Tempo estimado de leitura: 5 minutos
A dificuldade de fazer um som nos anos 80, comparado aos dias de hoje era imensa. Algumas bandas não se importaram com isso e conquistaram fãs e um sucesso que perdura até os dias de hoje. Duas dessas, que passaram os limites do próprio tempo e se tornaram referência de estilo musical são Bad Religion e Offspring. Os ícones, que saíram de festas de quintal e ginásio americano para o mundo, tocaram recentemente no Brasil, em São Paulo e em Curitiba. Na capital paranaense o show foi na Live Curitiba, no dia 28 de outubro de 2019, com casa cheia, aproximadamente 5 mil pessoas. Os ingressos se esgotaram muito rapidamente, como haviam só duas datas no Brasil, quem não foi pra São Paulo, veio para Curitiba, e vice e versa. Antes do show começar, era possível sentir o clima de cotoveladas e empurrões beirando no ar. E quando tudo acabou, grande parte das pessoas ainda não foi embora, o que coube aos seguranças pedidos realmente muito educados de “o show acabou pessoal, vão para casa descansar” a quem estava ali no lounge externo, trocando uma ideia sobre o acontecido, enquanto outros formavam um cordão humano que impedia qualquer um de entrar novamente na casa. Caso você tenha reparado na data, era segunda-feira. Pois é.
The Offspring e os quintais de OC
Eram 23h01 quando Pete Parada se direcionou à bateria. Os gritos de um público animado tomaram conta da Live. Todd Morse foi o próximo a se posicionar, seguido por Kevin “Noodles” Wasserman e então Dexter Holland pegou o microfone. Isso aí, The Offspring posicionado e pronto para começar o show. A banda que revolucionou os limites do underground e do mainstream, marcou uma geração e ainda sabe como segurar muito bem a energia em um show. A escolha para começar foi a rápida “Americana”, uma porradinha que retoma a agressividade dos primeiros álbuns da banda. É bem a cara das bandas de Orange County, de onde vieram.
The Offspring alcançou dois feitos à lá banda do povo. (Do povo? Sim, do povo!) E eu vou explicar o porquê deste conceito. Em 1994, eles lançaram o “Smash” e fez tanto sucesso que lhe rendeu a alcunha de álbum mais vendido por uma gravadora independente. “Pretty Fly (For a White Guy)” foi a canção mais pirateada da Internet, com 22 milhões de downloads em dez semanas. Dois feitos que exigem uma participação popular em massa. A banda teve seu primeiro álbum em 1989 e foi ralando até “Come Out and Play” ser um clipe tocado muito na MTV, que na época era o termômetro do que acontecia no mundo da música. Aliás, essa foi a terceira opção do setlist.
“Eu não quero que esse dia nunca acabe, está sendo incrível. Estamos tocando música em Curitiba. Esse é o nosso primeiro show no Brasil, certo?”, perguntou Noodles. Dexter respondeu que este ano era sim. “É muito legal estar de volta e nós trouxemos os nossos amigos do Bad Religion, que tal isso?”, continuou o guitarrista, que se derreteu em elogios para a banda. “Eles ainda são a melhor banda punk de todo o sempre”. Noodles definiu a sensação da noite, de ter 16 anos de volta. “Espero que vocês sintam a mesma coisa que a gente, porque não teria sido nada se vocês não tivessem aparecido. Vocês vieram essa noite e se divertiram, vocês puderam ter 16 de novo, com muita agressividade e muita paixão. Então obrigado por tudo isso. Muito obrigado Curitiba.”
Noodles também fez elogios a outra banda. “AC/DC são uma das maiores bandas de rock’n’roll. E eu acho que nesse momento o que a gente deveria fazer é um cover de uma de suas músicas. A gente vai tentar muito não ferrar com tudo.”, disse o guitarrista anunciando um dos covers da noite: “Whole Lotta Rosie”. Assim que a música terminou, Dexter se virou para o colega e amigo e disse: “Noodles, você consegue acreditar nisso?”, que respondeu que estava com dificuldades porque aquilo era demais. Dexter rebateu que sim, era real, mas o guitarrista disse: “Eu não tenho certeza, cara. Eu tenho a impressão que vou acordar a qualquer segundo e vou estar me afogando na minha mesa. Em 35 anos, ainda funciona.”. O público foi a loucura nesse diálogo, que representa a concretização de um sonho realizado. Mas não, não era a isso a que o vocalista estava se referindo.
“O que eu queria dizer é que você estava falando de tocar alguma das maiores bandas. Eu tinha certeza que a gente ia tocar os Ramones, porque eles são.” A plateia novamente respondeu com muitos gritos de aprovação, e Dexter com as mãos no ar, como quem questiona, e disse: “eu sei, eu sei”, seguindo-se os acordes de “Blitzkrieg Bop”.
Outro ponto forte foi quando todo mundo saiu do palco e voltou apenas um piano, uma luz em cima e Dexter. “Gone away” perdeu a cara furiosa e ganhou uma versão triste, ainda que mais calma e melódica. O vocalista anuncia que fez essa música para as pessoas que perderam alguém importante, na tentativa de ajudar quem já passou por isso. Reza a lenda que ele fez essa música para uma namorada que faleceu em um acidente de carro e a letra expressa a dor de ter perdido alguém que foi “muito cedo”. A plateia se acendeu com tantas lanternas de celulares, em apoio a essa homenagem realmente muito bonita. Mais perto do fim, o resto da banda entrou e o som ficou mais pesado, como no original e as outras luzes se acenderam.
Grandes bolas coloridas de praia foram jogadas no público, que primeiro fez cara de WTF? e depois entrou no clima de diversão. Eles ficaram brincando entre si, até que uma das bolas acertou a cara do Dexter. A descontração anunciou “Why Don’t You Get a Job?”. Noodles perguntou ao público: “How do you say sexy?” e ele próprio emendou a tradução em um português louvável até: “Como se diz sexy em Português?”. Eles ficaram surpresos em saber que este é um dos estrangeirismos da língua portuguesa. “Sexy? Mas é a mesma coisa. Uau, esta é uma daquelas palavras universais.”, disse Dexter. “Nesse caso, vocês são todos muito sexy.”, disse Noodles, em português, seguindo logo para o início de “Pretty Fly (For a White Guy)”.
A última música “The Kids Aren’t Alright” foi cantada a plenos pulmões por quem estava na Live neste dia. Eles saíram e, claro, voltaram ao palco para mais duas. Assim como fez Bad Religion, The Offspring deixou um de seus grandes sucessos por último: “Self Esteem”. Aí foi aquela festa de fim de show, em que eles agradecem e jogam palhetas e baquetas para a plateia. Dexter, que parecia feliz e emocionado, foi o último a deixar o palco.
Setlist:
“Americana”, “All I Want”, “Come Out and Play”, “It Won’t Get Better”, “Want You Bad”, “Genocide”, “Staring at the Sun”, “Whole Lotta Rosie” (AC/DC cover), “Blitzkrieg Bop” (Ramones cover), “Bad Habit”, “Gotta Get Away”, “Gone Away”, “Why Don’t You Get a Job?”, “(Can’t Get My) Head Around You”, “Pretty Fly (For a White Guy)”, “The Kids Aren’t Alright”.
Encore: “You’re Gonna Go Far, Kid”, “Self Esteem”.