parceria com o genial compositor Jim Steinman, com produção primorosa de Todd Rundgren. Sempre entra em listas de “melhores de todos os tempos” com extrema justiça, é realmente genial!
Pois em 1993, “Bat Out of Hell II: Back Into Hell” foi lançado, e conseguiu a proeza de ser incensado por crítica e público, afastando qualquer acusação de oportunismo e tendo grande repercussão (também vendeu horrores!). O “figuraça” Loaf já havia acenado que fecharia essa gloriosa história com mais um registro. E isso acabou se dando em 2006, só que dessa vez com alguns problemas… O parceiro de longa data Jim Steinman, racha com o músico (inclusive com a briga indo parar nos tribunais), e apenas 7 canções suas entram em “Bat out of Hell III: The Monster Is Loose“. O restante do material foi composto juntamente ao hitmaker Desmond Child (Bon Jovi, Alice Cooper, Aerosmith, Kiss, etc), que dispensa apresentações.
E milagrosamente mesmo com o clima conturbado, o resultado final não foi afetado. A maior discussão dos fãs aliás, até o presente momento, está em qual seria o melhor registro dos 3! Com todo o prestígio que a obra lhe convém, um time de PESO foi chamado para participar do álbum: Steve Vai, Nikki Sixx, John 5 (ex-Marilyn Manson), Brian May, Marion Raven, Patti Russo e Jennifer Hudson. Os elementos teatrais característicos da “ópera-rock” permanecem, mas com um detalhe interessante. Esse é o que traz mais peso e elementos “modernosos”, mas nada que descaracterize a singular sonoridade, com toda a afetação magistral que lhe é cabida, de muitas orquestrações típicas de trilhas cinematográficas. Podemos dizer que essa foi a trilogia que mais deu certo na história, simplesmente sensacional!
Lançamento: 20 de Outubro de 2006. Produção: Desmond Child. Gravadora: Universal Music.