É realmente impressionante a produção de excelência que o final da década de 60 nos proporcionou. A quantidade de gêneros e fórmulas sonoras que surgiam, mediante o número avassalador de novos artistas que despontaram e “aqueciam” como nunca o mercado fonográfico. Vale rememorar (o texto está disponível nesse link https://roadie-metal.com/top-5-albuns-que-marcaram-1969/ ) que na primeira parte do TOP 5 deste emblemático ano, tivemos 3 clássicos absolutos na lista, como “Abbey Road” (The Beatles), “Let it Bleed” (The Rolling Stones) e o debut do Led Zeppelin (IMPRESSIONANTE!). E ainda as estreias de King Crimson (“In The Court Of Crimson King”) e Yes (álbum homônimo), que foram fundamentais para construir os pilares do rock progressivo.
E por incrível que pareça, houve dificuldade para a minha escolha, porque o quinhão de lançamentos relevantes em 1969 é incrível, mesmo com a ausência dos 5 da primeira parte. Citarei alguns! O maravilhoso segundo álbum do Led Zeppelin; os “primeirões” de The Stooges, Os Mutantes e Nick Drake (“Five Leaves Left”); o matador supergrupo Blind Faith (Eric Clapton, Ginger Baker, Steve Winwood e Ric Grech juntos, não é brincadeira!); o impactante segundo registro do The Band; “Green River”, do Creedence Clearwater Revival; a despedida do Cream (“Goodbye”); o clássico “Everybody Know This is Nowhere”, de Crazy Horse e Neil Young; o controverso experimento lisérgico-progressivo, “Ummagumma”, do Pink Floyd; os segundos solo de Frank Zappa e David Bowie; UAUUUU! Complicadíssimo destacar, perceberam? Mas asseguro que a participação no emblemático festival de Woodstock contribuiu para a minha escolha do TOP 5. Vamos a eles:
The Who – “Tommy”
Apesar de ter havido anteriormente algumas incursões que previam o formato, “Tommy” é considerado a primeira ópera-rock por excelência da história, o protagonista a ser encaixada no estilo! Quarto registro da discografia e um marco na trajetória do The Who (e da música mundial!), conta a história fictícia de Tommy Walker, um garoto “surdo, cego e mudo” que se torna um messias religioso através de sua habilidade extraordinária nos jogos de pinball. O conceito foi resultante do contato de Townshend (responsável por quase todas as composições), com o mestre espiritual indiano Meher Baba. Por meio da figura de Tommy, o músico expressou a “benção” que recebeu, em uma narrativa que procura representar diferentes estados de consciência.
Ambientada nas décadas de 20 e 30, “Tommy” inicia-se quando um oficial inglês, o Capitão Walker, é dado como morto durante a Primeira Guerra Mundial. Sua mulher, que ele deixara grávida em casa, dá luz a um menino, e tendo plena certeza da viuvez, inicia um relacionamento. Walker, três anos após o fim da guerra, consegue voltar para casa, e flagrando a esposa com seu amante na cama, o mata, sob o olhar assustado de seu filho. Com ameaças, ele o proíbe veementemente de contar a alguém o que aconteceu. Em choque, o menino fica cego, surdo e mudo. Ano após ano, nada do que seus pais fazem, para seu desespero, consegue tirar o garoto da clausura em que se encontra. Tommy em sua jornada particular vai passando por uma série de sofrimentos. Seu único contato aparente com a realidade é na mesa de fliperama, onde se torna um “ás” fabuloso em toda série de pinballs possíveis…
Finalmente um especialista percebe seu real problema, ao vê-lo fitando sua própria imagem num espelho. O quebrando, ele liberta Tommy, que julgando-se um iluminado, cria uma seita e arrebata multidões por onde quer que pregue. Porém, suas regras são rígidas em demasia e seus discípulos acabam se rebelando contra o novo messias. É realmente uma história SENSACIONAL, tanto que foi adaptada em 1975 para filme com elenco estelar (Elton John, que popularizou ainda mais o sucesso “Pinbal Wizard”, Eric Clapton, Tina Turner, Jack Nicholson, Ann-Margret e o próprio frontman Roger Daltrey, vivendo Tommy na fase adulta), se tornou espetáculo fixo na Broadway (“The Who’s Tommy”, a partir de 1993), regravação com orquestra e muitas temporadas com o disco executado na íntegra. Fatalmente é o trabalho mais reconhecido do bardo inglês. Musicalmente? UM PRIMOR! Obra-prima, é como chamamos não é?
A banda chamou para si o papel de orquestra, e desbundou um repertório criativo que deixou todos estarrecidos, tamanha a diversidade sonora. Além das composições de Pete, tivemos “Cousin Kevin” e “Fiddle About” (Entwistle, que também tocou trompas) e “Tommy’s Holiday Camp” (Keith Moon). “Eyesight To The Blind (The Hawker)”, uma música de 1951 de Sonny Boy Williamson, foi indicada por Daltrey e parece assustadoramente ter sido composta para a história. O clamor poético de “See me, feel me, touch me, heal me”, ecoa como um mantra hipnótico (o show em Woodstock que o diga!) sempre após a primeira audição. E o que dizer do hino “I’m free”? Um dos álbuns mais importantes reconhecidamente já feitos! ANTOLÓGICO!
Lançamento: 17 de maio de 1969. Produção: Kit Lambert. Gravadora: Polydor Records.
Elvis Presley – “From Elvis in Memphis”
Que Elvis Presley é o rei supremo do rock’n’roll, ninguém contesta! Em plena segregação racial americana, trouxe a tira-colo todos os “inventores” do estilo renegados aos guetos, como Chuck Berry, Litlle Richards e Fat Dominos, fazendo justiça mesmo já deitado “nos louros da fama”. Mas Elvis infelizmente também foi a primeira “marionete” do show buziness mundial. E para vocês saberem do verdadeiro impacto que foi “From Elvis in Memphis”, teremos que brevemente passar por esse contexto histórico até aqui. O rock ao final dos anos 50 tinha assumido por completo a pecha de maldito para as famílias, com uma coleção de polêmicas: Berry havia sido preso por “escravidão de mulheres brancas”; Jerry Lee Lewis praticara bigamia ao se casar com sua prima de 13 anos; Carl Perkins sofreu um terrível acidente de carro, assim como um aéreo vitimou Buddy Holly e Ritchie Valens; e por último, Little Richards assumia sua bissexualidade e se convertia ao Cristianismo (chegando a função de pastor presbiteriano), simultaneamente. O rock era o inimigo número 1 da América! Por isso a invasão britânica também foi bem sucedida em sua mudança de postura mais comedida.
O empresário Coronel Tom Parker estrategicamente tratou de tirar seu pupilo “dos olhos do furacão” e investiu na mudança de imagem: Elvis foi servir o exército na Alemanha por aproximadamente dois anos, como um típico “bom moço” americano. Ao retornar, novidades! Com a imagem “suavizada”, era hora de expandir a marca de forma mais incisiva. Iria protagonizar três filmes anuais, sendo responsável pelas trilhas-sonoras subsequentes. Rock’n’roll? Apenas quando pertencia ao contexto da história… Obviamente a estratégia de marketing deu certo, a popularidade de Elvis aumentou de forma retumbante para um público mais amplo, mas internamente não estava nada feliz dentro dessa “prisão”, apesar de fama, glória, fortuna e mulheres. Vide a histórica visita dos Beatles até a casa do rei, onde Lennon (sempre ácido), ao ouvir dele que após esse “esquema filmes e trilhas” iria conceber o melhor disco de rock que poderia, respondeu: “ahhh, esse então eu comprarei!” Além da prematura morte da mãe e o início do vício em medicamentos, esse foi um dos momentos mais duros nessa fase. Ouvir daqueles que haviam “tomado” a sua popularidade roqueira algo do tipo, fez sua “ficha cair”…
Aproveitando uma leve queda de bilheteria no cinema e vendagem de discos (muito pela saturação do formato), brigou com o Coronel para realizar um especial em 1968 pela NBC, celebrando o passado roqueiro. Obviamente foi um sucesso absoluto, todos amaram ver Elvis de volta ao vivo! Era o retorno do reconhecimento de público e crítica, e essa apresentação (que virou disco) é um dos momentos mais emblemáticos em sua carreira. Capitaneado pelo single que virou hino, “Suspicious Mind”, ficou amplamente a vontade para voltar as gravações com LIBERDADE (muitoooo tempo que não acontecia, 14 anos depois no American Studio, em Memphis) e celebrar toda a sua genialidade musical com o MAGISTRAL “From Elvis in Memphis”. Dessa vez tínhamos o efeito inverso, os Beatles estavam saindo de cena enquanto Elvis renascia!
E nada revisionista, muito além de um álbum com a sonoridade antecedente a sua fase Hollywood. Simplesmente é uma AULA de raízes da música americana. Rhythm and blues, gospel, soul e country em total simbiose, com forte acento pop roqueiro. COM CERTEZA, figura entre os maiores clássicos de sua pouco extensa, mas produtiva carreira. O carro-chefe foi a faixa-protesto “In the Guetto”, mas o conjunto da obra é tão especial, que destacar canções se torna tarefa praticamente impossível. A revista Rolling Stone resumiu o sentimento na época: “From Elvis in Memphis” é muito mais que um LP. É a prova de quem começou tudo isso está melhor do que nunca. Um verdadeiro astro de rock’n’roll. Sem esforço nenhum ele vai da ternura a fúria, da ironia a paixão, tudo em menos de um segundo. Ele só precisava de um disco para provar que ainda é o melhor de todos!” PERFEITO!
Lançamento: 17 de junho de 1969. Produção: Chips Moman e Felton Jarvis. Gravadora: RCA.
Janis Joplin – “I got dem ol’ kozmic blues again mama”
Janis Joplin tinha meteoricamente chegado ao topo após o álbum “Chip Thrills” (1968), integrando a banda Big Brother & The Holding Company. O sucesso de “Piece of my Heart” (1º lugar na Bilboard) expandiu sua imagem de forma avassaladora, e o mundo passou a conhecer seu talento visceral fora da cena blues-rock (impactada ainda por sua apresentação no Festival de Monterey). Infelizmente o vício em drogas e álcool, acompanhado por quadros de depressão, caminhavam na mesma proporção do respaldo popular. Explorava um território que nenhuma cantora dentro do rock havia pisado antes, o da igualdade com total fuga dos estereótipos primordiais até então, como a valorização da feminilidade sendo símbolo sexual, integrando grupos vocais ao lado de outras meninas ou automaticamente projetada para ser estrela de cinema ou televisão. Acabou sendo “aceita” em um território predominantemente masculino, exatamente por superar a maior parte dos colegas homens em praticamente TUDO, seja no talento autodidata, na imposição natural, e nos excessos em bebidas e substâncias das mais diversas.
Acabou sendo um caminho natural a busca por uma independência criativa maior, e dessa vez passou pelo seu crivo a escolha da fenomenal Kozmic Blues Band, para a composição do novo trabalho, sendo seu primeiro álbum realmente solo. E que “PORRADA” é “I got dem ol’ kozmic blues again mama”, meus amigos! A interpretação catártica que trazia com a voz deliciosamente rouca, chega em um nível inexplicável de excelência, acrescida sonoramente de influências generosas de funk, soul e gospel. A abertura com os hinos “Try (Just A Little Bit Harder)” e “Maybe”, já valeria todo o disco, mas ainda tinha mais…
Tente não se emocionar com a performance no blues-soul “Work Me, Lord”, é impossível! Os arranjos com naipes de metais e órgão hammond cheios de “veneno”, são de um deslumbre colossal, o instrumental é realmente incrível. O blues-rock matador de outrora se faz presente com força em “One Good Man” e “Kozmic Blues”, mas experimente não “sacudir o esqueleto” (se conseguir) em “As Good As You’ve Been to This World”… Janis veio mais dançante, elétrica, dramática e emotiva (como se isso fosse possível), em profunda sinergia com a nova banda. A estreia do novo material não poderia ser mais emblemática: no festival de Woodstock! Com seus gritos primais e discurso condizente com os “três dias de paz e amor mais importantes da história”, arrebatou com parte do repertório deste álbum, que para muitos é O ÁPICE da breve, mas brilhante trajetória de uma das maiores vozes que esse planeta já ouviu.
Lançamento: 11 de setembro de 1969. Produção: Gabriel Mekler. Gravadora: Columbia Records.
Ten Years After – “Ssssh”
Se tem uma banda que lamento e não consigo entender porque não conquistou a visibilidade que merecia, são os ingleses do Ten Years After (o nome veio do fato de terem começado “dez anos depois da criação do rock’n’roll”). Ninguém no ano de 1969 apostaria que eles não iriam se manter grandes durante a história. Ainda mais após o lançamento do sensacional “Ssssh”, que culminou com uma turnê americana que incluiu os festivais de Newport e Woodstock, onde a repercussão da apresentação foi fantástica! A performance em especial do líder Alvin Lee (um dos guitarristas mais incensados e explosivos na época, estilo único), elevou o nível de excitação, entusiasmo e pura alegria do evento a proporções completamente imagináveis. Lee relembra aquela noite especial: “foi um show de muita energia! A gente estava tinindo, sacou? O Ten Years After é isso, cair na dança, se divertir e tocar um monte de riffs, é isso!” O grupo passou com velocidade dos clubes e casas de cinco mil lugares para os estádios. Mas estamos aqui para dissecar “Ssssh”…
Amantes do blues, fazem parte da segunda onda inglesa (após The Rolling Stones, Yarbirds, Bluesbreakers) que venerava mestres no qual a América desprezava. Esse quarto álbum da discografia, aposta mais no rock’n’roll clássico, sem abdicar da “salada bluezera”, e o repertório desponta com grande intensidade e vigor! O título “Ssssh” suscita uma “incongruência”, porque na relação entre o grupo e sua audiência rolava de tudo, menos SILÊNCIO. A pegada “garagera” descamba em “jams raivosas” com clara influência do Cream (“Good Morning Little Schoolgirl” é SENSACIONAL), a abertura imponente de “Bad Scene” emendada com “Two Time Mama” são seguidas por petardos irrepreensíveis (“Stoned Woman” HIPNOTIZA!), que fazem deste registro, além de um dos melhores da década de 60, o grande clássico da trajetória do Ten Years After! Não apenas o disco em questão, mas pelo bem da música mundial, essa banda merecia ser redescoberta…
Lançamento: agosto de 1969. Produção: Ten Years After. Gravadora: Chrysalis Productions.
Crosby, Stills & Nash – “Crosby, Stills & Nash”
Em uma postagem anterior aqui do quadro, já havia dissertado a respeito dessa nomenclatura, mas a repetição se faz necessária sobre SUPERGRUPOS nesse caso: “projetos resultantes de músicos que são verdadeiras estrelas em suas carreiras, e que resolvem se juntar em uma premissa ambiciosa. Na maior parte das vezes, a expectativa acaba sendo maior que o resultado apresentado, e durante a história os fracassos acabaram se prevalecendo aos parcos sucessos”. Não foi o que aconteceu com o Crosby, Stills & Nash! David Crosby após sair do The Byrds, começou a estreitar os laços de amizade com Stephen Stills, que também havia se desligado do Buffalo Springfield. As intenções em realizar uma parceria musical começaram de forma tímida. O inglês Graham Nash havia conhecido os dois através de turnês com o The Hollies entre a America e o Reino Unido, e também pensava em se desligar do seu bardo musical. Foram se encontrar em uma festa na casa de Joni Mitchel, quando Stills e Crosby estavam tocando uma canção para uma penca de convidados estelares. Nash resolveu entrar de improviso, e os três (além da audiência) ficaram impressionados com o resultado orgânico das harmonias vocais. A química foi imediata!
Graham “pediu o boné” no The Hollies, e o trio estava consolidado para começar os trabalhos. Eles brincam que foi como se “a noite de núpcias tivesse acontecido antes do casamento”, por isso a certeza do sucesso. A gravadora Atlantic não hesitou em assinar contrato com esse imponente trio reunido. O mais irônico, é que depois relataram que a projeção comercial também contou bastante para a criação do projeto, já que estavam passando por incertezas e dificuldades financeiras em suas novas fases pós-bandas. O álbum homônimo, é considerado uma das maiores estreias da música mundial! As harmonias de caráter mais pop de Graham Nash, sinergeticamente eclodiam na vasta complexidade musical de Crosby e Stills, resultando numa verdadeira EPOPEIA de como atualizar gêneros como country, folk e rock, com algumas doses de jazz e psicodelia. Tudo isso em um formato mais propenso ao acústico, o único músico convidado (inclusive para a turnê), era o baterista Dallas Taylor. Aliás, outro astro de Woodstock, John Sebastian, que além de cantor folk, era baterista amador, foi convidado anteriormente. Por pouco não tivemos um Crosby, Stills, Nash &… Sebastian!
A poética também foi bastante alardeada, principalmente as críticas sociais de Crosby. A abertura é fenomenal ao extremo com “Suite: Judy Blue Eyes” (também iniciou os trabalhos em Woodstock), que como o nome já indica, se aproxima do conceito erudito do rock progressivo (que despontava com força total) ao dividir a música de mais de 7 minutos em 4 suítes. A inédita afinação dos violões, a guitarra distorcida ao fundo, a emoção do vocal principal de Stephen (letra dedicada a “Mama” Cass Elliot, do The Mamas & The Papas) alternando com as harmonias vocais deslumbrantes de Crosby e Nash, fazem desta um dos maiores hinos concebidos nos anos 60! A maravilhosa melancolia de “Guinnevere” (depois gravada por Miles Davis), a ênfase mais roqueira de “Pre-Road Downs”, o líbelo político “Long Time Gone”, o fruto da parceria com Paul Kanter do Jefferson Airplane (a apocalíptica “Wooden Ships”), o lirismo comovente de “Helplessy Hopen”, a sensacional viagem de “Marrakesh Express”, UFA! Uma imponente e atemporal obra-prima para o fechamento da década de 60.
O segundo show de divulgação do disco, já foi o histórico em Woodstock. Ao mesmo tempo que acabou sendo um “teste de fogo” em expectativa por tudo que representavam, também se deu como a celebração definitiva! Tanto que é o grupo que mais tem visibilidade no longa-metragem do festival. Detalhe curioso foi a participação especial do canadense Neil Young nessa apresentação, vindo posteriormente a integrar o grupo que viraria quarteto mais a frente. Mas aí já é outra história…
Lançamento : Junho de 1969. Produção: Gravadora: Atlantic Records. Produção: Crosby, Stills & Nash.
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