Hoje é dia de Tá Na Letra! No Tá Na Letra você fica por dentro de interpretações sobre o significado das músicas. Claro que interpretações distintas são válidas, afinal, a arte não possui verdade absoluta e cada um entende a mensagem de uma forma. Aqui nesta série tentamos colocar apenas mais uma possível compreensão da música. A música de hoje é Snuff da banda Slipknot.

Slipknot é uma banda de New Metal formada em Des Moines, Iowa, em 1995. A banda é conhecida por sua agressividade, pelo grande número de integrantes e pelo figurino que inclui uniformes e máscaras.

Mesmo que a agressividade seja marcante na sonoridade da banda, hoje analisaremos uma música mais tranquila de Slipoknot. Porém esta tranquilidade é apenas na relação de intensidade, uma vez que a música é tão densa quanto outras que a banda lança, só não apresenta a mesma agressividade. Aliás, uma das coisas que diferem o Slipknot de outras bandas do Metal em geral são as letras: a maioria das letras da banda ignora os demônios por si só, ignora as guerras medievais, os cavaleiros antigos e outras temáticas mais comuns do gênero e foca em distúrbios emocionais, dor, paixão, problemas sociais, emocionais e psicológicos, a luta para se manter livre da dor e coisas do gênero.

A música Snuff é um prato cheio desta intensidade apresentada na banda e fala muito sobre dor, sobre sobreviver após a perda de alguém muito importante, sobre saudade e os resultados de tudo isto junto a remorso e confusão.

Confira abaixo a letra na íntegra. A música se encontra no quarto álbum de estúdio da banda, chamado All Hope Is Gone e lançado em 2008.

Apagar

Enterre todos os seus segredos na minha pele
Desapareça com inocência
E me deixe com os meus pecados
O ar ao meu redor ainda me parece como uma gaiola
E o amor é só uma camuflagem
para o que se assemelha à raiva novamente

Então se você me ama, deixe-me ir
E corra para longe antes que eu perceba
Meu coração está triste demais para se importar
Não posso destruir o que não existe
Me entregue para dentro do meu destino
Se estou só, não posso odiar
Eu não mereço ter você
Meu sorriso foi tomado há muito tempo atrás
Se eu posso mudar, Eu espero que eu nunca saiba

Eu ainda aperto suas cartas aos meus lábios
E a estimo em partes de mim, que saboreiam cada beijo
Eu não poderia encarar uma vida sem a sua luz
Mas tudo isso foi dilacerado
quando você recusou a lutar

Então poupe sua respiração, eu não ouvirei
Eu acho que deixei isso muito claro
Você não poderia odiar o suficiente para amar
Isso deveria ser o suficiente?
E apenas desejava que você não fosse minha amiga
assim poderia te machucar no final
Eu nunca reivindiquei que eu fosse um Santo
Meu eu fui banido há muito tempo atrás
Tive que perder a esperança para te deixar partir

Então se quebre contra as minhas pedras
E cuspa sua piedade na minha alma
Você nunca precisou da ajuda de ninguém
Você me vendeu para se salvar
E eu não ouvirei a sua vergonha
Você fugiu – vocês são todos iguais
Anjos mentem para manter o controle
Meu amor foi punido há muito tempo atrás
Se você ainda se importa, não deixe que eu saiba
Se você ainda se importa, não deixe que eu saiba

A música fala sobre perda, dor, saudade, reflexões do que aconteceu e a constante procura de respostas e soluções. O amor é tão grande que, desde o início, a voz pede para que a outra pessoa vá embora e a deixe com as dores e com toda a carga negativa. Mas, mesmo todo este amor, não é suficiente para acalmar o coração dilacerado pela perda.

O videoclipe da música é tão sombrio e polêmico quanto a própria música. As imagens podem nos ajudar a desvendar o que a letra tem a dizer, uma vez que várias frases metafóricas são colocadas e nem sempre há uma explicação direta para tudo.

O fato é que perder alguém que se ama é difícil demais. O eu lírico se coloca em uma posição confusa por amar alguém e ver esta pessoa sendo a causa de seu sofrimento. Ele não sabe como agir, nunca experimentou odiá-la e, talvez, a ame demais para conseguir isto. Ele pede para que ela deixe-o ir, porém talvez ele mesmo não queira esquecê-la e alimente seu amor por meio de lembranças, fotos, vídeos e cartas. Ela já se foi e ele ainda não aceitou ou não quis aceitar.

“Enterre todos os seus segredos na minha pele”, há coisas que ele ainda não entendeu. O fato de ele não saber o motivo da perda, o motivo da partida dela, faz com que ele se sinta perdido e queira saber tudo o que aconteceu. A dor é muito grande, mas ele ainda quer ser abrigo para ela, para ouvi-la, para compreendê-la. “Desapareça com inocência” representa que ele prefere lembrar da pessoa que ama com pensamentos bons, lembranças boas; ele assume toda a dor, mesmo não sendo o grande causador dela, o eu lírico prefere que toda a carga negativa fique com ele enquanto ela fica livre da culpa, enquanto ela é inocente.

“O ar ao meu redor ainda me parece como uma gaiola e o amor é só uma camuflagem”: o amor é o que o prende e o que disfarça toda a dor, mas não é suficiente para que ele não a sinta. Não há como sair por causa do amor, ele apenas oculta todo o sentimento negativo e a saudade que há dentro dele e que o mesmo não consegue tirar de seu coração. Em seguida, ele compara este amor ao sentimento de raiva, mas, por mais que haja raiva e ódio dentro dele pela situação, ele ainda a ama e quer se libertar de tudo isso.

Talvez a frase mais forte da música seja esta: “Então se você me ama, deixe-me ir”. Há muita angústia e ele acaba implorando para que ela o deixe ir. O problema é que ela já se foi e ele está preso dentro de seus próprios sentimentos, de suas próprias lembranças, de sua própria mente: ela já não está mais por perto e ele a quer de volta. Seguir em frente, lutar contra isso é a solução ideal, porém, enquanto ele alimentá-la dentro de seu coração, não haverá como ele se libertar: ele é seu próprio prisioneiro, mesmo que a culpe por isso.

Há a culpa dentro dele e ele quer se libertar. Há confusão, pois ele se culpa pela partida dela, mas também diz que ela não quis lutar; ele quer ficar com a dor, mas quer que ela conte o porquê de ter partido. Existe uma saudade muito grande, uma procura intensa por respostas, existe uma dor que faz com que seus sentimentos se confundam com a angústia e altere toda a realidade, tornando-se culpado quando talvez não seja e impedindo-o de odiá-la por causa do amor que sente ainda.

“Eu não poderia encarar uma vida sem a sua luz”: ele se sente dependente dela para viver e não aceita sua partida. Para ele, aceitar que ela tenha partido é ainda pior do que saber que ela morreu, pois ele se sente traído e abandonado. Ele também confessa ver as cartas e as fotos, insiste em senti-la próxima, recordar-se dela mesmo com sua ausência, com sua partida. Ele se alimenta na ilusão de que ela ainda está por perto. O eu lírico ainda diz “Mas tudo isso foi dilacerado quando você recusou a lutar”: ele se sentia dependente dela, mas sua partida pode ter quebrado tudo isso. Ele ainda se sente dependente dela pedindo-a para que o liberte, mesmo que a prisão só exista na mente dele.

Na continuação ele apresenta um pouco mais de coragem e diz que vai embora e não está mais disposto a ficar esperando uma possível volta ou um possível contato. Ele diz para que ela poupe a respiração pois ele não ouvirá, ele não ficará preso à vontade dela, ele quer se libertar. Para conseguir sua liberdade, assume-se como um pecador e permite-se sentir ódio dela, mesmo dizendo que não consegue o suficiente por ainda amá-la, é o único jeito para poder se libertar daquele sentimento que o impede de seguir em frente. Ele gostaria de não amá-la para poder machucá-la, como não consegue, apenas tenta seguir em frente.

“Tive que perder a esperança para te deixar partir”: ele finalmente aceita que ela partiu, para de alimentar uma possível volta e tenta colocar os pensamentos no lugar para poder seguir em frente. Ao colocar todo o sentimento para fora de seu coração, ele consegue desabafar e enxergar melhor a situação, consegue ver o que está impedindo-o de seguir sua vida e, agora, consegue lutar contra este sentimento que apenas faz com que fique aprisionado dentro de si mesmo.

Na última estrofe ele se sente mais preparado para deixa-la partir, para um verdadeiro “adeus”. O eu lírico quer que ela “se quebre nas pedras dele”, ou seja, quer mostrar a ela que está forte o suficiente e, caso ela queira atacá-lo de alguma forma ou queira voltar, ele está sólido, preparado, e ela não conseguirá abalá-lo.

Ele não quer mais nada dela: nem amor e nem piedade. Diz se sentir traído e generaliza “Vocês são todas iguais”, talvez por já ter se sentido assim anteriormente e por ter confiado demais que daquela vez seria diferente. Ele esperava que fosse diferente e se sentiu traído ao vê-la partir.

Há uma frase muito forte: “Você me vendeu para se salvar”. É agora que ele consegue ver com um pouco mais de razão o que ela fez e que gerou todo este sentimento de dor dentro dele; aqui ele está livre da culpa e quer que tudo o que sente vá embora junto das lembranças.

Para encerrar, ele volta atrás do que disse na mesma frase: antes ele queria saber o que tinha acontecido, ele queria saber o porquê de ela ter partido; agora ele percebeu que já não vale a pena, percebeu que ela escolheu o próprio caminho e que não há justificativa plausível para o que ela fez. Ele conseguiu quebrar as correntes emocionais que o prendiam e, agora, quer se ver livre dela para sempre.

Quanto ao videoclipe: vemos que cenas que ocorrem em tempos diferentes, mesmo que, aparentemente, aconteçam em uma ordem cronológica continua: há quebra de tempo nas imagens. Há realmente a presença da mulher no início, há o rapaz que a procura e também há este mesmo rapaz se vestindo como se fosse seu grande amor que partiu. Sendo assim, podemos entender que ela partiu e que ele alimenta a fantasia de sua presença deixando os mesmos vestígios que ela deixava, as mesmas marcas, seguindo a mesma rotina dela. Ao sair, ele se veste com as roupas dela e causa espanto nas pessoas, pois elas esperavam que fosse a mulher que morava ali. Ao voltar, vestido como rapaz novamente, ele percebe os vestígios que ele mesmo deixou como se fosse ela e mergulha em sua tristeza, dor e saudade, alimentando uma presença inexistente da pessoa que insiste em amar.

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