Hoje é dia de Tá Na Letra! No Tá Na Letra você fica por dentro de interpretações sobre o significado das músicas. Claro que interpretações distintas são válidas, afinal, a arte não possui verdade absoluta e cada um entende a mensagem de uma forma. Aqui nesta série tentamos colocar apenas mais uma possível compreensão da música. A música de hoje é Brasileiro da banda Selvagens à Procura de Lei.
No Tá Na Letra você fica por dentro de interpretações sobre o significado das músicas. Claro que interpretações distintas são válidas, afinal, a arte não possui verdade absoluta e cada um entende a mensagem de uma forma. Aqui nesta série tentamos colocar apenas mais uma possível compreensão da música.
Selvagens à Procura de Lei é uma banda de Rock Alternativo formada em 2009 na cidade de Fortaleza – CE. A banda é composta por: Rafael Martins (guitarra e vocal), Gabriel Aragão (guitarra, teclado e vocal), Caio Evangelista (baixo e voz) e Nicholas Magalhães (bateria). Eles já lançaram 3 EP’s (Talvez eu seja mesmo calado, mas eu Sei Exatamente o que eu quero, de 2010; Suas Mentiras Modernas, de 2010 e Lado C, de 2011) e 3 álbuns (Aprendendo a Mentir, de 2011; Selvagens à Procura de Lei, de 2013 e Praieiro, de 2016); além também de um novo single, chamado Gostar Só Dela, de 2018.
No texto de hoje teremos a segunda música nacional escolhida para a série. Ela se chama Brasileiro, é da banda Selvagens à Procura de Lei e encontra-se no álbum Selvagens à Procura de Lei, de 2013.
Brasileiro
Então você é o novo povo brasileiro
Que vende e faz compras no estrangeiro
Nossos índios em algumas poucas memórias
Os de fora nos livros das nossas escolas
Futebol e cerveja é mesmo fantástico
Tá na Folha
No Povo
No Eclesiástico
Utopia pra você
Rádio e tv para tia
Nossos heróis de verdade morreram por covardia
Porque eu sou brasileiro
Meu ano só começa quando passa fevereiro
Pobre, rico ou classe média
Levante a mão quem já sentiu puxar a sua rédea
Nas prisões eles traçam planos de fuga
Enquanto suas esposas puxam as rugas
De filhos a herdeiros, sanguessugas
A nação que corre com passos de tartaruga
Desculpe se a letra está ficando difícil
É que eu nunca treinei para fazer comício
Nasci e me criei em Fortaleza
Não tenho e nem faço questão da vossa nobreza
Porque eu sou brasileiro
Meu ano só começa quando passa fevereiro
Pobre, rico ou classe média
Levante a mão de quem já sentiu puxar a sua rédea
O Brasil é medroso
Você também é
Música não pra cabeça
Mas feita pro pé
Já que é assim
Então segura mais essa: 17 milhões vivem nessa miséria
Mas você não precisa
Se importar tanto com isso
Quando esse tapa se for, terminado está o serviço
Pode crer, bote fé, tudo vai voltar ao normal
Não era isso que você queria ouvir afinal?
Porque eu sou brasileiro
Meu ano só começa quando passa fevereiro
Pobre ou rico ou classe média
Levante a mão de quem já sentiu puxar a sua rédea
A música é nitidamente de protesto, falando da situação atual do cidadão brasileiro. A faixa ilustra a forma de pensar de vários brasileiros, apresentando situações cotidianas de várias vertentes. A ironia é presente durante toda a música, mostrando como muitos cidadãos enxergam a própria vida, enxergam a sua participação neste país chamado Brasil.
A música se inicia falando do novo povo brasileiro, que agora tem renda boa para ter acesso a compras e vendas no exterior. Em seguida, vemos um paralelo com a história, falando que o povo indígena (que já estava aqui quando os europeus chegaram) não passa de mera lembrança, enquanto “os de fora” são venerados nos livros de escola, sendo colocados como os mais importantes (ignorando muito do que a história relatou).
Em seguida, vemos duas paixões do brasileiro sendo colocadas em evidência: futebol e cerveja. É como se o brasileiro enxergasse que, tendo isso, o resto pouco importa. Os versos seguintes retratam algumas mídias de massa sendo expostas direta e indiretamente (como Fantástico – programa de televisão da Rede Globo – e Folha – Jornal conceituado no país), como se a verdade estivesse apenas ali e que isso poderia ser usado para manipulação de um povo que apenas acata as informações e o entretenimento, sem questionamentos, sem aprofundamento no assunto.
O refrão tem uma das frases mais enigmáticas da cena atual e uma grande verdade vivida pela grande maioria da população de um país como o Brasil, que tem tudo para ser grande potência mundial, mas que fica à mercê de um povo manipulado e preguiçoso, tendo isto refletido em seus governantes.
A frase é “Porque eu sou brasileiro, meu ano só começa quando passa fevereiro”, fazendo alusão ao término do Carnaval, como se o ano do brasileiro começasse apenas ali, tudo o que fora vivido anteriormente teve um ritmo bem mais devagar.
A continuação do refrão é tão marcante quanto: “Pobre, rico ou classe média, levante a mão quem já sentiu puxar a sua rédea”. Aqui vemos uma crítica à manipulação existente no país, uma vez que não importa a classe social, sem ir atrás do conhecimento, a pessoa sempre será manipulada.
A segunda estrofe fala da impunidade e dos problemas carcerários do país: é fácil escapar, há impunidade e muitas brechas na lei. “Enquanto suas esposas puxam as rugas” retrata o desvio de dinheiro público sendo usado nos familiares vaidosos de políticos e ladrões que têm acesso fácil a um dinheiro sujo e que utilizam-no para bens pessoais.
“Desculpe se a letra está ficando difícil, é que eu nunca treinei para fazer comício” retrata a manipulação da massa por meio de falácias, por meio de formas fáceis de apresentar mentiras e frases de efeito, que elevam a moral de quem fala e faz com que as pessoas acreditem em tudo o que disserem.
“Nasci e me criei em Fortaleza, não tenho e nem faço questão da vossa nobreza” relata as dificuldades de se morar num país de extensões continentais e ter um eixo (Rio – São Paulo) bem mais valorizado do que o restante do país. A tal “nobreza” seria ter nascido neste eixo, nascido no Sudeste, no Sul.
O eu-lírico deixa claro que não faz questão disso, que tem muito conhecimento do que está falando, mesmo tendo nascido em um lugar que, de forma errada, não é considerado nobre. O que é uma tremenda besteira. As críticas a xenofobia são bem claras neste trecho e o orgulho de ter nascido em Fortaleza deixa claro para quem está ouvindo que essas divisões entre “nobreza” e o restante não passam de besteiras construídas por mentiras repetidas e que o país deve acordas e se unir.
A última estrofe traz frases bem impactantes, falando do medo de um país que segue acorrentado em seus próprios erros e alienado de conhecimento. “Música não pra cabeça, mas feita pro pé” relata o que a indústria musical “vomita” por aí: músicas sem conteúdo, difamações de mulheres, letras com grande cunho sexual tendo como única função o entretenimento, não importando o que está sendo dito. “Já que é assim, então segura mais essa: 17 milhões vivem nessa miséria” relata a falta de conhecimento do que se passa no país. A alienação é tão grande que o povo não é capaz de enxergar as necessidades do próprio povo, pois tornou-se tão egoísta que, estando tudo bem para a pessoa, não importa o que ocorra no resto do país.
“Pode crer, bote fé, tudo vai voltar ao normal, não era isso que você queria ouvir afinal?” relata o conformismo do brasileiro: “um dia tudo se ajeita”. Mas, aparentemente, não passa de uma ironia, pois tendo as mesmas ações, os resultados serão os mesmos. A velha lenda do “felizes para sempre” parece estar enraizada em um povo que não consegue abrir o olho, mergulha no seu egoísmo e não luta pelo bem comum. Corrupção, falta de vontade de agir, impunidade, alienação: tudo diante dos olhos de todos e ninguém move uma palha para mudar. Afinal, se está tudo bem no mundo particular, para que querer fazer algo? Talvez isto resuma bem a música, a visão do povo brasileiro e a atual situação do país.