A segunda onda do Black Metal, como ficou conhecida o movimento de bandas que consolidaram a sonoridade Black Metal no começo dos anos 90, foi capaz de unir bandas que se ajudavam entre si, em diversas localidades do mundo. A mais famosa destas cenas, sem sombra de dúvidas, é a norueguesa. Não somente pela qualidade musical e pela influência que as bandas daquele país espalharam pelo mundo, mas também pelas polêmicas que envolviam a cena, como assassinatos, suicídios e incêndios de igrejas.
Uma outra cena Black Metal que sustentou certa fama e respeito no meio underground nos anos 90 foi a austríaca, que ficou conhecida como Sindicato Austríaco do Black Metal, ou A.B.M.S., na sigla em inglês.
O Sindicato Austríaco do Black Metal era considerado uma resposta ao Inner Circle norueguês, termo pelo qual ficou conhecido a organização criminosa formada por membros de bandas de Black Metal que tramavam incêndios a igrejas e profanação de lugares considerados sagrados. Porém, o A.B.M.S. não era uma organização criminosa. Longe disso. O sindicato foi criado para servir como uma espécie de cooperativa, onde as bandas se ajudavam e até mesmo compartilhavam membros, com o objetivo de fortalecer a cena e fazê-la crescer. Quem explica um pouco como a cena funcionava é Pazuzu, líder e único membro da banda de mesmo nome, em entrevista ao site peruano Dark Hidden:
“O A.B.M.S. começou como um esforço coletivo das bandas austríacas de Black Metal. Nós possuíamos um único endereço postal para os membros do Sindicato, com o objetivo de ajudar a cena crescer e fazer com que nossas gravações tivessem um maior alcance, assim como nós também poderíamos receber novidades do Black Metal vindas de todo o mundo.”
Por falar em Pazuzu, foi o próprio quem fundou o Sindicato, no ano de 1993, quando ele ainda era integrante do Summoning. Na época, o Summoning também contava em suas fileiras com o baterista Trifixion of the Horned King, além dos membros que permanecem até hoje, Protector e Silenius. Trifixion também era a mente por trás da banda Pervertum e da banda que leva seu nome artístico, Trifixion. Silenius, por sua vez, era o vocalista do lendário Abigor até o ano de 1999. Além destas bandas já citadas, outra banda integrante do sindicato foi o Golden Dawn, “banda-de-um-homem-só” formada por Dreamlord.
Apesar do clima de camaradagem e de parceria que era o principal atrativo do Sindicato, o músico Thomas “T.T.” Tannenberger, do Abigor, explica, em entrevista ao site Invisible Oranges, que por trás das parcerias, haviam sim desentendimentos e brigas:
“Mesmo sob a denominação de A.B.M.S., não havia realmente felicidade entre todos. As vezes nós colaborávamos uns com os outros, as vezes nós lutávamos entre nós. Assim era a cena: constantes acusações, sobre quem falava a verdade ou não; quem era o mais sério, quem traia o movimento.”
Quando a coisa está mesmo baseada em confusão, o que não falta é fofoca e picuinhas, como T.T. explica, continuando a sua fala:
“Quer um exemplo? Silenius me contou que nos anos 90 alguém do Varathron (banda grega de Black Metal), havia entrado em contato com ele, e que esse alguém estava empolgado falando para ele que leu um entrevista em que P.K. (guitarrista do Abigor) havia falado mal de Silenius. Ele apenas respondeu da seguinte maneira: ‘Sim, nós não gostamos um do outro mesmo, nós apenas criamos a mais negra arte juntos e é isso! As vezes existe apenas ódio e misantropia. Isto é o Black Metal’. ”
E Silenius está certo. A sonoridade do Black Metal austríaco é bastante negra e perversa, mas as bandas do Sindicato ostentavam seus atrativos. Já na época, alguns grupos como Abigor, Summoning e Golden Dawn usavam elementos medievais de música, como batidas marciais e orquestrações, mesmo que tímidas na maior parte das vezes. O Summoning gostou tanto de lançar mão destes recursos que, disco a disco, o grupo foi se distanciando de seu Black Metal um tanto cru trabalhado em seu debut, Lugburz (1995), e hoje pratica um som épico, completamente orquestrado e esotérico, tentando traduzir em música o mundo fantasioso de J.R.R. Tolkien. Mesmo assim, as guitarras em tremolo e os vocais desesperados típicos do Black Metal continuam lá.
https://www.youtube.com/watch?v=dHAzaU4wLlA
Por outro lado, o Golden Dawn nunca esteve preocupado em esconder suas orquestrações ou mesmo elementos eletrônicos ou meditativos que recheiam seu Black Metal, o que faz a sua sonoridade se aproximar de um Gótico/Industrial em vários momentos de sua discografia. O mentor da banda, Stefan “Dreamlord” Traunmüller, apesar de estar envolvido com o Sindicato, sempre foi um sujeito reservado, se dedicando somente a fazer sua música que, com o passar do tempo, se tornou única naquele meio.
O Pazuzu foi um projeto paralelo de Darkwave e música medieval criado pelo músico de mesmo nome e que teve o apoio de seus colegas de Summoning Protector, Silenius e Trifixion Of The Horned King. O grupo praticava um som cavernoso em seu debut, …And All Was Silent, de 1994, que era cheio de gritos esquizofrênicos que pareciam vir de ecos distantes e orquestrações soturnas. Depois, o grupo, somente com o único membro Raymond “Pazuzu” Wells, apostou em sonoridades medievais. Mas nada de Metal era praticado por eles.
O baterista Trifixion of the Horned King (sim, este é o seu vulgo), citado no último parágrafo, foi um dos músicos mais prolíficos do Sindicato. Foi baterista do Summoning antes de lá ser demitido. Após isso, fundou a banda que leva seu nome, sendo ele seu único membro, e também foi a mente por trás do Pervertum. Ambas as bandas faziam um Black Metal cru, com influências do Speed/Black Metal oitentista. Não deixam de ser curiosos os vocais esganiçados de Trifixion. Mais parece Udo Dirkschneider cantando Black Metal.
Talvez a mais conhecida banda do Sindicato entre os brasileiros seja mesmo o Abigor. Atualmente apenas com os membros fundadores T.T. e P.K., o Abigor faz um Black Metal altamente negro e estrangulante, porém, bem produzido, para os padrões de seus trabalhos e de seus asseclas dos anos 90. Ao longo do tempo, incorporaram também alguns elementos industriais em seu som, mas nada que manche o negrume de seu Metal.
O Sindicato Austríaco do Black Metal teve vida curta. Dentre as bandas aqui citadas, somente Abigor e Summoning continuam na ativa lançando álbuns regularmente, cada um com seus dois membros fundadores, somente. E o Golden Dawn, que sempre foi um caso particular, também existe ainda. Trifixiom deixou o Heavy Metal ainda nos anos 90 e desde então se dedica ao seu projeto de música eletrônica Vienna Subs. Mas aqui fica registrado esta curiosidade e mais este capítulo da história do Black Metal, que, apesar dos desentendimentos (algo corriqueiro em qualquer circunstância da vida humana), mostra algo que se faz necessário em meio ao nosso underground: união. Bandas que colaboram entre si e que deixam as diferenças pessoais de lado em prol do desenvolvimento do Metal criam uma cena forte e que, com certeza, deixa suas marcas e seus legados.
https://www.youtube.com/watch?v=9q8O8h_LZd0