Para entender melhor as nossas escolhas aqui, teremos que dissecar porque foi utilizada a nomenclatura Hard/Glam/Metal. Muitos nomeiam esse cenário e sonoridade apenas como hard rock, glam metal, rock poser, metal farofa, hard glam, hair metal, e NENHUMA dessas denominações soa fidedigna a exatamente o que foi incensado e defenestrado nesse movimento, que resultou em uma verdadeira FEBRE na década de 80. Mas vamos por partes… HARD ROCK: a exemplo do gênero AOR, o advento das rádios FMs também influenciou uma ruptura com a cena setentista, onde as bandas eram mais “sisudas” e se levavam bastante a sério. Aqui todos também são virtuosos, grandes músicos, mas com uma inserção melódica bem mais comercial na estrutura musical e repleta de “fanfarronice” em suas letras. MUITO ao pé da letra e de forma glamourosa, embarcou-se na tríade sexo, drogas e rock’n’roll (ultrajante, hedonistas e imorais, para desespero dos setores conservadores). A postura era carregadíssima no DEBOCHE, basicamente uma sátira ao contexto “rock-star”, que também foi bastante promulgado na década passada.
Aí que entra o visual GLAM! A única referência com a geração anterior, é uma dose de androginia mais sutil que a dos ingleses do Roxy Music, T-Rex e David Bowie, e os americanos do New York Dolls, que levavam a premissa mais artisticamente conceitual. Com essa galera 80’s, o sentido era de alegria e colorido em profusão, além de lantejoulas, purpurina, cabelos indefectivelmente armados, roupas com muitos “penduricalhos” e estampa de animais… Tudo completava o pacote transgressor! Vemos na explosão da new-wave e do new-romantic, uma fonte de influência. Afinal de contas, se cores bizarramente exageradas chegaram ao estrelato vindo da cena punk, “porque também não poderiam”? Ainda mais com o advento dos videoclipes, onde o aspecto visual TAMBÉM passou a ser uma condição sine qua non para o sucesso, juntamente a música, é claro! A MTV iniciava, mas já fazia o seu “barulho”… E todos estavam atentos com relação a isso!
E quanto ao METAL, os gêneros colidiam harmonicamente. Radicais na época piraram (até hoje acontece!) sem o mínimo sentido, porque vamos lá: o clássico álbum “British Steel” do Judas Priest, é mergulhado nesse carimbo musical característico do mercado americano que engatinhava. “United”, não é uma “farofagem” escancarada? Assim como letra e a levada de “Living After Midnight”? Pois é, tudo estava sempre “junto e misturado”, não só na “brodagem” dos integrantes, como na sonoridade que era congruente (e com o tempo, o próprio figurino!). Se formos em qualquer publicação audiovisual ou em revistas especializadas da época, TUDO era chamado de heavy-metal simultaneamente: Def Leppard, Judas Priest, Van Halen, Ratt, Motley Crue, Scorpions e o recém estrelado Quiet Riot. Aliás, esse último através de “Metal Health” (1983), literalmente escancarou o Hard/Glam/Metal para o mainstream ao desbancar nada mais, nada menos, que “Thriller” (o álbum mais vendido da história!) de Michael Jackson do posto número 1 da Bilboard. O underground “pútrido” da Sunset Strip passou a ser disputado a tapa pelos executivos das grandes gravadoras. E por isso o ano de 1984 é tão especial, várias estreias de peso são proporcionadas, o cenário se aquece de forma impensável e poucos artistas independente do gênero musical, conseguiram atingir o impacto, as vendagens e o sucesso das bandas desse segmento!
Agora vamos a justificativa das ausências, porque o ano foi “pesadíssimo” literalmente! O maravilhoso arrasa-quarteirão “Love at Firt Sting” do Scorpions, bebe na fonte sonora SIM, mas falta o lado GLAM que descrevemos, no visual e postura. KISS, e o platinado “Animalize” já era o contrário. A lenda cairia mais de cabeça na sonoridade do registro seguinte, “Asylum”. O clássico “1984” do Van Halen (aliás presente na primeira parte do nosso TOP 5, link aqui: https://roadie-metal.com/top-5-os-albuns-que-marcaram-1984/), estava indo na direção contrária, o lado festeiro flertava com sintetizadores e uma musicalidade mais AOR. A “farofice” de David Lee Roth não ficou nada feliz com isso… Sairia no mesmo ano e cairia de cabeça no Hard/Glam/Metal em carreira solo. Outro registro histórico, o debut do W.A.SP., acabou se confundindo com a cena, mas seguia uma premissa totalmente particular. As maquiagens e desbunde, resultavam em um teatro do terror mais chocante do que Alice Cooper havia feito (carnes penduradas nos shows, muito sangue e decapitações). Por isso achamos que o termo shock rock é mais adequado, apesar do som dialogar perfeitamente. O arrebatador “Slide It In”, do Whitesnake, apesar de brilhar, ainda não estava totalmente “imerso nas lantejoulas”, como no seminal “1987”. Agora, as estreias auto-intituladas de Icon (do petardo “On Your Feet”) e Bon Jovi (com o hino “Runaway”, mas a explosão no gênero MESMO viria depois), somados a Helix (“Walgin’ The Razor’s Edge”) e Krokus (“The Flix”), foi mera questão de escolha particular, porque poderiam estar na lista tranquilamente. Vamos ao nosso TOP 5 Especial:
RATT – OUT OF THE CELLAR
Temos aqui uma estreia que basicamente direcionou o gênero, de tão impactante! Os “ratos saíram dos porões” e foram arrebatados para o estrelato! Mas nada superou o impacto e os números de “Out of the Cellar”, é o trabalho de maior sucesso do quinteto até os dias atuais. E olha que se estendeu aos subsequentes! Um dos motivos para esse resultado foi “Round and Round”, a música mais conhecida da banda, com seu clipe desdenhando da burguesia americana, que se transformou num HINO. Juntamente com os vídeos de “Wanted Man” (onde o Ratt sai das turnês abarrotadas para o Velho Oeste) e “Back for More”, o grupo de San Diego soube se aproveitar como nunca desse recurso que explodia (Michael Jackson um ano antes já havia dado o “mapa da mina”), com sua estética visual cheia de exageros, carregada na ironia. A marcante capa é estampada pela recém-falecida modelo Tawny Kitaen, na época namorada de Robin Crosby, e que mais tarde seria figura marcante nos clipes do Whitesnake.
Os elementos TODOS que virariam clichê na cena estão lá no disco: as incisões melódicas das guitarras, com seus indefectíveis dedilhados; o clima desbragadamente festivo e lascivo das letras,; o equilíbrio entre peso, padronização pop e rapidez metálica; e a voz de Stephen Pearcy, rouca, descompromissada e com agudos desprendidos na medida certa. Basicamente foi influência para grande parte dos vocalistas que se aventuraram por essa seara. Warren DeMartini e Robbin Crosby mostram química incrível nas guitarras (riffs e solos de altíssimo nível), assim como a “cozinha” do ex-Doken, Juan Croucier no baixo e Bobby Blotzer na bateria. E pensar que a certeira produção de Beau Hill, sofreu resistência da banda durante o processo. Esse conjunto de canções monstruosamente fortes, figurou no Top Ten dos EUA com três singles na parada e três milhões de cópias vendidas instantaneamente. UM MARCO!
Lançamento: 27 de março de 1984. Produção: Beau Hill. Gravadora: Atlantic Records.
TWISTED SISTER – STAY HUNGRY
O Twisted Sister foi a banda que levou o “escárnio” para o seu patamar mais alto! Por mais que a postura do cenário GLAM fosse kitsch, em grande parte das vezes a maquiagem e as roupas espalhafatosas deixavam os músicos “mais bonitos”, e muitos foram alçados a condição de sex-symbol (sim, ACONTECEU!). Aqui o exagero como outra banda jamais alcançou, tinha o efeito contrário e conseguia plenamente o seu objetivo: misturar revolta com bom humor e ironia. “Stay Hungry”, o terceiro álbum na discografia do bardo, por si só merecia constar em qualquer lista de melhores álbuns da história. O contraponto sonoro entre HARD (“The Beast” e “S.M.F.”) e METAL (“Burn in Hell”, “Don’t Let me Down”, a faixa-título) é absurdamente preciso, sendo deveras inspirado de “cabo a rabo”, soando simples, mas com refrões marcantes e riffs grudentos. E ainda tinha uma bela balada (“The Price”) e música de 7 minutos com ares mais “sombrios”, “Horror-Teria (The Beginning) : A) Captain Howdy B) Street Justice”: duas PRECIOSIDADES!
Mas nada superou o combo dos HINOS ABSOLUTOS que transcenderam o gênero e viraram clássicos absortos e definitivos do rock’n’roll: “I Wanna Rock” e “We’re Not Gonna Take It”! Juntamente com clipes sensacionais, onde tiravam sarro daqueles que os jovens consideram seus maiores opressores, os pais e professores. Quem não gostou nada disso foi o comitê censor PMRC, liderado por Tipper Gore, esposa do senador Al Gore, que elegeu o rock como inimigo número 1 do moral e bons costumes da família tradicional americana, alegando que as bandas não apresentavam conteúdo apropriado para crianças e adolescentes. O vocalista Dee Snider foi ao Senado defender a liberdade de expressão, e o embate com Tipper e sua horda conservadora, é histórico (disponível no YouTube)! A propaganda “negativa” fez “Stay Hungry” ganhar certificado de platina TRIPLO, por 3 milhões de cópias vendidas só nos EUA, e as duas músicas viraram verdadeiros líbelos da juventude na época. O ESTRAGO ESTAVA FEITO!
Lançamento: 10 de maio de 1984. Produção: Tom Werman. Gravadora: Atlantic Records.
HANOI ROCKS – TWO STEPS FROM THE MOVE
Um dos MAIORES álbuns concebidos nesse nicho! A maturidade apresentada aqui, veio aprimorada de uma longa estrada com muita “ralação”, desde o surgimento do Hanoi Rocks, em Helsinque, 1979. A Escandinávia não encontrava facilidades para inserir-se no mercado americano, e o processo teve que acontecer lentamente gradativo. Mas em compensação, experiência nos palcos e um domínio cada vez maior dos estúdios, fez a banda conseguir cada vez mais notoriedade (primeiramente no Reino Unido e Japão). Mas som, qualidade, atitude e visual não bastavam! Era necessário “integrar a turma”, fortalecer o vínculo com o circuito da Sunset Strip, e primordialmente ser aceito naquele establishment de perversões e exageros. Era uma espécie de “batismo de fogo”, muitos contratos foram fechados pós-noitadas alucinadas. Finlandeses por uma questão cultural, são tradicionalmente fechados. Podemos creditar esse encadeamento ao baterista Razzle, que realmente amava aquele estilo de vida, louvava a cena americana e era um cara muito carismático e divertido. Ao ser aceito como membro da “família Mötley Crüe”, tudo foi acontecendo de forma bastante rápida para o Hanoi Rocks, e o mundo se abriu! Pena que simultaneamente esse encontro tenha resultado em um final tão trágico…
“Two Steps From The Move”, é o quinto álbum na discografia da banda, o primeiro por uma grande gravadora (CBS), e sob o comando de um produtor de primeiríssima linha, o grande Bob Ezrin (Alice Cooper, Kiss, Pink Floyd). É um trabalho de ares clássicos, talvez o que tenha a sonoridade mais multifacetada e mesmo assim extremamente coesa de todo o movimento. A Finlândia trazia uma tradição punk/hardcore bastante forte, e algumas faixas tem uma irresistível pegada “garagera” (“High School”, “Futurama”) e também de hard setentista (o cover primoroso de “Up Around The Bend”, do Creedence Clearwater Revival, “Boiler (Me Boiler N’ Me)” e a épica “Milions Miles Away”). Além de pitadas de rockabilly e “Rolling Stones vertente black”, com direito a um saxofone azeitado do vocalista Michael Monroe em vários momentos.
Mas os grandes hits foram os Hard/Glam/Metal (o disco tem apenas alguns lampejos metálicos), “Boulevard Of Broken Dreams” (um tributo a rua mais explosiva de Los Angeles), “Underwater World” e a balada “Don’t You Ever Leave Me”, cujos videoclipes levavam os radicais a loucura! Infelizmente, o destino foi cruel… No auge do sucesso, a história do Hanoi Rock foi interrompida com a morte de Razzle num terrível acidente automobilístico, causado por um embriagado Vince Neil (Mötley Crüe). Mas o legado deixado em “Two Steps From The Move”, deixa uma sensação de DEVER CUMPRIDO, tamanho o brilhantismo executado.
Lançamento: agosto de 1984. Produção: Bob Ezrin. Gravadora: CBS
DOKKEN – TOOTH AND NAIL
O mentor e vocalista Don Dokken já era uma figura bastante tarimbada no circuito. Tinha cidadania alemã, e os contatos iniciais na Europa trouxeram uma resposta muito positiva ao projeto. Só que nos EUA, o álbum de estreia foi considerado um fracasso comercial. Prestes a serem demitidos do selo, o manager Cliff Bernstein teve que utilizar toda a sua habilidade empresarial, para convencer os executivos que o próximo registro seria bem sucedido de qualquer maneira. A banda estava absolutamente colocada contra a parede! Inicialmente, o clima de pressão incentivou a criatividade, e Don juntamente ao guitarrista George Linch, chegaram a ter 25 músicas concebidas para o que viria a ser “Tooth And Nail”.
Mas então começaram os conflitos: primeiro pela escolha do produtor, depois as 10 músicas que entrariam no disco, e o choque crescente de egos entre Lynch (que saiu e voltou várias vezes no processo) e Dokken, se tornou insuportável. Tudo foi ainda extremamente exacerbado pelo abuso de cocaína e álcool por músicos e técnicos. Chegou ao ponto que um “esquema” foi feito para que ambos não se encontrassem no mesmo horário no estúdio. A pergunta que não quer calar… Como um cenário tão CAÓTICO (teve troca de produtor, quem aguenta isso?) conseguiria conceber uma obra tão impactante???
O talento “atropelou” tudo! “Tooth and Nail’ é considerado com louvor um dos clássicos do gênero. É a própria síntese do Hard’n’Heavy melódico, partindo de uma sonoridade leve para o mais duro heavy-metal. Aliás, todo o clima conturbado trouxe bastante agressividade e temos verdadeiros petardos metálicos aqui, como a faixa-título, “Don’t Close Your Eyes” e “Turn on the Action”. O sucesso mesmo veio com os três singles, as irresistíveis “Just Got Lucky”, “Into the Fire” e a baladaça “Alone Again” (feita inicialmente em 1975 pelo vocalista). O trabalho instrumental é primoroso: Linch DESTRÓI nas seis cordas (não é a toa que entrou em TODAS as listas da década de melhor instrumentista), a cozinha coesa de Jeff Pilson e Bob Brown se destaca, e Don ainda estava com sua voz intacta. “Tooth and Nail’ levava o Dokken ao topo, e era o pontapé inicial da trilogia dourada do grupo, sequenciada por “Under Lock And Key” (1985) e “Back For The Attack” (1987). ESSENCIAL!
Lançamento: 14 de setembro. Produção: Tom Werman, Roy Thomas Baker Gravadora: Elektra Records.
GREAT WHITE – GREAT WHITE
Vocês podem estar me perguntando… A grande consagração do Great White não veio com o Hard/Blues/Rock de “…Twice Shy” (1989)? E anteriormente, a visibilidade frente ao grande público se deu com a inclinação AOR de “Shot In The Dark” (1986) e “Once Bitten” (1987)? Que relevância tem esse debut auto-intitulado, que “passa batido” pela discografia da banda? Vamos lá, se não fosse por esse disco aqui com um PUTA REPERTÓRIO de Hard/Glam/Metal, eles não teriam despontado para o mercado. Esse era o genuíno som do Great White! Aquela gana adolescente de tocar alto “além da conta”, o tesão em fazer com que as coisas vingassem, palhetadas abafadas sem medo, a extensão dos agudos (Jack Russel mandando ver!), letras cortantes… Dentro do gênero que abordamos aqui, o resultado é primoroso! O fato de terem mudado para outras possibilidades sonoras (sendo muito bem sucedidos!), não desmerece o efeito causador desta “bolacha” ao colocarmos a agulha no vinil (é como preferimos ouvir a experiência de “Great White”).
A agressividade contundente de “Out of the Night” (o grande hit!), o energético cover de “Substitute” (The Who), as “metálicas”, “Bad Boys”, “Stick It”, “Nightmares” e “On Your Knees”, o senso melódico de “Hold On”, a cadenciada “riffzera” de “Streetkiller” e “No Better Than Hell”, o “speed” de “Dead End” (Mark Kendall “possuído”!)… É coisa finíssima!!! A banda realmente veio com fúria dizendo para o que veio, e não a toa entraram com o pé direito no circuito de turnês, abrindo com sucesso para Whitesnake e Judas Priest. Não se engane, falta de reconhecimento e visibilidade, NÃO É SINÔNIMO DE QUALIDADE! Um dos maiores registros do gênero!
Lançamento: outubro de 1984. Produção: Michael Wagener. Gravadora: EMI America Records.
“Baixe nosso aplicativo na Play store e tenha todos os nossos conteúdos na palma de sua mão.
Link do APP: https://play.google.com/store/apps/details?id=com.roadiemetalapp
Disponível apenas para Android”