Titãs: 27 anos de “Titanomaquia”

Em 10 de julho de 1993, os TITÃS lançavam seu sétimo disco de estúdio: o pesado, sujo e bem diferente, “Titanomaquia“. Trata-se de um álbum emblemático: a banda havia acabado de perder seu principal compositor, Arnaldo Antunes. Ainda assim, ele participou ativamente das composições.

A banda vinha de um disco onde as críticas foram negativas: “Tudo ao Mesmo Tempo Agora“, que já tinha um certo peso e do qual a própria banda havia se encarregado da produção. Então a banda resolveu inovar: trouxe o produtor estadunidense Jack Endino, que havia produzido o álbum de estréia do NIRVANA, “Bleach“. Com a palavra, o próprio Jack:

“Achei estranho (ser convidado para produzir) para mim a princípio, porque a “Warner” me enviou primeiro a cópia do ‘Õ Blesq Blom‘, e eu pensei: ‘Por que eles me querem?’ Mas em seguida, eles me enviaram uma cópia de “Tudo ao Mesmo Tempo agora” e eu disse a mim mesmo: ‘Oh, ok, agora eu entendi, eles são realmente uma banda de rock.’ Os TITÃS disseram que queriam fazer um disco de rock de verdade e eu lhes disse: ‘É isso que eu faço.'”

Endino, Jack

E a investida deu certo, muito embora alguns fãs tenham torcido o nariz, talvez influenciados pelo o que a crítica especializada dizia, especialmente por se referir ao disco, de forma pejorativa como “o disco grunge dos TITÃS“, até porque, ali não tem nada de grunge, o que percebemos é muito peso, algumas partes mais core e até mesmo flertes com o Metal. Então a banda dava de ombros e nos presenteava com um ótimo disco de Rock, o melhor lançado até então.

Os sete integrantes então, partiram juntamente com Jack Endino para o Rio de Janeiro, no estúdio “Nas Nuvens“, o mesmo em que a própria banda já havia lançado o seu maior clássico, “Cabeça Dinossauro“, e também o SEPULTURA gravou o “Beneath the Remains“, lembrando que à época, a banda de Max Cavalera escolheu exatamente esse mesmo estúdio pelo fato de os TITÃS já ter gravado por lá, e até os dias de hoje, Andreas Kisser admite tal fato. E em pouco mais de 38 minutos de música, percebemos o quão excelente fora o resultado das gravações.

A abertura se dá com a pesada “Será que é Isso que eu Necessito?“, em que as batidas certeiras do competente baterista Charles Gavin, juntamente com as guitarras sujas e jamais vistas pela dupla Tony Bellotto e Marcelo Fromer dão as cartas, além do vocal revoltado de Sérgio Britto, onde a banda já chega chutando a porta e avisando que não estão para brincadeira. Ótimo começo.

Nem Sempre se Pode Ser Deus” foi a música que na época me chamou a atenção. Lembro-me que em 1993, eu ainda era um adolescente que era influenciado pelas músicas que tocavam nas rádios. E essa foi uma que eu conheci no dial. Ela não é tão pesada quanto a anterior, mas é igualmente linda, com um andamento um pouco mais rápido, e aqui a gente percebe a influência mais Punk, e claro, lembrando um pouco do que fora mostrado pela banda em “Cabeça Dinossauro“, oito anos antes.

Disneylândia” é uma das mais pesadas do álbum, coim riffs hipnotizantes e uma letra inteligentíssima, que critica a globalização. O peso se mostra mais presente ainda. A performance de Paulo Miklos é sensacional. O nível do disco segue nas alturas.

Hereditário” é uma das minhas favoritas, não só do álbum, mas de toda a carreira da banda. A intro com o órgão tocado por Sérgio Britto e depois a levada mais Punk, somada com a interpretação de Nando Reis (N. do R: que foi a única faixa em que ele cantou neste álbum) são os destaques dessa faixa.

Estados Alterados da Mente” é uma faixa em que a banda flerta um pouco com o Metal. Pesadaça, suja, maravilhosa. Tenho certeza de quem acompanhava a banda nesta época tomou um baita susto ao escutar essa faixa e duvidara de que era mesmo um disco dos TITÃS, tamanha a agressividade.

Agonizando” tem uma batida mais core, igualmente interessante como as faixas anteriores. Riffs de guitarras muito bons e era difícil crer que os caras alcançariam resultados tão excelentes fazendo um som completamente diferente de tudo que fizeram até aquele momento. “De Olhos Fechados” é outra com uma pegada mais punk, e a dupla Tony Bellotto e Marcelo Fromer esbanjando riffs pesados.

Fazer o Quê?” é a faixa que na versão cassete (N. do R: lembre-se, o caro leitor está lendo uma crônica de um quarentão), e era essa que eu tive antes de ter o CD, abre o lado B. Ela tem uma intro longa e bem chatinha, mas quando as guitarras começam a pedir passagem, logo a música cresce, se tornando uma das melhores do disco. Até aqui nada a reclamar.

Fita Cassete original. Eu tive uma dessas, Foto: Mercado Livre

A Verdadeira Mary Poppins” embora mantenha o peso, é uma que lembra um pouco mais a fase mais Pop da banda. E ela não é ruim, pelo contrário. Lembro-me que a conheci quando escutei uma coletânea da banda chamada “TITÃS 1984-1994” e isso me motivou a procurar pelo disco homenageado de hoje.

Felizes São os Peixes” é outra com veia Punk, curta e grossa, em letra que tem apenas uma linha. E nem precisa de mais. As guitarras pesadíssimas falam por sí só, com direito a riffs estupendos no final, quando a banda opta por um andamento mais cadenciado, voltando a velocidade para encerrar de forma épica. “Tempo Pra Gastar” é o ponto fora da curva. Não é das melhores do disco, mas isso não tem problema nenhum, é apenas uma questão de preferência mesmo, pois ela segue pesada.

Dissertação do Papa Sobre o Crime Seguida de Orgia” é uma música em que Branco Mello recita a letra. E ela é fantástica, pois fala de História e este que vos escreve é um… Historiador! Engraçado que quando eu escutava essa música, lá nos anos 1990, eu ainda estava concluindo o ensino médio e nem pensava em cursar História, mas sempre fui fascinado pela matéria e pelo que é narrado nesta letra. O instrumental segue o ritmo proposto pela banda: peso, peso e mais peso, com um andamento mais cadenciado, bons riffs e um solo interessante, coisa rara em se tratando de Titãs, pois os caras não são exatamente virtuosos. Por motivos óbvios, ela é eleita a minha favorita do disco.

Taxidermia” encerra com chave de ouro um disco simplesmente sensacional. A faixa começa com linhas de baixo distorcidas e medonhas, mas logo vira um Hard Rock bem tocado. Por muito tempo ela foi a minha favorita deste play.

Então chegamos ao fim de um disco muito bom, que com certeza influenciou algumas bandas que viriam depois. Foi durante a turnê deste álbum que a banda (ou parte dela) criou o selo “Banguela Records” em que lançou algumas bandas que estão até hoje tocando por ai, como o RAIMUNDOS, inclusive sendo esta, a banda de abertura nos shows da turnê deste álbum. E este redator que vos escreve percebe que está ficando velho quando lembra de detalhes de um álbum lançado já no longínquo ano de 1993.

No ano de 1994, “Titanonaquia” chegou a vender 125 mil cópias no Brasil e 3,5 mil na Argentina. A banda chegou a gravar vocais em inglês para um possível lançamento no exterior. Eles consideraram intitular o álbum como “A Volta dos Mortos Vivos”, porém a escolha esbarrava no pagamento pelos direitos autorais, uma vez que havia um filme homônimo, de 1985. Em 2013, um trecho da música “Disneylândia” foi questão do ENEM, em que os examinados deveriam analisar as relações de consumo e produção no mundo.

O trabalho de Jack Endino foi sensacional. Ele gravaria outros discos com a banda, mas jamais superaria o que foi feito aqui, até porque os TITÃS abriram mão de fazer Rock após “Titanomaquia“, o que é uma pena. Mas hoje é dia de celebrarmos esse disco, que de Grunge, só tem a rebeldia, porque ele é bom, pesado e com certeza por ser incluído na lista dos melhores álbuns do Rock brasileiro.

Titanomaquia – Titãs
Data de lançamento – 10/07/1993
Gravadora – Warner

Tracklisting:
01 – Será que é Isso que eu Necessito?
02 – Nem Sempre se Pode Ser Deus
0
3 – Disneylândia
04 – Hereditário
05 – Estados Alterados da Mente
06 – Agonizando
07 – De Olhos Fechados
08 – Fazer o Quê?
09 – A Verdadeira Mary Poppins
10 – Felizes São os Peixes
11 – Tempo pra Gastar
12 – Dissertação do Papa Sobre o Crime Seguida de Orgia
13 – Taxidermia

Lineup:
Branco Mello – Vocal (faixas 2, 5, 10 e 12)
Paulo Miklos – Vocal (faixas 3, 7, 9 e 13)/ Sampler/ Sintetizador
Sérgio Britto – Vocal (faixas 1, 6, 8 e 11)/ Órgão
Nando Reis – Baixo/ Vocal (faixa 4)
Marcelo Fromer – Guitarra
Tony Bellotto – Guitarra
Charles Gavin – Bateria

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