Sadist: ‘Spellbound’- Uma homenagem ao trabalho de Alfred Hitchcock

Combinar duas artes em uma pode não ser nenhuma novidade, mas, fazer com propriedade e bom gosto, aí a história já é outra. Aqui, a sonoridade trabalhada e de tons sombrios dos italianos do Sadist, foi de encontro com as produções cinematográficas de um dos mais importantes nomes do cinema: Alfred Hitchcock. Muitas delas, vale salientar, baseadas em livros. Hoje, vamos analisar brevemente cada uma delas, representadas por cada composição de ‘Spellbound’, o oitavo álbum da banda.

Antes de tudo, faremos então uma rápida passagem por homenagem e homenageado. Sir Alfred Joseph Hitchcok nasceu em Londres, em 1899 e faleceu em Los Angeles, em 1980. Ao longo de sessenta anos de carreira, dirigiu 53 filmes e ainda hoje é referido como o “Mestre do Suspense”. Entre os estilos de filmagem que o tornaram famoso, destaca-se a atenção ao uso no movimento de câmera, acentuando nas interpretações, sentimentos como o medo e a ansiedade. Já em outro ângulo, mas na “Velha Bota”, temos o Sadist, que surgiu em 1990 na cidade portuária de Gênova. Como sonoridade, seus músicos optaram pelo Death Metal, com toques melodiosos e detalhes Progressivos, criando e desenvolvendo algo bastante interessante aos ouvidos. Em quase 30 anos de carreira, foram lançados oito full lenghts, em espaços de tempo consideravelmente curtos – a exceção de ‘Sadist’, concebido pecaminosamente sete anos após ‘Lego’. Em relação à sua formação, pode-se dizer que foram poucas trocas ao longo dos anos, em comparação a outros nomes. Até o momento, fazem parte do Sadist: Trevor Nadir (vocal), Tommy Talamanca (guitarra, teclados e piano), Andy Marchini  (baixo) e Alessio Spallarossa (bateria e percussão).

Lançado no dia 09 de novembro de 2018, pela Scarlet Records e com onze músicas, o que primeiro chama a atenção é a arte de capa – talvez uma das referências máximas em se tratando de Hitchcock na cultura popular – onde vemos a mansão de ‘Psicose’, bem como o que sobrou da personagem Norma Bates. Feita por Solo Macello, de fato o clima lúgubre do cenário casou perfeitamente com o Progressive Death Metal da banda, que já acumula experiência de sobra pra ter feito tamanha homenagem ao aclamado diretor.

Como faixa instrumental é o que não falta na carreira do Sadist, aqui temos três, sendo a primeira delas a abertura “39 Steps”. Esta, homenageia o filme de mesmo nome lançado no tão distante ano de 1935, tendo sido classificado em 2004, pelo British Film Institute, como o quarto melhor filme britânico do século XX. A trama foi vagamente baseada no romance de aventura ‘The Thirty-Nine Steps’ (1915), de John Buchan, que aborda o tema espionagem. A faixa, uma peça voltada ao piano, consegue expressar uma enorme carga emocional, que remete imediatamente ao suspense.

Com um salto no tempo, paramos em 1963 com “Os Pássaros” (inspirado no romance homônimo de Frank Baker, de 1936 – existe uma polêmica sobre, mas isso não vem ao caso aqui), que narra um terrível ataque de pássaros. “The Birds” foi a escolhida para virar vídeo clipe, e a partir dela é que realmente podemos sentir a sonoridade dos italianos. Logo após vinte segundos de interessantes melodias de teclado, finalmente surge a agressividade do Death Metal, mas mesmo em meio aos vocais guturais e uma bateria técnica, notas dos instrumentos de teclas – felizmente – não abandonam a composição, muito menos todas as demais (já lhe adianto).

Sir Alfred Hitchcock, aclamado como o “Mestre do Suspense”

A sombria faixa título “Spellbound” representa o filme estadunidense de mesmo nome, mas que aqui no Brasil recebeu o título ‘Quando Fala o Coração’, de 1945. Ainda em tempo, discretos toques Progressivos se fazem presentes na composição, com certo destaque.

A máquina do tempo funciona mais uma vez e o ano é 1954, onde nos deparamos com “Rear Window” (‘Janela Indiscreta’), que conta a história de um fotografo profissional que após quebrar a perna em um acidente, fica de repouso em seu apartamento, até que uma onda de calor o faz observar seus vizinhos pela janela, cujas mesmas estão abertas – logicamente – devido as altas temperaturas. Se assim como eu, você ficou curioso pelo filme – que é considerado um dos melhores de Hitchcock – basta assistir-lo pela internet! Um começo quase Thrash, variações vocais e a intocável aura sombria marcam a faixa.

Na primeira imagem temos a pintura ‘House by the Railroad’ (Edward Hopper, 1925), que inspirou a mansão do filme ‘Psicose’ (1960), vista na segunda imagem

Certamente agora vamos falar de uma das adaptações/direções mais famosas, inserida na cultura Pop ao longo das décadas: ‘Psicose’! Aqui retratada pela ótima “Blood Bates”, que engana com sua tranqüila introdução, mas que aos poucos nos insere na doentia temática do clássico filme de 1960, com um pouco mais de dinamismo. Ainda não viu? Ora essa, então não perca mais tempo em conhecer Norman Bates, sua propriedade e seu curioso comportamento… (N.R.: Além do filme, foram produzidos posteriormente mais três continuações para a história, além de um duvidoso remake de 1998 e a interessante série de 2013, com 05 temporadas, ‘Bates Motel’)

Em 1946, enquanto o Mundo ainda tentava se recuperar da Segunda Guerra, o mercado cinematográfico não parava, muito menos sentia qualquer constrangimento em abordar temas relacionados ao conflito. Em ‘Interlúdio’ a trama é sobre um agente do governo estadunidense que chantageia a filha de um nazista, com a intenção de que ela espione um agente alemão, residente do Rio de Janeiro (!!). No álbum, a instrumental “Notorius” aposta novamente em doses mais concentradas de Progressivo e ambiência soturna, escancarando o talento dos instrumentistas, em especial do guitarrista/tecladista Tommy, que se sobressaiu no ultimo instrumento, com notas e melodias certas.

Mais uma vez no esquema “introdução repleta de feeling + instrumentação concisa”, “Stage Fright” tem uma levada direta, mais “bate-cabeça”. Entretanto, fica-se com a impressão que o vocal soa mais alto do que os demais instrumentos, com guitarra e baixo perdendo destaque na produção. Nada grave, já que a mesma mantém o track list bastante interessante e ainda representa o filme de mesmo nome, lá de 1950. Em parcas palavras: a investigação de um assassinato, por parte da amiga do acusado, é o assunto da película. Seis anos depois, mas na esfera do suspense/policial, temos “O Homem Que Sabia Demais”, que tem por foco uma família estadunidense que vai de férias para o Marrocos. Sem a mesma pegada direta da anterior, “I’m the Man Who Knew Too Much” nos presenteia com um simples, porém interessante solo de guitarra, além de um clima mais contido.

Literalmente representando um frenesi, os primeiros instantes de “Frenzy” agradam pela interação entre riffs e bateria, acrescidos logo em seguida pelas indispensáveis doses melodiosas. O filme homônimo saiu em 1972, e como curiosidades, foi o penúltimo filme de Alfred, bem como ter sido considerada a sua produção mais violenta. Não por menos, já que relata um serial killer que aterroriza Londres, estrangulando suas vítimas com uma gravata. Apesar dessa peculiaridade, não podemos negar que a temática em si combina bastante com o lado Death Metal do Sadist.

Três, dos filmes homenageados no álbum

Filmado nas montanhas da Áustria, o enredo do filme (mudo, diga-se) se passa no estado do Kentucky/EUA. Estreou em 1927, como ‘The Mountain Eagle’, porém também é conhecido por ‘Fear O God’ – nome de um dos seus personagens, um eremita. “The Mountain Eagle” – uma das mais curtas – em termos instrumentais não tem nada que nos faça lembrar de qualquer coisa relacionada a eremitas, até que se dê uma olhada na letra.

Finalizando a lista de filmes e as faixas de ‘Spellbound’, temos outro filme mudo de 1927, ambas com o nome “Downhill”. A terceira e última das instrumentais é extremamente curta, mas conseguiu finalizar a audição com aquele saboroso clima de mistério. No filme, a trama se desenrola em um internato britânico e gira em torno dos amigos Roddy Berwick e Tim Wakely.

Aqui, o tempo foi irrelevante, pois em menos de quarenta minutos de música, o Sadist nos proporcionou uma surpreendente e flexível viagem no tempo, percorrendo onze filmes, lançados ao longo de 45 anos. Um trabalho louvável – tanto musical, quanto em homenagear Alfred Hitchcock. Enfim, mais um lembrete de que as boas artes nunca devem deixar de ser apreciadas!

NOTA: 9,0

Formação:
Trevor Nadir (vocal)
Tommy Talamanca (guitarra, teclados e piano)
Andy Marchini (baixo)
Alessio Spallarossa  (bateria, percussão)

Faixas:
01. 39 Steps (Instrumental)
02. The Birds
03. Spellbound
04. Rear Window
05. Bloody Bates
06. Notorius (Instrumental)
07. Stage Fright
08. I’m the Man Who Knew Too Much
09. Frenzy
10. The Mountain Eagle
11. Downhill (Instrumental).

Encontre sua banda favorita