Auto-plágio: termo usado para designar quando uma banda, geralmente veterana, compõe de modo que não consegue se desvencilhar de sua sonoridade clássica. Não são poucos os exemplos de bandas que já foram acusadas de auto-plágio. Há quem não ligue. Todavia, há também quem não se sente confortável em ouvir uma banda compondo músicas iguais as que ela compunha no passado.

Clichê: termo usado para designar algo repetitivo, previsível e, por vezes, ultrapassado. Um dos verbetes mais frequentes no léxico metálico atualmente é “clichê”. Quando uma banda trabalha explorando o saudosismo, seja musicalmente ou visualmente, é logo taxada de “clichê”. Quando as letras das músicas também resgatam palavras que foram repetidas a exaustão na história do Metal, como “Metal”, “Steel”, “Fire” ou “Satan”, as tais também são chamadas de clichê.

O Stratovarius conseguiu a proeza de se auto-plagiar e de ser clichê ao mesmo tempo. O auge desta pérola foi nos álbuns Elements, lançados em 2003. E não adianta dizer que Tolkki, o Bipolar, e companhia tentaram experimentar no quase álbum-duplo. O fato está consumado e registrado para a eternidade. Antes disso, em sua primeira fase, que vai da metade dos anos 80 até metade dos anos 90, o Stratovarius soava como uma banda de Metal tradicional que priorizava os arranjos de teclados e expunha sem dó suas influências neo-clássicas. Em sua segunda fase, a banda estourou para o mundo com seu Power Metal que misturava os ritmos velozes e melódicos do Helloween com o Metal Neo-clássico de Yngwie Malmsteen, movido quase que o todo tempo a bumbos duplos, vocais limpos agudíssimos de Timo Kotipelto e os duelos baroquianos de guitarra contra teclados. Esta, que é tida como a fase áurea do Stratovarius, foi agradando até o começo dos anos 2000. A partir daí, a banda ficou presa a uma fórmula da qual não estava conseguindo se libertar e começou a compor de forma mecânica, imitando, sem querer ou não, seus grandes sucessos noventistas.

2001 foi um ano de pausa em novas composições para o Stratovarius, que lançou neste mesmo ano a coletânea Intermission. Em 2002 a banda se reúne novamente para compor e veio com uma proposta ousada. Assim surgiu Elements, que foi concebido a priori para ser um álbum duplo, mas acabou sendo lançado separadamente em Elements Pt. 1 e Elements Pt. 2, ambos em 2003.

Quando eu escrevi “a banda se reuniu para compor”, leia-se “Timo Tolkki compôs”, já que o guitarrista assina todas as composições de ambos os álbuns sozinho, a menos de Eagleheart, da Parte I, e foi composta juntamente com Kotipelto. Elements Pt. 2 foi gravado em três estúdios finlandeses: Finnvox, Hasfittan e Presidentti, no período entre abril de 2002 e fevereiro de 2003. A produção foi assinada pelo próprio Timo Tolkki, a mixagem foi feita por Mikko Karmila e a masterização ficou por conta de Pauli Saastamoinen. A arte de capa dos dois Elements foi elaborada por ninguém menos que Derek Riggs, sim, o mesmo criador do Eddie e que assinou várias artes de capa para o Iron Maiden.

Foi nesta época que o Power Metal começou a sofrer uma forte estagnação criativa, levando os novos lançamentos tanto de bandas veteranas como de novos grupos a serem taxados como “clichê”. Ambos os Elements apresentam estas patologias em suas composições. A Parte 2 da empreitada começa com a lenta Alpha & Omega, que se arrasta durante quase sete minutos evocando um ambiente denso e “sabbathico”. O single I Walk To My Own Song vem mais animada e traz uma melodia de teclado que Jens Johansson usa e abusa ao longo de toda a sua carreira. O auto-plágio surge com muita força em I’m Still Alive, onde a banda força o lado mais clichê do Power Metal “stratovariano” em uma música que mais parece uma irmã gêmea de Speed Of Light. Mais uma música lenta e emotiva aparece em Seasons Of Faith’s Perfection. Introduzida com uma base de violão, a música passa por diversos estágios em seus seis minutos de duração, sem em momento algum abandonar sua abordagem noturna e etérea. Timo Kotipelto se destaca aqui com sua passional interpretação e prova que se sai muito melhor quando arrisca outros matizes vocais que não seus agudos predominantes e irritantes.

O monstro Jörg Michael dá início a faixa Awaken The Giant com uma levada cadenciada em seu caixa e em seus tons, que vem seguida de um ótimo riff sabbathico (de novo?) e uma inteligente cama de strings feita por Johansson. O Stratovarius neo-clássico e os irritantes agudos de Kotipelto ressurgem em Know The Difference, que evoca em seu refrão o teólogo Reinhold Niebuhr. Fora esse detalhe, os instrumentistas dão show no duelo dos shreders Tolkki/Johansson, nas viradas insanas de Michael e nas poderosas bases do baixista Jari Kainulainen. Toda a empolgação criada por esta última música cai por terra na chatíssima Luminous, que de tão chata serviria muito bem como música de espera enquanto a ligação é transferida nos eternos sistemas de atendimento telefônico. A cozinha Kainulainen/Michael comanda a viajante Dreamweaver enquanto a seção melódica Kotipelto/Tolkki/Johansson faz o de sempre. O álbum se encerra com mais uma música chata, a pavorosa Liberty. Se a intenção desta última música era soar apoteótica e vitoriosa, o tiro saiu pela culatra, pois este final foi brochante. Isento de culpa a orquestra da cidade de Joensuu e seus regentes por este crime.

Tal qual como Elements Pt. 1, este trabalho apresenta bons e empolgantes momentos, mas eles, quando emergem, o fazem encharcados em meio a lama da falta de criatividade, do “clicherismo” e da chatice. Este seria somente um dos sinais da crise pela qual o Power Metal passaria a partir daquele período, iniciada pelas consagradas bandas que se viram perdidas em experimentos fracassados e auto-plágios e respingadas nas novas bandas que surgiam com o objetivo de tão-somente imitar as grandes. Salvam-se aqui as performances individuais de cada músico, especialmente da cozinha Jari Kainulainen e Jorg Michael, que apenas tocaram o Tolkki compôs e o fizeram com sua habitual e exímia competência e técnica.

“Ah, mas o que você queria que o Stratovarius fizesse? Rock Farofa?”

Não. O Sonata Arctica, que no passado era uma cópia do Stratovarius, já passa vergonha fazendo isso. O que quero afirmar quanto a fugir dos auto-plágios e dos clichês é que a banda seja criativa e consiga surpreender o ouvinte sem abandonar sua essência musical. O próprio Stratovarius aos poucos foi pegando a manha desde a saída de Timo Tolkki e hoje fiz isso muitíssimo bem.

Pois bem. O Stratovarius construiu uma poderosa teia com sua sonoridade clássica forjada nos anos 90, entretanto eles mesmos se descobriram presos a ela nos anos 2000, sem saber como se desprender e surpreender sue fãs. Mas o pior ainda estaria por vir. Presos a sua própria teia, o Stratovarius iniciou um processo de autofagia. Exatamente em uma tentativa de se desvencilhar de sua sonoridade que havia se tornado clichê, Timo Tolkki, em um momento interno conturbadíssimo da banda e no auge de sua crise de bipolaridade, compõe o vergonhoso, tétrico, vexatório e criminoso Stratovarius, o álbum, um anátema não só a discografia quase impecável da banda, como também um insulto imperdoável ao legado do Power Metal.

Bipolaridade: doença psiquiátrica que se caracteriza por alternância entre estados eufóricos e depressivos. Se você conhece alguém que padece deste problema, seja um ponto de positividade para esta pessoa, acompanhando-o e incentivando-o.

Elements Pt. 2 – Stratovarius (Nuclear Blast, 2003)

Tracklist:
01. Alpha & Omega
02. I Walk To My Own Song
03. I’m Still Alive
04. Seasons Of Faith’s Perfection
05. Awaken The Giant
06. Know The Difference
07. Luminous
08. Dreamweaver
09. Liberty

Line-up:
Timo Kotipelto – vocais
Timo Tolkki – guitarras
Jens Johansson – teclados
Jari Kainulainen – contrabaixo
Jörg Michael – bateria

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