Não parece, realmente, que cinquenta anos já se passaram desde que essa obra foi criada. Ópera Rock. Como sempre acontece, existem sempre aqueles que questionam se cabe ao The Who a paternidade do estilo ou da nomenclatura. Outros artistas são apontados como tendo concebido álbuns com histórias conceituais, com personagens, em seus discos, mas Pete Townshend quis efetivamente realizar uma ópera, sendo inclusive creditado com a expressão “Opera by Pete Townshend” na ficha técnica impressa na capa.
O momento era crucial na trajetória da banda. Três álbuns já haviam sido lançados, onde a psicodelia surgia em uma curva crescente entre cada um. Pete havia acabado de se casar e construir um estúdio próprio em sua casa, mergulhando na leitura de livros sobre composição clássica e experimental. Logo no futuro, após o lançamento e consagração de “Tommy” viria a apresentação no Festival de Woodstock.
A narrativa sobre o garoto cego, surdo e mudo, que percebe o mundo através de vibrações e torna-se ídolo de pinball, não prescindiu de acréscimos místicos que findaram por tornar o personagem em uma espécie de Messias. Livros de Herman Hesse e a convivência com os ensinamentos do guru Meher Baba foram fundamentais para essa construção. Townshend era um compositor do tipo que não conseguia se abstrair de sua própria realidade para escrever e foi, por essa razão, que ele pediu ao baixista John Entwistle que preparasse duas canções, com temas mais difíceis para si, que seriam “Fiddle About”, sobre os abusos sexuais sofridos por Tommy nas mãos de seu tio, e “Cousin Kevin”, com os mal tratos e bullyng praticados pelo primo Kevin, filho daquele mesmo tio.
As encarnações da ópera são as mais diversas. “Tommy” foi executado na íntegra tanto pela banda, em 1989, quanto em apresentações solo de Roger Daltrey, acompanhado por orquestras. Em atuação isolada, a Sinfônica de Londres também já fez a sua versão. No ano de 1993, tornou-se espetáculo nos palcos da Broadway, mas nada teve tanta projeção quanto o filme homônimo dirigido pelo visionário Ken Russel em 1975. Daltrey, que já era a voz de Tommy no álbum, tornou-se a sua encarnação definitiva, atuando no longa ao lado de astros como Jack Nicholson, Oliver Reed e Ann Margret. Os demais membros da banda fizeram pontas, juntamente com colegas como Eric Clapton e Arthur Brown, mas Tina Turner e Elton John obtiveram um destaque diferenciado em suas versões, respectivamente, de “Acid Queen” e “Pinball Wizard”, sendo que essa última tornou-se parte do repertório costumeiro do pianista.
Como é comum nesse tipo de criação, algumas repetições são colocadas entre as músicas para amarrar o contexto. Existem sequências de notas constantemente replicadas em “Overture” e “Underture”, além das frases melódicas “Tommy Can You Hear Me?” e “See Me Feel Me Touch Me Heal Me”. Mesmo já possuindo uma grande coleção de hits em seus trabalhos anteriores, “Tommy” foi a guinada artística e desafiadora que tomou corpo para manter os altos padrões do Rock inglês, em um período que já vislumbrava a proximidade do fim dos Beatles e o nascimento de grandes potências do Rock Progressivo, com o lançamento dos primeiros álbuns de Yes e Genesis. De muitas formas, a coesão das ideias de Townshend com a força impulsionadora de Daltrey, Moon e Entwistle, projetou referências a serem seguidas pelos artistas de Hard Rock, Progressivo, Punk e Art Rock nos próximos anos e décadas. Todas elas podem ser encontradas em “Tommy”.
Formação
Roger Daltrey – vocal, harmonica
Pete Townshend – guitarra, teclado
John Entwistle – baixo
Keith Moon – bateria
Músicas
01 Overture
02 It’s a Boy
03 1921
04 Amazing Journey
05 Sparks
06 The Hawker
07 Christmas
08 Cousin Kevin
09 The Acid Queen
10 Underture
11 Do You Think It’s Alright?
12 Fiddle About
13 Pinball Wizard
14 There’s a Doctor
15 Go to the Mirror!
16 Tommy Can You Hear Me?
17 Smash the Mirror
18 Sensation
19 Miracle Cure
20 Sally Simpson
21 I’m Free
22 Welcome
23 Tommy’s Holiday Camp
24 We’re Not Gonna Take It