Na minha última postagem para este quadro (que foi a edição #1), falei sobre o Metalcore. Na época da postagem, meu amigo Giovani, guitarrista da Murder Me Slowly (conceituada banda de metalcore aqui de Curitiba), comentou comigo algo do tipo ” eu achei a matéria bem massa, mas eu senti um pouco de falta do djent no meio”, e isso ficou na minha cabeça. Afinal, como veremos hoje, uma parte considerável das bandas de metalcore, principalmente aqui do Brasil, migrou para esse novo gênero, algumas mais fortemente, outras nem tanto.

Por conta disso, eu resolvi escrever hoje sobre o tal djent, um gênero que tem sua gênese completamente ligada à internet e que se tornou a salvação do metalcore durante sua época de decadência.

História

A origem do nome e o “nascimento” do gênero (1995 – 2009)

O que chamamos hoje de djent, que se resume às guitarras fazendo um som parecido com esta onomatopeia em ritmos quebrados e de maneira bem percussiva, já podia ser visto em 1995, no segundo álbum da banda sueca Meshuggah, “Destroy Erase Improve“, em músicas como “Soul Burn”. Só de ouvir a introdução da música, fica bem simples entender o que é o djent e porque de seu nome. Mas até então, Meshuggah fazia somente um metal progressivo e não se dava nenhuma diferenciação para este gênero, apesar desse estilo ser claramente diferente de um metal progressivo comum, devido ao excesso de palm-mutes e a fortíssima distorção colocada nos instrumentos. Essa diferença se dá pelo uso de uma ferramenta extremamente importante para o djent ( e atualmente para qualquer estilo moderno de metal): a guitarra de 7 cordas.

https://www.youtube.com/watch?v=ChzWzkTwxIs

Para os que não conhecem, a diferença da guitarra de 7 cordas para a de 6 cordas é que ela tem uma corda extra que é mais grave que as outras, estando por padrão afinada em Sí. Desta forma, para bandas que tocam em afinações próximas a Sí, a guitarra de 7 cordas facilita muito, pois ao invés do guitarrista ter que, por exemplo, afinar a guitarra 2 tons e meio abaixo para chegar em Sí com uma guitarra de 6 cordas, basta deixar a guitarra de 7 cordas em sua afinação padrão. Ainda sim, ela ainda não é um tipo de guitarra padrão entre os guitarristas, isso em 2020. Agora imaginemos 30 anos atrás, em 1990, que o próprio metal extremo e o hardcore eram recém-nascidos na cena. Com certeza as guitarras de 7 cordas eram quase raridades.

Isso só foi mudar em 1990, quando Steve Vai lançou uma linha de guitarras de 7 cordas desenhadas por ele, a primeira linha de grande produção de guitarras de 7 cordas. Foi neste momento que Friedrik Thordenthal, guitarrista do Meshuggah, decidiu experimentar essa novidade para explorar novas sonoridades com sua banda, junto com efeitos de pedais e uma criatividade absurda para polirritmias. E assim, nas sombras, nasceu o djent

Apesar de hoje em dia, em 2020, o djent ter se tornado, de certa forma, um fenômeno dentro do metal, na época que foi dado um nome para esse estilo a intenção não era, nem de longe, criar um novo subgênero.

Não se tem registro de uma data exata para a criação do termo “djent”. A origem mais aceita é que, no início dos anos 2000, após um show do Meshuggah, o guitarrista Friedrik Thordenthal estava bêbado e foi explicar a um fã qual o som que a banda sempre buscava fazer em suas guitarras. Segundo uma entrevista dada pela banda em 2018, Thordenthal teria falado para o fã ” Nós queremos esse som de ‘dj-‘, ‘dj-‘, ‘dj-‘”. A reação do fã foi algo como “O que ele está dizendo? Isso é uma palavra sueca? Deve ser. Soa como dj_, talvez ‘djent’? Talvez algo como isso”. E assim nasceu o termo “djent“.

Obviamente, Thordenthal e o resto do Meshuggah não imaginaria a que ponto chegaria toda essa história, que poderia simplesmente ter passado despercebida. Porém, estávamos no momento do primeiro grande “boom” da internet, com os vários sites dedicados a fóruns. Foi justamente a internet que fez o djent virar o que virou hoje em dia Eis que avançamos alguns anos na história e encontramos um registro de 2008 de uma thread em um fórum onde se perguntava as melhores configurações de amplificador para atingir um “djent firme”. Em outra thread, um usuário fala a outro que este não pode “fazer djent” – o termo “djent” em inglês é usado como um verbo, mas aqui estamos traduzindo para “fazer djent” para fazer sentido – com aquela técnica de palhetada. O próprio Misha Mansoor, guitarrista da banda Periphery, que é considerado um dos músicos mais importantes para a consolidação do djent como subgênero e, por vezes, apontado como criador do mesmo, citou que conheceu o termo a partir de fóruns de fãs de Meshuggah.

A partir do crescimento do número de músicos independentes – aqui uma menção honrosa a Mansoor, citado acima, que foi responsável pela popularização do djent online sob a alcunha de Bulb – e bandas menores que buscavam uma sonoridade parecida com o Meshuggah e seu “djent“, além de características em comum como ritmos complexos e sincopados e vocais acompanhando o ritmo das guitarras, a internet passou a usar o termo “djent” para colocar estas bandas em um estilo específico. Podemos afirmar que em 2009 foi a oficialização da criação do djent como estilo musical, com a criação do fórum Got-djent.com.

“The League of Extraordinary Djentlemen”, memes e explosão da popularidade (2009 – 2015)

Com a entrada da década de 2010, o djent já se fazia popular na internet, em grande parte graças a Bulb. Porém, mesmo com a força da internet, o djent poderia ter sido somente mais uma “modinha” que poderia ter sido esquecida facilmente ou se mantido nas entranhas dos fóruns e mantida por nerds do gênero.

Mas, em 2010, a sensação Bulb lançou o álbum de estreia de sua banda ( que já existia desde 2005), o Periphery. Devido à popularidade de Mansoor, o lançamento foi automaticamente um sucesso. No mesmo ano, outra banda extremamente importante para o gênero fez seu primeiro lançamento: o TesseracT. Esta banda iniciou seus trabalhos como uma banda de estúdio, que frequentava os mesmos fóruns que Mansoor, para obter feedback e dicas para seus sons. E ainda neste mesmo ano, a banda Monuments lançou sua segunda demo e começou a ser popular como as outras duas.

Em 2011 aconteceu o primeiro grande evento para o djent, a turnê chamada “The Extraordinary League of Djentlemen” (LXD), envolvendo as três bandas: Periphery, TesseracT e Monuments, que percorreu algumas cidades do Reino Unido.

Cartaz da LXD

Graças a esta pequena turnê, que pela primeira vez colocou o novo gênero em destaque, e a todo o hype online criado em cima do djent, o estilo passou a ter mais atenção da mídia mainstream, como por exemplo a matéria do The Guardian em 2011 e a matéria da Rolling Stone em 2014, ambas inteiramente dedicadas ao tal djent que de repente era o que “os jovens curtiam”. Mas ainda sim, isso não seria suficiente para concretizar um estilo tão complexo no mainstream e garantir sua durabilidade. O próprio rock progressivo tem pouca atenção mainstream apesar de sua longa história, imagine então um subgênero do metal progressivo que surgiu “acidentalmente” na internet.

O grande sucesso do djent se deu graças a três youtubers extremamente populares no meio do metal: Jared Dines, Stevie Terreberry e Rob Scallon. Podemos dizer, sem nenhum exagero, que foram estes três youtubers e músicos que tornaram o djent uma sensação mundial e o ajudaram a se manter vivo até hoje. Porém, tudo isso foi graças a um meme (ou vários, por assim dizer).

Rob Scallon, na verdade, tem um vídeo sério de 2013 chamado “Djenty Metal Town, USA”, no qual toca uma música de djent. Aqui não havia comédia em cima do tema, mas é interessante ver os primeiros registros do youtuber no assunto.

Primeiro vídeo (a princípio) de Rob Scallon sobre djent

A contribuição mais importante de Rob Scallon para o gênero foi o jogo “Does it Djent?”, de 2015, onde os espectadores selecionavam um instrumento e, com base em sua escolha, viam outro vídeo onde o músico fazia uma música de djent com o instrumento escolhido. O termo “Does It Djent” por si só se tornou um meme, no qual as pessoas se perguntavam sobre qualquer coisa “But Does it Djent?”, aumentando exponencialmente a popularidade do estilo.

Já os outros dois youtubers que citamos foram os verdadeiros responsáveis pela disseminação do djent online. Enquanto Rob Scallon fazia alguns vídeos humorísticos no tópico, seu foco geralmente era mais sério, em realmente mostrar para as pessoas o que era o djent. Já Jared Dines e Steve Terrebery, que ficaram famosos justamente por misturar metal e humor em seus vídeos, popularizaram o gênero a partir de sua ridicularização.

Jared Dines tem como seus primeiros registros no assunto o vídeo “The Discovery of Djent” de 2014, com participação de Rob Scallon, onde claramente os dois fazem piada sobre como é “fácil” compor uma música de djent:

E ” Djent VS Shred”, de 2015, onde o youtuber compara o guitarrista que sabe fazer djent com o “shredder“, o guitarrista que faz solos e licks extremamente rápidos (como por exemplo Synyster Gates, da banda Avenged Sevenfold):

Jared Dines pode ser considerado pelo grande responsável por manter o djent vivo como estilo na internet ao longo dos anos, visto que são muitos os vídeos do youtuber falando sobre o assunto, tendo inclusive edições anuais sobre “como fazer djent” em cada ano, além de vídeos sobre guitarras com quantidades ridículas de cordas (acima de 20), além de uma certa “guerra” contra Steve Terreberry. Em 2019, a princípio, o músico postou seu último vídeo sobre o assunto, “Djent 2019″, onde ele termina sua “guerra” com Steve e enterra sua guitarra.

Steve Terreberry com certeza é o maior responsável pela banalização do djent. Em comparação com os outros dois canais, o canal de Steve é o mais voltado para comédia, apesar do músico ter um talento absurdo. Desta forma, quando ele resolveu falar de djent no vídeo “How To Be DJENT!”, o vídeo foi extremamente rídiculo ( e engraçado), o que de certa forma foi bom para o gênero, pois ajudou a disseminá-lo para uma audiência muito maior.

Um de seus envios mais famosos no assunto talvez seja o vídeo “If ‘Djent’ Was Added To The Oxford Dictionary”, de 2016.

Como citado acima, Terreberry manteve o assunto ativo com Jared Dines, pelo menos até 2019, no vídeo “Djent 2019”.

A associação com o metalcore e consolidação (2015 – 2019)

Nesta época, o metalcore encontrava-se em seu pior momento. As bandas estavam sem criatividade e maioria estava tentando coisas novas e mais mainstream, e parecia que o gênero estava para morrer ( se você não lembra, confira nossa matéria sobre metalcore aqui).

No entanto, lembremos que algumas das pioneiras do gênero como Periphery, TesseracT e Monuments surgiram entre 2005 e 2012, na época em que o metalcore surgiu e se tornou extremamente popular. Logo, era natural que, apesar da influência de Meshuggah, as bandas mais jovens seguissem essa linha que era popular na época, pois o metalcore estava em todo lugar. Além disso, o metalcore se mostrava um estilo promissor, podendo misturar uma série de influências sem soar estranho.

Chegando na época da explosão do djent, enquanto as bandas clássicas de metalcore iam se desfazendo ou mudando completamente de estilo, os fãs do gênero repararam que o djent não se distanciava tanto do metalcore, era como se fosse uma versão nova e mais complexa dele. E foi assim que o metalcore se salvou da extinção completa, com as bandas que queriam permanecer no estilo passando a adotar essas novas ideias em sua sonoridade.

O cenário brasileiro tem grande destaque neste ponto. Uma quantidade absurda – podemos chutar 90% – das bandas de metalcore brasileiras que não acabaram por volta de 2015 e as que surgiram a partir daí adotaram o djent em sua sonoridade, tornando o estilo extremamente conhecido por aqui.

Uma das bandas brasileiras que, para mim, chama mais atenção nessa transição é A Última Theoria, que no início da carreira tocava um metalcore aos padrões de Asking Alexandria e Attack, Attack!, como no vídeo abaixo para a música “Eu Não”, do EP “Manicômio Hostil” de 2011:

E a partir de um certo momento de sua carreira (aproximadamente 2012), deu uma guinada surpreendente em direção ao djent, como mostra a música “42” do EP “Empiritah Crur” de 2015.

O início do fim, uma leve saturação, ou vinda longa ao Djent? (2019 – )

Neste momento o djent se encontra em uma posição um tanto quanto delicada no cenário.

Após anos de saturação em forma de meme do djent – ao ponto de que os próprios youtubers que iniciaram essa tendência pararam de falar sobre por ter perdido a graça – o subgênero está perdendo sua atenção no mainstream e voltando a ser cada vez mais um estilo nichado, voltado para quem gosta da sonoridade moderna, porém com a complexidade do metal progressivo.

Ao mesmo tempo, ele se tornou o padrão da nova onda do metalcore no final da década de 2010 e ainda não surgiu algo que possa substituí-lo, portanto as bandas não planejam deixar de tocar djent tão cedo, por mais que tenha deixado de ser “cool“.

Portanto, não há ainda como prever se o djent durará mais um bom tempo ou se, assim como foi com o metalcore em sua primeira onda, acabará ficando saturado e perdendo a atenção e interesse do público. O que vemos é que as bandas têm feito um grande esforço para integrar novos elementos junto ao metalcore e o djent, para evitar uma segunda crise como a da metade da última década, como por exemplo elementos de música eletrônica e do trap.

O Cenário Brasileiro

Como citado anteriormente, o cenário brasileiro de djent é um dos mais fortes do mundo graças a bandas como A Última Theoria, Sea Smile, Inversa, Vitalism e There’s No Face, que integraram de forma majestosa o djent em seu estilo e o ajudaram a crescer aqui no Brasil. Confira abaixo a música “Motivo”, da banda There’s No Face

A banda Murder me Slowly, que citei no início da matéria, também é uma banda que vem apresentando fortes influências do estilo em seu som, principalmente no single “Retalhos”

Características gerais do estilo

O djent é facilmente reconhecido a partir do som feito pelas guitarras que produz essa onomatopeia “djent“. Esse som é causado por riffs graves, com palm-mute e uma quantidade absurda de distorção. Em geral, os ritmos tocados no djent pelos instrumentos de corda são ritmos fora do padrão e bem quebrados, mas são feitos geralmente em cima de uma bateria em 4/4. Outra característica comum do djent é o vocal seguir perfeitamente a linha da guitarra na questão rítmica.

A polêmica do termo “djent

O termo djent, apesar de ser amplamente usado para descrever artistas que têm as características acima em sua sonoridade, não é um termo bem aceito na comunidade metal.

Maioria das críticas envolvem o fato de que, como “djent” é uma onomatopeia, um som, é um tanto quanto banal nomear um estilo todo desta forma. A banda de post-metal Rosetta afirmou, em relação a isso que “talvez deveríamos começar a chamar o Doom Metal de ‘DUNNN'”.

Outras críticas são sobre o fato de que as características citadas acima não são suficientes para diferenciar essas bandas de qualquer banda de metal progressivo, ou até mesmo de bandas de uma nova onda de metalcore. Randy Blythe, do Lamb of God, disse em 2011 “Não existe essa coisa de ‘djent‘. Não é um gênero.”

Enquanto isso, alguns não vêm tanto mal no uso do termo djent como um denominador de gênero. Misha Mansoor do Periphery declarou uma vez que “[djent] se tornou um termo guarda chuva para qualquer tipo de banda progressiva e para qualquer banda que [usa] ‘chugs‘ fora do tempo[…] Eu acho que isso é legal porque agrupa bandas bem legais juntas”. Já Tosin Abasi, do Animals as Leaders, afirma que existem características específicas às bandas chamadas de djent, e desta forma seu uso como um gênero é legítimo. Para ele, gênero é definido pela capacidade de associar características comuns entre artistas diferentes, desta forma, o djent pode ser visto como um nicho do metal progressivo moderno.

Particularmente, toda essa discussão sobre gêneros dentro do metal e essa tentativa de sempre colocar as bandas em uma caixinha é desnecessária enquanto classificação da banda. Não vai fazer diferença se você acha que o que a banda toca é djent ou metalcore. Gêneros de rock/metal só servem para os fãs terem uma associação fácil do que gostam e o que não gostam, para ser mais fácil de encontrar bandas novas parecidas com alguma que goste. Mas vemos cada vez mais as bandas se distanciando desta ideia de nichos e gêneros específicos.

Bandas que valem a pena conferir

No post sobre metalcore indiquei álbuns específicos, pois estávamos lidando com 20 anos de história. Neste caso, como o djent enquanto estilo é algo relativamente novo, uma grande maioria da obra das bandas do estilo segue fielmente o mesmo, então basta indicar algumas bandas:

Mas e aí? O djent é só mais uma “modinha” ou será que tem potencial para se manter vivo por mais um bom tempo? O djent já está saturado ou ainda está fresco e cheio de possibilidades? Djent realmente é um estilo ou somente uma opção na composição? Deixe sua opinião nos comentários!

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