Sabemos que existem duas vertentes um tanto quanto opostas dentro do metal: o Black Metal, caracterizado, entre outras coisas, pelo satanismo presente em suas letras e na crença dos membros das bandas (incluindo episódios de queimas de igrejas na Noruega); e o White Metal, que não é um subgênero em si, mas é um termo guarda-chuva para denominar todas as bandas de Metal Cristão, ou onde todos os membros são abertamente cristãos e isso, de alguma forma, impacta diretamente nos hábitos da banda. No Brasil pelo menos, a rixa entre os gêneros é enorme, sendo que o Black Metal está no meio dos considerados subgêneros “verdadeiros” de metal ( o metal “true“) e o White Metal é considerado por muitos como um falso metal, visto que, para eles, cristianismo e metal são ideologias opostas.
Mas e se eu te dissesse que, em algum momento da história, alguém tentou criar um meio termo entre os dois? Seria este o “Grey Metal”?
Deste amálgama que mais me soa como o equivalente musical de sorvete com bacon (sim, isso existe, e sim, tem quem goste, assim como o tema desta edição do nosso quadro), surgiu o não tão aclamado Unblack Metal, também conhecido como Black Metal Cristão.
História
Antes do nascimento (1980 – 1994)
1980 foi a década de surgimento do metal de uma maneira geral, mas o Black Metal surgiu na metade da década, após o lançamento do álbum “Black Metal” da banda Venom.
No entanto, o seu opositor, o White Metal, surgiu quase que no mesmo momento, com o lançamento do álbum “Psalm 9” da banda de Doom Metal Trouble, o qual era inteiramente baseado na Bíblia. O termo “White Metal” surgiu, supostamente, por criação da Metal Blade Records (gravadora do Trouble), que cunhou o álbum com este nome, pois, segundo o vocalista da mesma “No início dos anos 80, todo metal era satânico. Acho que a Metal Blade tentou ser fofa ou algo assim, com tudo sendo chamado de Black Metal, por que não chamar a gente de White Metal, o que é uma grande besteira”.
Porém, apesar do Metal Cristão, de uma maneira geral, já existir nos anos 80 e 90, o tal “Black Metal Cristão” só nasceria no ano de 1994.
O surgimento do “Frankenstein” e crescimento da popularidade (1994 – 2000)
Segundo a história, tudo começou com o lançamento do álbum “Hellig Usvart“, da banda australiana Horde, em 1994 ( apesar do próprio vocalista do Horde afirmar que existiam bandas de Unblack Metal mais antigas que a sua, como o Antestor, que foi formado em 1990 como uma banda de Doom Metal, sob o nome de Crushed Evil e gravou o seu segundo álbum como Antestor – que foi lançado somente em 2000 – no ano de 1994 e já havia lançado duas demos até então, que já continham o cristianismo como tema). O nome “Hellig Usvart”, traduzido do norueguês, significa “Holy Unblack”, que é um jogo de palavras com o jargão do Darkthrone “Unholy Black Metal”.
A controvérsia de um álbum de Black Metal Cristão foi tão grande que, apesar da banda usar pseudônimos para seus membros (como era comum no cenário do Black Metal), foram enviadas ameaças de morte para a Nuclear Blast Records caso não fossem revelados os nomes dos membros do Horde (que no fim das contas era somente o baterista Jayson Sherlock, do Mortification). Obviamente, controvérsia chama atenção da mídia e em 1995 havia um artigo no jornal “Morgenbladet” sobre o fenômeno do Unblack Metal, que descrevia o álbum do Horde como uma “sátira” do movimento do Black Metal Norueguês (o Black Metal mais “true“, os quais eram responsáveis por queimas de igrejas e assassinatos entre membros de bandas). Nesta matéria, o Antestor foi entrevistado também e o vocalista Kjetil Molnes esclareceu que “Nos identificamos com o Black Metal como estilo musical, não como ideologia ou crença”.
Na Suécia, a banda Admonish se formou por volta do mesmo ano, tendo sido a primeira do país a usar a alcunha Unblack Metal, inclusive ganhando atenção por se chamarem de “Black Metal Cristão”, o que fez com que em pouco tempo já houvesse um site dedicado a odiar a banda, mesmo que a banda só tenha lançado seu primeiro material em 2005.
A partir da influência do Horde, começaram a surgir bandas de Unblack Metal em vários lugares do mundo, incluindo o Kekal, uma das poucas bandas da Indonesia que ganhou uma fama internacional. No entanto, a banda não aceitou o rótulo de cristão, pois, segundo eles, a banda enquanto instituição não se posicionava em relação a nenhuma religião ou ideologia. Outra banda de destaque a surgir nos anos 90 é o Underoath, banda cristã de Metalcore, mas que misturava influências de Black e Death Metal em seus primeiros trabalhos, podendo ser considerada de certa forma como parte do movimento Unblack.
A explosão e o cenário atual (2000 – atualmente)
Dentro da história do Unblack Metal, o início dos anos 2000 é visto como a explosão de popularidade do gênero, sendo inclusive considerada na época o gênero de Metal Cristão em maior crescimento.
Nesta época, também, o Unblack Metal deixou de ser um nicho da Escandinávia ( com poucos exemplos fora da região) e criou um cenário regional nos Estados Unidos, América do Sul e Europa Central.
Nos Estados Unidos, o crescimento do cenário Unblack se deu graças à EEE Recordings, que era composta por bandas que tinham sua identidade oculta e focavam em gravações sem edição, sem polimento e estruturas de som minimalistas, como Light Shall Prevail e Glaciial
Já nas terras da América do Sul e América Central, devido a uma forte presença do cristianismo, o cenário Unblack é conhecido por ter uma forte postura anti-satânica. O Brasil chegou a ter algumas bandas que alcançaram sucesso, como o Poems of Shadows, que fez uma boa aproximação entre a agressividade do Black Metal e a temática anti-satânica, e o Cerimonial Sacred, que recebeu atenção dos fãs de Unblack Metal a nível internacional. Outro cenário da região que ficou bem forte foi o cenário mexicano, com bandas como Exousia e Deborah, que chegaram a se apresentar na Europa, tamanha era sua popularidade.
Na Europa Central, alguns cenários que se destacaram foram o polonês, o holandês e o ucraniano, com bandas como Fire Throne, Slechtvalk e Holy Blood.
Como o Unblack Metal nunca chegou a ser um gênero verdadeiramente popular, não há como dizer que o gênero decaiu desde então, visto que todos os cenários são regionais. Acredito que enquanto houver Black Metal, haverá Unblack Metal, pois sempre vai ter um grupo de pessoas cristãs que gostam da sonoridade Black e vão buscar ouvir bandas que não tratam de satanismo.
O gênero ganhou uma breve atenção em 2006, quando membros do Admonish apareceram no programa Pimp My Ride Internacional da MTV. No mesmo ano, o Horde fez sua primeira apresentação ao vivo, na Noruega. Em 2007, o Frosthardr foi entrevistado para o documentário “Murder Music: A History of Black Metal”, dando o ponto de vista cristão sobre o Black Metal.
Em 2008, foi gravado um documentário sobre o Unblack Metal, chamado “Light in Darkness – Nemesis Divina”, que foi lançado em 2010 no Youtube.
O Cenário Brasileiro
Apesar de estar bem longe de ser mainstream, o Unblack Metal conquistou uma certa popularidade com a comunidade cristã. Alguns exemplos de bandas são Poems of Shadows e Cerimonial Sacred.
As outras bandas do cenário brasileiro são pequenas, mas o material é relativamente simples de encontrar no Youtube.
Características Gerais do Estilo
O Unblack Metal, musicalmente, não difere em nada do Black Metal comum. A única diferença é a temática lírica, envolvendo temas bíblicos e anti-satanismo.
A Polêmica do Gênero
Muitos que estão lendo esta matéria podem se perguntar “Mas se só muda a temática das letras, continua sendo Black Metal, não?” E essa é justamente a crítica de muitos ao Unblack Metal (na verdade, é uma crítica que se estende ao uso do termo White Metal também). Enquanto alguns vêem como um absurdo que uma banda de Black Metal fale sobre temas cristãos em suas letras e que o termo “Unblack” é uma piada, existe uma porção do público que acha extremamente sem sentido a “criação” de um novo gênero por diferenças líricas, e eu particularmente concordo. Termos como “Metal Cristão”, por exemplo, indicam somente que é uma banda de metal que fala de cristianismo, mas não necessariamente implica em um novo gênero, e sim em um novo nicho, onde se misturam diversas bandas de estilos variados dentro do metal. Já termos como “Unblack Metal” e “White Metal”, por terem contraste com o Black Metal, dão a impressão de que são gêneros completamente novos no quesito musical, quando na verdade não são. Já vi alguns absurdos como bandas de Groove Metal e de Metalcore serem jogadas dentro deste mesmo balaio, tendo uma sonoridade completamente diferente. Eu vejo esses termos como o equivalente a classificar bandas como “Metal esquerdista”, ou “Rock anarcocapitalista”, coisas que não fazem sentido algum do ponto de vista da musicalidade em si.
Isso, no entanto, evolui para uma discussão ainda maior: até onde temas como política e religião são importantes para os gêneros musicais? Esses temas sempre são relevantes dentro de estilos musicais, ou somente quando isso influencia diretamente nas atitudes da banda dentro e fora dos palcos? Deveríamos passar a separar bandas por crenças e ideologias, ou somente classificar musicalmente?
Se eu for discutir esse ponto aqui, o texto vai dobrar de tamanho e vai fugir da proposta, então fica somente a reflexão. Sinta-se à vontade para opinar nos comentários.
É estranho um Black Metal louvando Jesus? É, pois a imagem do Black Metal sempre esteve diretamente ligada ao satanismo. Mas criar um novo gênero por conta disso? Eu considero um pequeno exagero.
Sem contar que esses termos, principalmente o “White Metal”, não são utilizados somente para fins de classificação, como era sua intenção original. Já presenciei na cena local posts cheios de ódio contra bandas que os metaleiros mais “true” classificaram como White Metal simplesmente por alguns membros serem cristãos.
Um caso curioso aconteceu com meus amigos da Legacy Of Kain, aqui de Curitiba. Foi anunciado um show em que a banda de Thrash Metal de outros amigos, Exylle (os quais também tem amizade com membros da Legacy of Kain) iria dividir palco com a Legacy of Kain, que toca Groove Metal/ Metalcore. Pouco tempo após o cartaz do show ser postado em um grupo no Facebook, um sujeito veio reclamar do fato da Exylle estar dividindo palco com uma banda que, segundo ele, era de White Metal, e que isso era uma “vergonha”. A Legacy of Kain, no entanto, apesar de suas crenças, não tem nenhuma música com temática cristã e abomina o termo “White Metal”, ou seja, o termo White Metal foi usado pejorativamente e associado unicamente com a crença dos membros (e que não é a crença de todos eles), e não ao seu som, que era a proposta original do termo.
Eu particularmente acho muito mais elegante denominar o Unblack Metal como Black Metal Cristão, assim todos entendem que é uma banda de Black Metal, mas que sua temática está no cristianismo, por mais estranho que isso possa parecer. Musicalmente, a banda permanece sendo classificada como Black Metal e todos entendem qual é a proposta sonora. Liricamente, a banda fala de cristianismo. Simples.
Já temos isso com o Metalcore Cristão, com bandas como Underoath e Devil Wears Prada, mas ninguém criou um “Christcore” por uma diferença de temática lírica.
Bandas que vale a pena conferir
Normalmente nesta seção eu separo as bandas nacionais das bandas internacionais. No entanto, a cena nacional é formada de muitas bandas underground (underground comparado a bandas como Antestor e Horde), com pouco material ou até bem difícil de encontrar. Desta forma, farei uma única lista com algumas bandas:
- Poems of Shadows (BRA)
- Cerimonial Sacred (BRA)
- Ceifadores (BRA)
- Horde (AUS)
- Antestor (NOR)
- Admonish (SWE)
- Crimson Moonlight (SWE)
- Frosthardr (NOR)
- Holy Blood (UKR)
- Frost Like Ashes (USA)
- Kekal (INA)
- Vaakevandring (NOR)
- Exousia (MEX)
- Deborah (MEX)
- Blood Covenant (ARM)
- Fire Throne (POL)
- Slechtvalk (NED)
E qual sua opinião? Já conhecia o Unblack Metal? Acha que realmente é um gênero separado ou é Black Metal da mesma forma? Deixe sua opinião nos comentários!