O que não falta no mundo são bandas onde os músicos incorporam personagens. Não há nada de errado nisso. Faz parte do espetáculo e, havendo uma postura autêntica, torna-se um diferencial válido. Mas tem músicos que não atravessam esse processo. Sudindo ou descendo do palco, são as mesmas personalidades, e por vezes nem é preciso uma observação mais apurada para fazer essa constatação. Torna-se notório.
Assim era com o Black Crowes. A banda dos irmãos Robinson era composta por autênticos hippies, preservados em formol e liberados para dominarem a década de 90, um período onde tudo parecia ser contrário aquele tipo de música. Rock’n’Roll psicodélico e lisérgico, inspirado por Faces e Rolling Stones, na época do Nu Metal e do Techno? Foi justamente isso. A banda possuia talento suficiente para chegar sozinha ao topo das paradas, mas um empurrãozinho nunca é demais, e esse veio da MTV, que exibia os clips de “Thorn In My Pride” e “Remedy” de forma incessante. É a velha máxima: há espaço para todos. A onda musical do momento não precisa ser excludente das demais.
Além das faixas acima, o álbum emplacou mais dois singles com “Hotel Illness” e “Sting Me”, sendo esta a faixa de abertura do disco. Que maravilha aquele timbre de guitarra chapado, com a voz de Chris Robinson soando como um jovem Rod Stewart. Os primeiros segundos de “Remedy” acionam a recordação das imagens de seu video promocional em meu subconsciente, de tanto que o assisti. As nuances de Soul Music estão lá, indissociáveis que são das matrizes do Hard Rock mais inclinado para o Blues.
“Thorn In My Pride”é aquele tipo de meia balada estradeira, que o sujeito vai cantarolando enquanto caminha a esmo. Já “Bad Luck Blue Eyes Goodby” representa o momento em que o caminhante se senta para descansar, seja na beira da estrada ou no balcão do bar. Sendo ainda seu segundo disco, a formação estava sob ajustes e o guitarrista Marc Ford estreou aqui, em substituição a Jeff Cease, mantendo a equipe inalterada pelos próximos dois álbuns.
“Sometimes Salvation” surge como a faixa menos inspirada, mas ao som da harmonica de “Hotel Illness”, nós somos compelidos a prosseguir. Após “Bad Moon Creeping”, “No Speak No Slave” se destaca pelo riff em escala e “My Morning Song” mantém o clima celebrativo, que chega à beira da religiosidade com a versão crua e despida de qualquer excesso de “Time Will Tell”, de Bob Marley, que sem dúvida encheria o coração do velho mestre do Reggae de orgulho.
O Black Crowes conseguiu a proeza de ser referente sem ser datado. Sua música era direcionada pela obra de alguns artistas de décadas passadas, mas em nenhum momento esbarrou nos limites de serem considerados cópias ou clones. “The Southern Harmony and Musical Companion” pode muito bem ser classificado como seu principal trabalho, seguido logo de perto por “Amorica”, e não deixará tão cedo a sua posição na cultura musical. Pode ser daqui alguns anos, ou pode ser hoje mesmo, suas canções irão alavancar a criatividade de novas gerações, que manterão acesa a chama dessa forma de música. Não se trata de revival, porque ela nunca morre. Ela apenas envelhece, tal qual uma boa bebida, e, com o passar dos anos, fica cada vez mais linda e saborosa, enchendo-nos de calor da mesma maneira que o bourbon que me acompanhou até agora durante essa escrita.
Formação:
Chris Robinson (vocal)
Rich Robinson (guitarra)
Marc Ford (guitarra)
Johnny Colt (baixo)
Steve Gorman (bateria)
Eddie Harsch (teclado)
Músicas:
01. Sting Me
02. Remedy
03. Thorn in My Pride
04. Bad Luck Blue Eyes Goodbyeb
05. Sometimes Salvation
06. Hotel Illness
07. Black Moon Creeping
08. No Speak No Slave
09. My Morning Song
10. Time Will Tell