Roadie Metal Cronologia: Yes – Tales From Topographic Oceans (1973)

Yes!

Chega a ser um grandessíssimo paradoxo que algumas das mais complexas e intrigantes manifestações da história do Rock tenham sido criadas por uma banda cujo nome é talvez o mais singelo de todos. Certo que estava havendo uma transição de épocas na história do Rock quando o Yes surgiu, no ano da graça de 1968, aquele que não acabou. O Rock bonitinho “peace and love”, simples, acessível e que fazia as meninas se espernearem de emoção tal qual as fãs de RBD nos anos 2000 foi dando lugar a algo mais psicodélico, lisérgico, erudito e complexo. Dois minutos e meio não era mais tempo suficiente para que uma banda pudesse comportar em uma única faixa tanta criatividade e experimentação que surgiam como um dilúvio em suas mentes e que transbordavam rumo às suas mãos e instrumentos.

O Yes surgiu nesse período de transição. Paulatinamente, desde o debut autointitulado e anos 70 adentro, a banda foi aumentando as doses de ousadia e de perfeccionismo de modo a agregar e expandir referências, elementos harmônicos e, consequentemente, o tempo das músicas. O auge de tamanha obsessão pela perfeição progressiva veio, como bem frisou o irretocável Anderson Frota em seu texto de ontem, quando Rick Wakeman chegou no bonde. Junto com o louro rechonchudo, Jon Anderson, Steve Howe, Chris Squire e Bill Bruford criaram Fragile e Close To The Edge, dois catálogos que reúnem o fino da erudição musical contemporânea. Como é impossível que tantas estrelas possam conviver em harmonia num ínfimo pedaço do espaço-tempo conhecido como “banda”, alguém mais cedo ou mais cedo deveria sair e esse alguém foi Bill Bruford, que arrumou seus panos de bunda e zarpou rumo a outra constelação, o King Crimson, tão logo Close To The Edge ficou pronto.

Alan White chegou para ocupar o lugar então vacante e de lá nunca mais saiu. Sua bagagem trazia experiências com ninguém menos que John Lennon (sabe Imagine? “Imede nóu dê pipôu…” Pois é, foi Alan White quem gravou a bateria), tanto em sua carreira solo como junto com Yoko Ono na Plastic Ono Band, George Harrison e outro lendário baterista, Ginger Baker e seu massivo Air Force. Assim que foi efetivado, Alan White teve somente três dias para aprender a tocar todo o repertório da turnê de Close To The Edge. Além disso, tão logo White chegou no Yes, o baterista foi assediado também por nomes como Jethro Tull e America, banda que na época estava fazendo sucesso com o hit Horse With No Name. Será que o passe do baterista não estava valorizado?

Durante a perna asiática da turnê de Close To The Edge, entre um show e outro, Jon Anderson estava passeando por suas noias espirituais estudando textos de um influente guru e monge hindu chamado Paramahansa Yogananda. Os textos versavam sobre quatro segmentos da doutrina hindu, os “shastras”, os quais Yogananda descrevia, de forma sucinta, como sendo “tratados compreensivos que cobrem todos os aspectos religiosos e sociais da vida”. Anderson achou lindo e bateu o pé dizendo que este seria o tema do próximo álbum. Ele levou a ideia para Steve Howe, outro ser “elevado espiritualmente”, e o guitarrista também achou lindo. Em 1973, já no trecho norte-americano da mesma tour, Anderson e Howe começaram a desenvolver todo o panorama geral do novo álbum, lírica e musicalmente, nos quartos de hotel somente com a companhia de velas e de outros estimulantes, digamos, “inspiradores”. Um riff aqui, um arranjo acolá, e a “pré-composição” do álbum ficou pronta e depois ela foi apresentada para Squire, Wakeman e White, que gravaria o seu primeiro álbum com o Yes. A princípio todo mundo havia aprovado o que Anderson e Howe tinham proposto, mas tinha um problema. O tempo total das quatro composições era muito para um álbum simples, mas pouco para um LP duplo. E agora, o que fazer? Resumir o que já existia para caber num álbum simples ou criar mais coisa até ser suficiente para encher um duplo? É claro que a banda optou pela segunda opção. Assim, eles brincariam e deitariam em improvisação até o mundo se acabar.

Surpreendentemente, foi Rick Wakeman, aquele ente espalhafatoso que mais parecia uma mistura de mago tolkieano com um faisão, quem se opôs a ideia de esticar as composições. Abrasileirando as suas argumentações que sustentavam o seu ponto de vista, Wakeman disse que o álbum se transformaria numa mastodôntica “encheção de linguiça”. O tecladista entendia que improvisar a torto e a direito somente para estender a duração das músicas macularia a essência e a qualidade do som do Yes. Rick Wakeman estava certo.

Tales From Topographic Oceans, o sexto álbum de estúdio do Yes, foi gravado no Morgan Studios, em Londres, contrariando a vontade de Anderson de gravar no interior do país. Se o cantor da voz de tuita não poderia levar a banda para o interior, ele ousou e trouxe o clima de interior para as gravações. Anderson resolveu enfeitar o estúdio com plantas, blocos de feno e imagens de bichos da fazenda. Até mesmo um pequeno banheiro de madeira revestido de azulejos o cantor chegou ao ponto de mandar construir para que ele gravasse alguns vocais lá dentro. Durante as gravações, as plantas morreram, os bichos estavam pichados e os azulejos haviam caído. Um detalhe assaz e interessante: o Black Sabbath estava gravando o álbum Sabbath Bloody Sabbath exatamente no estúdio vizinho. Rick Wakeman, chateado e entediado com as maluquices de seu vocalista, resolveu fazer uma visita a Ozzy e companhia e até gravou umas linhas de teclado nas faixas Sabbra Cadabra e Who Are You. Tales From Topographic Oceans foi lançado em 7 de dezembro de 1973 em formato LP duplo com quatro colossais faixas, de modo que cada uma delas ocupava sozinha um lado de cada disco.

Howe: “Aquele é o Ozzy montado numa vaquinha?” Wakeman: “Jon, eu te disse que essas vaquinhas não iriam dar certo.” Anderson: “Relaxa, o Ozzy não é chegado em morder bicho.”

O que se percebe ao ouvir este álbum, que ostenta na minha opinião o mais legal título de todos os tempos, é que o Yes de fato extrapolou. O problema não é com o comprimento das faixas em si (o tempo médio das quatro faixas é 20 minutos), mas sim com o miolo de cada uma delas, os quais refletem as advertências que Rick Wakeman expressara ao saber que as músicas seriam deliberadamente esticadas no improviso pelo simples motivo de acomodar as quatro músicas confortavelmente num LP duplo. Os trabalhos se iniciam com The Revealing Science of God (Dance Of The Dawn), que vai crescendo aos poucos em seu trecho inicial a medida em que cada instrumento entra e que mais vozes vão entrando na harmonia vocal antes que a melodia principal feita por Rick Wakeman grude nas nossas mentes, melodia esta que reverbera em lugares pontuais ao longo da música, que se alterna entre momentos etéreos e outros mais acessíveis. The Remembering (High The Memory) também vai crescendo em seu início, mas aqui a coisa se sucede bem mais devagar até a marca de 9 minutos, quando repentinamente uma melodia animada conduzida pelo violão de Howe dá início a um daqueles momentos Folk que o Yes é especialista em criar antes que Squire e White nos transporte de volta a época de Roundabout com uma condução absurdamente virtuosa.

A parte mais frenética de Tales From Topographic Oceans acontece em The Ancient (Giants Under The Sun) e suas orquestrações, percussões, quebradas rítmicas, Steve Howe guitarrando feito um endiabrado, Chris Squire provando pela milésima vez porque ele é um dos maiores baixistas de todos os tempos e Alan White mostrando que sua técnica era infinitamente superior à sua singela performance em Imagine. Ritual (Nous Sommes du Soleil) é maravilhosa, sublime, o suprassumo da criatividade e da essência do Yes, mas só até a altura dos 14 minutos. O que se segue em diante é um malabarismo sem explicação lógica. Parecia até que o Yes tinha se mudado para a Alemanha e tomado o veneno do Krautrock tamanha libertinagem musical. Próximo ao fim da peça Jon Anderson entra em cena para salvar o fim do álbum daquilo que se assemelharia a um abismo cósmico. Mas outro salvador da pátria foi Alan White, que colaborou com o arranjo de piano que sustenta o cântico de “Nous sommes du soleil, já que neste momento Rick Wakeman estava se divertindo com o Black Sabbath.

A crítica ficou dividida ao se deparar com o monólito musical de Tales From Topographic Oceans. Enquanto teve gente que achou tudo muito lindo e esplendoroso, teve pessoas que reclamaram do exagero do tempo e da “encheção de linguiça”. Já o público, bem… O Yes estava surfando no auge do sucesso naquela época, então Tales… foi muito bem, obrigado, nas lojas e paradas de sucesso.

Tales From Topographic Oceans é um souvenir obrigatório para qualquer fã de Yes e de Rock Progressivo, mas isto não é a mesma coisa que dizer que este álbum ocupa o topo das preferências de todo mundo, algo que Fragile e Close To The Edge fazem com o pé nas costas. Fosse mais enxuto, Tales… estaria no mesmo nível ou até mesmo acima de seus dois álbuns precedentes. Falar da performance individual de cada integrante do Yes é chover no molhado, mas não se pode deixar de destacar a sublime estreia de Alan White aqui, muito embora eu continue achando Bill Bruford foi um dos maiores, mais completos e elegantíssimos bateristas de todos os tempos. Acrescente também nos autos a sentida falta de Rick Wakeman. Sua ausência e desinteresse por um projeto exageradamente grande se fizeram refletir em sua discreta performance e acabaram por culminar em sua primeira saída do Yes após o fim da turnê que proveu Tales From Topographic Oceans.

Este disco é um documento que exibe o quão longe em termos de ousadia e de megalomania os virtuosos músicos do Rock Progressivo tentavam ir em uma espécie de competição entre eles mesmos e também contra as suas próprias (e quase inexistentes) limitações. Todavia, o melhor álbum de Rock Progressivo não necessariamente é aquele que possui as maiores músicas e as mais petulantes combinações de arranjos.

Tales From Topographic Oceans – Yes
Data de lançamento: 07 de dezembro de 1973
Gravadora: Atlantic

Tracklist:
01. The Revealing Science of God (Dance Of The Dawn)
02. The Remembering (High The Memory)
03. The Ancient (Giants Under The Sun)
04. Ritual (Nous Sommes du Soleil)

Line-up:
Jon Anderson – vocais, violão, percussão
Steve Howe – guitarras, cítara, vocais de apoio
Rick Wakeman – teclados
Chris Squire – contrabaixo, vocais de apoio
Alan White – bateria, percussão, vocais de apoio

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