TOP 5: álbuns que marcaram 1990 – parte 2

A década de 80 chegava ao seu fim, e o ano de 1990 foi marcado na história com uma profusão de álbuns grandiosos, que já acenavam com a mudança de paradigma sonoro que viríamos mais a frente. O nosso primeiro TOP 5 já deixou isso bastante claro (https://roadie-metal.com/top-5-os-albuns-que-marcaram-1990/), confiram! O thrash-metal mostrava grande rebuscamento técnico com os imponentes “Seasons in the Abyss” (Slayer) e “Persistence of Time” (Anthrax). O AC/DC dava uma retomada na carreira através do clássico “The Razor’s Edge”, assim como o ápice do Queensrÿche em “Empire”. A cena hard/glam vem com seu último fôlego, os multiplatinados “Cherry Pie” (Warrant) e “Flesh & Blood” (Poison).

O Living Colour traz outras possibilidades no pesado e funkeado “Time’s Up”, assim como os alternativos Depeche Mode (“Violator”) e Happy Mondays (“Pills ‘n’ Thrills and Bellyaches”), todos com ares “classicosos”. Na música pop, George Michael foi absoluto com “Listen Without Prejudice Vol. 1”. O rap já dialogava os arremedos crossover que vimos nos anos 90, com Ice Cube em “AmeriKKKa’s Most Wanted”. Tal qual o surf-rock australiano, Midnight Oil chegava ao topo com seu maior sucesso “Blue Sky Mining”. BASTANTE complicado fazer essa escolha, mas vamos lá! TOP 5 1990 parte 2 abaixo:

DORSAL ATLÂNTICA – SEARCHING FOR THE LIGHT

Um dos precursores do metal no país, tinham status de lenda nesse momento, com quase 10 anos de carreira, os clássicos álbuns “Antes do Fim” e “Dividir e Conquistar” (além do EP “Ultimatum”) na bagagem, além da identidade musical personalíssima com a simbiose de thrash e hardcore. Em 89, o Sepultura ganhava notoriedade mundial com “Beneath de Remains”, e o sinal de alerta foi ligado. Com o mundo inteiro alardeando o Brasil por esse intento, todas as bandas projetaram cantar em inglês e visar o mercado externo em busca de reconhecimento similar.

E apesar de todo esse ensejo coletivo, o projeto conceitual do terceiro disco da Dorsal Atlântica, a primeira “ópera-thrash” que se tinha notícia, “Searching for the Light”, teve motivação particular, como descreve o líder Carlos Lopes: “Quando imaginei o Searching, pensei em uma nova forma de tocar metal, como se o trio fosse uma pequena orquestra clássica executando rock pesado, mas fugindo de todos os clichês. Liricamente, concluí que não deveria escrever letras da maneira tradicional, mas sim contando uma história, como se estivéssemos musicando um livro, tanto que não houve preocupação com rimas, apenas com o conteúdo. O álbum foi composto para ser cantado exclusivamente em inglês.” E ainda constava no ambicioso projeto, uma história em quadrinhos retratando o conceito, mas infelizmente acabou não ocorrendo, juntamente com a desistência do selo americano em distribuir o disco no mercado externo.

E assim, em meados de 1990, adentramos a nova década com um trabalho magistral, muitoooooo a frente do seu tempo. A sonoridade era densa e coesa, amplamente compatível com o conceito abordado nas letras (pela primeira vez em inglês), que abordam o cotidiano de um lugar futurístico, repleto de injustiça e desigualdade social, dominado por uma elite inescrupulosa, alicerçada por traficantes, bicheiros e criminosos do “colarinho branco”. Pois é, 31 anos depois, só temos que lamentar por termos mais uma referência ao Brasil que continua absurdamente atual. Musicalmente, apesar da vibe hipnótica que realça o poderio poético, concilia toda a técnica do “Dividir e Conquistar” com a agressividade e crueza do “Antes do Fim”. Mas realmente não parecia com nada que já tínhamos ouvido no gênero… É realmente incrível o resultado final, e só nos resta lamentar por não ter recebido o devido merecimento em termos de visibilidade, e ter entrado para a história apenas com ares “cult”.

Página dos quadrinhos referentes ao conceito de “Searching for the Light”

Como boa ópera, feito para se ouvir integralmente e na sequência, mas se eu pudesse destacar algum momento, seria a única faixa do disco com refrão… E QUE REFRÃO! Impossível não gritar junto já na primeira audição o título: “Hierarchic Democracy” sai das entranhas, e funcionava ferozmente ao vivo não era a toa, já que é uma das melhores faixas da banda! A voz de Carlos está mais empostada e menos berrada, realmente existe uma preocupação em “mastigar” as letras para o maior entendimento do ouvinte. E dos melhores riffs da história do metal “brazuka” até então, a sensacional “The ones left screaming”. Essa grande obra de arte não merece apenas ser rememorada, mas amplamente divulgada. Esse MARCO não pode mais ser subestimado!

Lançamento: agosto de 1990. Produção: Dorsal Atlântica. Gravadora: Heavy.

ALICE IN CHAINS – FACELIFT

Muitos acham que o marco zero da “avalanche” transitória que resultou na explosão do movimento grunge nos anos 90, veio com “Nevermind” (um ano depois) do Nirvana. O impacto em ter tirado o imponente “Dangerous”, do “Rei do Pop” Michael Jackson, do TOP 1 da Bilboard foi realmente impressionante (e decretou o início de uma nova era)! Mas o primeiro disco dessa trupe a sair do underground, conseguir notoriedade e vendagens que levaram a ganhar rapidamente o Disco de Ouro (depois chegou ao Platina), foi “Facelift”, a grande estreia do Alice in Chains! E QUE ESTREIA! Foi o que precisavam NirvanaPear JamSoundgarden, entre outros, para dominar o mundo. O grupo teve seu som moldado de acordo com a ambientação ao redor: clima gélido, falta de perspectivas futuras, melancolia, experiências destrutivas com drogas… Não combinava nem um pouco com o cenário “festivo” que predominou a musicalidade dos anos 80.

“Facelift” foi um MARCO, trazendo o Alice in Chains rapidamente para o pico do cenário mundial, capitaneado principalmente pelo sucesso avassalador de “Man in the box” (riff “matador” com efeito de “talkbox”, inspirado em “Livin’on a Prayer” do Bon Jovi), “campeoníssimo” em execução radiofônica e televisiva, com o clipe oficial sendo transmitido a exaustão, principalmente pela MTV, que despontava com força total especialmente aqui no Brasil. Inclusive concorreu ao Grammy de Melhor Performance Hard Rock em 1992. Hoje, independente da carreira gloriosa que viriam a ter, ainda é através desse HINO que muitas das vezes a banda é apresentada as gerações subsequentes.

Apesar do estranhamento pela proposta musical (TODO o álbum é incrível e personalíssimo em sua sonoridade), foram convidados para turnês gigantes de abertura com ícones rock de sonoridades diferentes (Van HalenIggy PopPoison, e o festival Clash of Titans, com TestamentAnthraxMegadeth e Slayer). Obviamente tomaram bastante vaia de grande parte dessas plateias (o público de metal era BEM mais radical nessa época), mas além da “coragem”, a volta por cima veio com números: suas vendagens e porque não popularidade, superam a dos quatro gigantes do thrash, JUNTOS!

Depois com a consagração da cena GRUNGE, isso foi devidamente corrigido, havia um nicho de Seattle para dialogar em shows conjuntos, mas é com certeza HOJE uma das bandas mais respeitadas desse cenário do tão multifacetado consumidor de rock’n’roll, principalmente os de metal. Aliás, recentemente o “Madman” Ozzy Osbourne fez uma lista dos seus dez discos preferidos, e sim, “Facelift” esta lá entre eles! E concordamos com sua declaração: “uma das estreias mais impactantes da história da música”! Quem somos nós para discordar, não acham?

Lançamento: 21 de agosto de 1990. Produção: Dave Jerden. Gavadora: Columbia Records.

BARÃO VERMELHO – NA CALADA DA NOITE

O Barão Vermelho vinhe revigorado em formato de trio, com uma sequência matadora: os pesados “Carnaval” (88) e “Ao Vivo” (89). Quando tudo parecia mais tranquilo para o processo de gravação do oitavo álbum do grupo, mais uma baixa inesperada:  Palmeira, reclamando das ditas “diferenças criativas” sai da banda. A solução foi rápida e providencial: Dadi, um dos maiores baixistas do país, ex Novos Baianos e A Cor do Som (e ironicamente, um dos maiores ídolos de ) topa o desafio, juntamente com a efetivação de Fernando Magalhães na guitarra e do percussionista Peninha, que já vinham acompanhando a banda como músicos convidados. Sim, o Barão volta a ser um QUINTETO!

“Na Calada da Noite” foi o maior sucesso dos “barões” desde a fase Cazuza, recolocando o grupo novamente no primeiro escalão do rock’n’roll nacional. A turnê foi arrebatadora, todos estavam afiadíssimos! O nome da banda era bradado várias vezes antes e durante as apresentações (até então, só a Legião Urbana tinha esse privilégio), pelas sempre “inflamadas” audiências. O set-list privilegiava TODAS AS MÚSICAS do novo registro em questão (quem faria isso atualmente?), havia esse cuidado em mostrar ao público as mudanças sonoras que foram acentuadas. Com relação a isso, afirmo que o uso incisivo de VIOLÕES é a mais perceptível.

Muitos achavam que a veia “MPBzistica” de Dadi teria contribuído para tal feito, mas o baterista Guto Goffi afirmou que “não queríamos nos consolidar como banda de hard rock, somos mais flexíveis que isso”… O disco figura entre os grandes clássicos da banda, com um repertório irrepreensível em sua qualidade. Três HITS que tocaram incessantemente (“Política Voz”, “O Poeta Está Vivo” e “Tão Longe de Tudo”), um título que suscitava “mistério” e uma belíssima capa (foto estilizada de um beco com ares underground). O Barão voltava ao céu novamente! 

Lançamento: 1990. Produção: Paulo Junqueiro, Roberto Frejat, Guto Gofi e Ezequiel Neves. Gravadora: WEA.

JON BON JOVI – BLAZE OF GLORY

No auge da explosão de “Slippery When Wet” (1986) e “New Jersey” (1988), foram cerca de 460 shows em pouco mais de três anos e meio. O Bon Jovi necessitava urgente de férias e foi dada uma pausa consciente para que os músicos pudessem descansar e cada um tocasse quaisquer projetos que tivesse em mente. Para Jon Bon Jovi, a pausa foi mais curta que o esperado… Mediante a negativa em ceder “Wanted Dead or Alive” para “Young Guns” (1988), que retratava a biografia do lendário fora-da-lei do Velho Oeste americano, Billy The Kid, resolveu assumir sozinho a trilha-sonora da sequência dois anos depois.

Música para cinema havia sido um dos filões mais rentáveis no show buziness dos anos 80, mas nitidamente a motivação de Jon era criativa e desafiadora. E valeu a pena! Seu nome passou a ter um nível maior de respeitabilidade desde então, mesmo para o mais odioso detrator do hard/glam/metal no qual era oriundo. A faixa-título do projeto, “Blaze of Glory”, não apenas deu início à sua carreira solo, mas atingiu o primeiro posto da principal parada da Billboard, levou um Globo de Ouro como melhor canção original e foi indicada ao Oscar na mesma categoria. Além de ser um dos maiores clássicos da história! O disco não é fechado conceitualmente, apesar de fazer um grande apanhado nas raízes profundas da música americana, assim como “reza” Bruce Springsteen, um dos seus ídolos. Aliás, “Never Say Die” pode ser considerada uma “irmã” de “Bobby Jean” do The Boss, percebam!

Todo o repertório é irrepreensível, e tivemos também o sucesso radiofônico da bela balada country “Miracle”, e a soberba “Santa Fé”, onde Jon dá uma verdadeira aula de técnica com seus vocais simultaneamente emocionais. Quem não atestava suas qualidades a frente do Bon Jovi, com essas canções não teve como! Coral gospel em “Bang a Drum”, a pura diversão com ar Nashville, “Billy Get Your Guns”“Blood Money” e sua beleza acústica, os cantos indígenas na introdução de “Justice in the Barrel”… Um primor de “cabo a rabo” e absurdamente atemporal. A lista de convidados ilustres é impressionante: Jeff Beck, Little Richards, Elton John, Robin Crosby (guitarrista do Ratt), Benmont Tench (fundador do Tom Petty and the Heartbreakers), só para citar alguns! “Young Guns 2” (no Brasil “Jovem Demais para Morrer”) recebeu uma das maiores trilha-sonora que se tem notícia!

Lançamento: 1990. Produção: Jon Bon Jovi. Gavadora: Mercury.

STEVE VAI – PASSION AND WARFARE

Talvez o álbum instrumental mais popular da história! E amplamente merecido em sua reputação dentro do universo “guitar-hero”, que foi expandida de uma forma irrepreensível com esse lançamento. “Passion and Warfare” foi influenciado conceitualmente em sonhos diversos do magistral guitarrista, e marca o início de sua carreira-solo propriamente dita, já que “Flex-Able” foi lançado quando Steve Vai ainda estava envolvido em outros projetos. O seu maior clássico é concebido aqui: “For Love to the God”, acompanhado de um fantástico clipe, soube “surfar na onda” do estouro da MTV na década que adentrava, e foi um sucesso arrebatador! Mesmo quem passava distante do universo hard-rock, era músico ou simplesmente tinha veneração por guitarras, se emocionou com esse lamento primoroso, onde a conjunção técnica + feeling alcança uma simbiose em termos colossais. Uma música profunda, mítica, a guitarra representando o conceito de DEUS na música. A empolgante “The Audience is Listening” foi outro vídeo que bombou, e acabou servindo como single.

Aquele elemento surpresa do grande guitarrista que surgia de trabalhos com Frank Zappa, David Lee Roth e Whitesnake, se tornava um fenômeno mundial de proporções absurdas para um instrumentista. Aliás, podemos creditar a solução repleta de autenticidade de como preencher espaços onde estariam os supostos vocais, um dos motivos de tamanho estouro. “Passion and Warfare” foi certificado com o disco de ouro em quatro países: Reino Unido, Austrália, EUA e Canadá, superando a marca de um milhão de discos vendidos ao redor do planeta. A “safada” e swingada, “Erotic Nightmares”, a arrepiante introdução de “Liberty”, a viagem incrível de “The Riddle”, a “bluezera” “Blue Powder”, o peso cadenciado de “The Animal”

Um grande trabalho que só veio atestar a genialidade de um dos maiores MONSTROS da guitarra instalados nesse mundo. Aliás, a associação de sua persona com alienígenas não é nenhum exagero. Duvidou? Pegue qualquer show e ateste, que apesar de toda a técnica, feeling, virtuosismo e possibilidades inacreditáveis concebidas com o instrumento, o cara é de um carisma ímpar! Simplesmente ficamos incrédulos com o que estamos presenciando, e quando automaticamente o levamos ao “status de divindade”, eis que o seu senso de humor inacreditável nos traz novamente para a realidade. É inevitável muitas pessoas associarem virtuosismo com chatice, auto-indulgência, presunção… Steve Vai desmitifica e reverte qualquer possibilidade nesse sentido. E “Passion and Warfare” além de magistral, foi o início glorioso de tudo! FUNDAMENTAL em qualquer coleção!

Lançamento: setembro de 1990. Produção: Steve Vai. Gavadora: Epic.

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