Nos anos 90 os grandes festivais não eram problema para os fãs da música pesada. Para ficar só entre os gigantes tivemos várias edições do Hollywood Rock, do Monsters of Rock, M2000 Festival e o alvo desse texto, o Skol Rock.
A edição de 1997 caiu como uma luva no calendário roqueiro, pois foi justamente nesse ano que o já aguardado Monsters teve sua sequencia de três edições seguidas interrompidas não foi realizado, voltando só no ano seguinte.
Assim que divulgada ‘line up’ com os alemães do Scorpions; com a eterna voz do Iron Maiden Bruce Dickinson; com o mestre Ronnie James Dio e a banda Jason Bonham, o filho do lendário batera do Led Zeppelin, ficou claro que correr atrás de um ingresso era uma prioridade.
Esse festival particularmente apresentaria logo no início da tarde uma sequência de bandas classificadas durante algumas etapas em um grande concurso, que abrangeu todo país. As melhores estariam ali no mesmo palco dos grandes nomes.
Para não faltar um conhecido nome da música nacional, a principio estava escalado o Angra, que acabou sendo substituído pelo Dr. Sin. E essa não foi à única mudança que aconteceu antes da data escolhida, o local também foi alterado. Em vez do Canindé, campo da Portuguesa, foi utilizado o estádio do Ibirapuera, que já havia recebido os shows do Black Sabbath e Bon Jovi. O nome do Angra e do campo da Lusa estão nos primeiros panfletos impressos para divulgação que foram distribuídos.
E sobrou pro Dr. Sin a bucha do festival. Em vez de colocar a famosa banda perto das atrações internacionais, algum gênio resolveu expor o trio ao absurdo de abrir o festival. E pior, sem quase nenhuma divulgação prévia. Sim, eles tocaram por volta de 13h30, ANTES de todas aquelas bandas que participaram do tal concurso entrar em cena. Poucas testemunhas presenciaram o show do Dr. Sin, pois o estádio foi ficando mais cheio apenas no final da tarde. Os principais nomes só se apresentariam já pela noite.
Hoje em dia eu jamais cogitaria em fazer isso, mas como eu era vinte anos mais jovem, eu tinha um plano para assistir tudo. Seriam muitas horas de pé, então a opção foi comprar ingresso para a cadeira coberta em vez da tradicional pista. Além do que a previsão era de chuva, e milagrosamente acertaram. A chuva não deu trégua.
Como cheguei cedo vi o profissional Dr. Sin fazendo sua parte como de costume e na sequencia um monte de bandas fracas soando como raimundos, legião, e outras coisas que não faço a menor questão de recordar. Nada contra, respeito, mas não é o tipo de som que aprecio.
Foi bom ficar em uma cadeira acompanhando tudo o que acontecia durante a tarde. Eu pude comer, beber, ficar seco, mas conforme foi chegando a hora do show do Jason Bonham, aquele meu instinto de querer ver sempre mais de perto me obrigou a uma tentativa. Desci as escadas e me aproximei de um portão que dava acesso ao campo. Perguntei ao funcionário se eu mesmo com ingresso para as cobertas poderia mudar de setor. Estava preparado para ouvir um não, mas que nada. Havia algumas pessoas querendo fazer o percurso inverso que eu. A troca foi rápida. Lembro-me bem de que ele abriu o portão e ai já pude sentir a chuva na cabeça. Fui direto para o lado direito do grande palco. Agora sim a coisa começava a ter graça de verdade.
A banda de Jason era a única entre as principais que eu ainda não tinha assistido ao vivo, por isso estava curioso, mas também sabia que era impossível sairmos do ‘Planeta Zeppelin’. Dito e feito, nenhuma novidade. O rapaz sentou o braço na batera e desfilou durante o curto show vários hits que seu paizão ajudou a criar como ‘Black Dog’ e ‘Whola Lotta Love’.
Após esse verdadeiro tributo ao Led era a hora de usar aquelas táticas que só quem frequentava muitos festivais conhecia – caros jovens de hoje, não existiam pistas Vips – e chegar o mais próximo possível da grade. O Mestre ia entrar no recinto.
Sempre vou me sentir um grande felizardo por em diversas oportunidades ter assistido ao maior cantor que o Heavy Metal conheceu. Todas foram marcantes, com o Black Sabbath, com sua banda solo e com o Heaven and Hell.
Acompanhado do excelente Vinny Appice na batera e do seguro Jeff Pilson (Dokken) no baixo, Dio mostrou um vocal absolutamente poderoso desfilando clássicos dos tempos de Sabbath como ‘Heaven and Hell’, do Rainbow ‘Long Live Rock n’ Roll’, e de sua carreira solo, é claro. Todo estádio cantou e ‘bangueou’ ao som ‘Rainbow in the Dark’, ‘Stand Up And Shout’ e ‘The Last in Line’.
Foi perfeito, não é? Quase. Pois o ‘problema’ estava no moço das seis cordas. Tracy G JAMAIS deveria ter sido um dos guitarristas na banda de Dio. O cara destruía todos, eu disse TODOS, os solos clássicos criados por guitarristas fora de série como Vivian Campbell e Craig Goldie e por gênios como Blackmore e Tony Iommi. Era um caso de polícia afirmavam os fãs mais enfurecidos. Respeito o trabalho que ele fez nos discos que gravou com o DIO, é um bom ‘rifeito’, mas solos tão especiais como o ‘Holy Diver’ não podem ser modificados em tal escalada de se tornarem irreconhecíveis.
Mas deixa pra lá, não era uma novidade para quem acompanhou pelo um dos shows que o mestre tinha feito dois antes aqui mesmo em São Paulo. Era o meu caso, então eu já sabia o que esperar. Ali o que realmente importava era estar na presença daquela lenda mais uma vez.
Intervalo bem longo, muita demora, ansiedade. E não era para menos. Bruce retornaria mais uma vez á São Paulo e dessa vez diferentes dos shows de 1995, onde as músicas do Maiden foram quase que totalmente ignoradas, a coisa ia ser BEM diferente. Fazendo companhia ao “The Air Raid Siren”, pela primeira vez na capital paulista, Mr. Adrian Smith. Não tinha como qualquer fã não ter aquela esperança de ouvir aqueles clássicos que a trupe de Steve Harris não havia tocado no Monsters do ano anterior.
Enquanto o palco era preparado gritos de ‘Aces High’ surgiam de todos os lados. A chuva começava aumentar e a expectativa também.
O mais legal era que além desses dois ícones das fileiras da Donzela de Ferro poder contar com vários clássicos de sua banda passada, Bruce poucos meses antes tinha lançado um discão. Daqueles álbuns de te deixar com o queixo caído e pescoço lesionado. E é com a faixa título que Bruce abre o show que se tornaria épico.
Na sequencia mais uma das novas ‘Star Children’ e a plateia já estava completamente cativada. A cada grito do vocalista a resposta era imediata. Quem ligava para a chuva nessa hora? Ninguém.
Bruce antes de chamar à próxima música, comenta que estava promovendo seu novo CD e que infelizmente ele não tinha sido ainda lançado no Brasil.
Aqui cabe um adendo. Todos os fãs já conheciam bem as musicas, pois “Accident of Birth” podia ser adquirido em qualquer loja Cds que trabalhasse com importados. Comprei o meu logo que foi lançando selo ‘Raw Power’ com direito a pôster por apenas QUINZE REAIS na loja Empire na Galeria do Rock. É meu, que saudades do dólar a R$ 1,15.
Voltando ao show, Bruce apresenta Mr. Smith que tem uma recepção calorosa. E ele retribuiu com a introdução de ‘2 minutes to midnight’. Rapaz, minha noite já estava ganha. Todas as horas esperando, a chuva, ficou muito barato. Nem precisava continuar.
Mas felizmente continuou com várias outras da carreira solo de Bruce e mais três presentes para matar todos maiden maníacos do coração. Versões matadoras de ‘Powerslave’, ‘Flight of Icarus’ e ‘Run to the Hills’ pra fechar o sensacional show.
Mas, não rolou ‘Aces High’? Não! Acredite não fez falta. Dos três shows em que eu estive presente, este foi o melhor que assisti da carreira solo do Bruce. E posso incluir alguns do próprio Iron Maiden nesta conta. Foi uma noite especial.
Qualquer simples banda jamais iria subir naquele palco sem se sentir pressionada tamanha foi à participação da plateia. Mas os Scorpions nunca foram uma simples banda.
Com a mesma categoria e energia que já haviam exibido em 1994 durante os shows também aqui em São Paulo, no saudoso Olympia, o alemães conquistaram rapidamente seu espaço e o público.
Não faltaram clássicos para preencher o set. Vale resaltar que nos anos 90 o Scorpions ainda era muito parecido com aquele do auge da banda nos anos 70/80. Nada de tons abaixo, economia no volume ou excesso de baladas. O show foi uma paulada.
A entrada de um empolgado James Kottak (ex-Kingdom Come) na bateria acrescentou muito, apesar de ser menos técnico do que seu antecessor Herman Rarebell.
Se tivesse que citar a minha principal lembrança desse show, seria minha felicidade ao ouvir a introdução de ‘We’ll Burn the Sky’, que é umas de minhas preferidas e que não tinha sido incluída no show que fui três anos antes.
Eu tenho uma memória muito boa e desde que comecei a frequentar a shows lá nos distantes anos 80 me acostumei a fazer resumos caseiros, anotar as datas, o que tinha rolado, as músicas e sempre guardei tudo. Como uma garantia para não esquecer e eternizar as lembranças, pois não era fácil tirar fotos e encontrar resenhas como hoje em dia.
Em tempos de celulares e internet o papo é outro, as coisas são mais bem simples. Mas em especial para esse festival, mesmo para quem não esteve lá como eu, é possível conferir os principais shows, pois a MTV Brasil transmitiu o evento.
É, parece mentira hoje, mas a MTV já foi um canal que tocava música. Nos tempos que nem se sonhava com algo parecido com o ‘You Tube’, qualquer transmissão era muito bem vinda, ainda mais ao vivo. E ajudava muito ter alguém em casa para apertar o REC do vídeo cassete e gravar tudo para poder assistir depois e quantas vezes quisesse. Devo essa á minha Irmã.
Dias depois era possível encontrar na Galeria alguns piratões em CD (e claro em VHS também) dos shows. No caso dos CDs o áudio era o mesmo da TV, mas para quem tinha gravado em mono – nem todo mundo tinha uma TV e VHS estéreo em casa – foi uma mão na roda. No meu caso posso usar aquele velho chavão dos tempos dos LPs e afirmar que eu ouvi esse CD da apresentação dos senhores Dickinson & Smith até quase furar.
Essas são minhas lembranças desse grande dia. Foi divertido compartilhar com vocês. Enquanto escrevia estava rolando o meu velho VHS, que não está mofado, e fiquei pensando que já se passaram vinte anos e ainda gosto muito dessas bandas/músicos, acompanho suas notícias, compro seus discos e sempre que estiverem por aqui farei o possível para estar presente nos shows. Pois são lembranças como essas que pavimentam a estrada roqueira de cada um de nós.