O ano era 1985. O Brasil passava por mudanças drásticas que por si só já marcaram a história. E já no primeiro mês do ano, começou com tudo. Um dos maiores eventos da América Latina, o Rock in Rio era praticamente impensável de ser realizado naquela época. Talvez por isso voltar a acreditar que as coisas eram possíveis é um dos principais comentários em relação ao RIR. Entre 11 a 20 de janeiro, o festival colocou o Brasil com lugar cativo na história da música. “Desde 1985, que foi a grande abertura do Brasil, para as bandas internacionais de rock and roll, não só também do rock e do metal, mas foi a grande abertura de portas do mercado brasileiro para fora.”, disse o CEO do Rock in Rio, Luis Justo, em entrevista para a Roadie Metal. E se ele estava presente na primeira edição? “Meu primeiro contato foi com seis anos de idade. Eu estava lá no Rock in Rio de 85, levado pelo meu irmão e meus pais, obviamente, já eram fãs de Iron Maiden, então, eu lembro de flashes, mas de praticamente nada.”, conta.

Nos anos 80, o Brasil não era exatamente o lugar mais óbvio do planeta para se realizar um festival. Allan Costa e Arthur Igreja falaram disso no livro “Rock in Rio: A Arte de Sonhar e Fazer acontecer”: “O Brasil vinha de um período considerado como ‘a década perdida’, portanto estava longe de ser o destino de eventos grandiosos, com atrações culturais interessantes e turnês dos artistas mais populares que tocavam nas rádios da época.”. Para os autores, a produção musical ainda estava baixa e o que sustentava o público era a cultura underground do rock nacional. “O único movimento que se mantinha vivo era o rock nacional, que crescia forte nos palcos underground, com mais e mais fãs apaixonados pelas músicas das bandas nacionais que entoavam os hinos da juventude da época, jovens sedentos por mudar os rumos do país, mas sem saber como fazê-lo.”, escreveram.

Foto: Reprodução.

Mesmo sem esperança, o Rock in Rio, apesar de diversos obstáculos, seguiu em frente. Tudo isso se deve à dedicação do empresário brasileiro Roberto Medina, que acreditou na possibilidade de ter, no Brasil dos anos 80, um festival desse porte que não acontecia na América do Sul. Quem ajudou o brasileiro a tirar o projeto do papel foi o assessor do Frank Sinatra, que marcou uma coletiva com os principais jornais americanos. Muitos apoiadores apareceram no dia seguinte. A primeira Cidade do Rock ficava na Barra da Tijuca, próxima ao Riocentro, em um terreno com 250 mil metros quadrados e que resultaria em um espetáculo para aproximadamente 1,5 milhão de pessoas. No palco, o maior do mundo na época, com 80 metros de boca de cena, subiram 15 atrações nacionais e 16 internacionais. A estrutura impressionou até Bruce Dickinson que comentou sobre isso em seu livro. “Três palcos completos haviam sido instalados sobre os trilhos de uma estrutura rotativa e se descortinavam perante uma área especialmente projetada e construída com capacidade para 300 mil pessoas.”, escreveu. A cidade foi demolida após o término do evento, por ordem de Leonel Brizola.

Foto: Reprodução.

Mas a grandiosidade do evento não foi só por conta do tamanho do palco. “Primeiro que a gente disse que ia para praia pra mãe e fomos pro RiR, foi a minha primeira vez no rio então além de estar na cidade maravilhosa pela primeira vez e ver o Cristo redentor foi WOW e ainda ir pro RIR era um sonho.”, contou a curitibana Rosangela Missawa que basicamente fugiu de casa para ir ao festival. “O lugar era imenso chão de terra batido, choveu muito naqueles dias o que significava que era lama pra todos os lados, mas não fazia muita diferença, a estrutura era simples, comparada aos dias atuais, mas supria a necessidade de todos.”, disse.

E para, ela qual era a sensação de ter um festival desses pela primeira vez no Brasil? “Loucura, grandeza de realização, amor ao rock, amor a música a vontade de fazer algo que mudasse o cenário da música e desse ao público vontade de sonhar com um mundo melhor.”, respondeu a fotógrafa, emocionada.

Mas não era só glamour não. “Pessoas dormindo na lama pra poder aguentar os shows. Eu dormi agachada várias vezes.”, contou Rosangela. “A lama chegou um ponto onde não fazia diferença. Mas valeu cada dia, cada segundo e faria tudo de novo.”, disse.

Décio Gomes Filho também esteve presente no primeiro Rock in Rio. Em entrevista, deixando claro que essa é a sua opinião pessoal, ele contou sobre a expectativa que tinha, semanas antes do festival. “Esse é o cenário que eu enxergava antes do Rock in Rio. Rock e metal era algo restrito entre a gente, e como não havia internet, não era possível essa relação de fanbase que existe hoje entre pessoas que moravam longe. Então como dificilmente a gente tinha como ver rock ou metal nas mídias tradicionais, a percepção que eu tinha era de que aquilo era algo que ficava restrito ao meu grupo de amigos e outros poucos espalhado pelo resto do Brasil. E então imagine o impacto da notícia de um mega festival de rock no Brasil? Os meses que antecedem o Rock in Rio geram uma expectativa e uma euforia inimaginável.”, disse.

Ele conta que se organizou com os irmãos e primos para assistir aos dias do festival que tinham as bandas mais pesadas, e que ao chegar no evento tomou um choque de realidade. “E foi exatamente desembarcando do ônibus que veio a primeira porrada. Ainda que toda aquela percepção de que o rock começava a tomar o mainstream fosse cada vez mais forte, eu não estava preparado pra ver aquela quantidade de gente desembarcando de tantos ônibus e caminhando até o local.”, comentou. “Era como descobrir que eu não estava tão sozinho e que na verdade eu fazia parte de algo muito maior. Afinal de contas, eu, meus irmãos e amigos não éramos os únicos marginais e desajustados. E era uma multidão de gente com camisa preta, colete jeans, patches, pulseiras e camisas de banda.”.

O publicitário ainda ressalta que o festival trouxe mudanças. “Depois do Rock in Rio tudo mudou. O Brasil entrou pra rota do rock e do metal se tornou comum a gente ver bandas famosas por aqui. Mas o impacto do 1º Rock in Rio está em um patamar de sonhos e que a gente ainda guarda como lembrança bem distante mas intocável e incomparável. Eu continuei a escutar metal. Fui pra Wacken, Hellfest, Graspop e Metal Days. Vi uma porrada de shows de hard, metal tradicional, death, black e trhrash entre Europa e EUA. Mas é sempre quando eu me identifico como brasileiro que em geral surge a pergunta do gringo do outro lado: ‘Porra…Rock in Rio? Você foi?’”, disse.

Foto: Reprodução Correio Braziliense.

O line up do primeiro dia do festival teve três artistas nacionais: Ney Matogrosso, Erasmo Carlos, Pepeu| Baby. O Rock in Rio de 1985 também contou no primeiro dia com artistas internacionais: Whitesnake, Iron Maiden e Queen.