Marc Rizzo toca guitarra com Max Cavalera há 16 anos. Andreas Kisser esteve no Sepultura com Max durante 9 anos. É quase o dobro do tempo. A relação entre Max e Marc é tão forte que o ex-Sepultura faz questão de tê-lo ao seu lado também na banda que leva o seu nome, o Cavalera Conspiracy, e no projeto ao vivo Max & Iggor Cavalera, que se propõe a tocar os clássicos do Sepultura. Em diversas entrevistas, Max declarou que encontra a mesma segurança e talento em Marc Rizzo que ele enxergava em Kisser em sua antiga banda. Tamanha confiança em Rizzo explica a longevidade do guitarrista no Soulfly, tendo em vista que havia um entra-e-sai imenso na banda antes de sua chegada, não só de guitarristas, como também nos outros postos.
Egresso da banda de Nu Metal Ill Niño, Rizzo estreou em estúdio no Soulfly no álbum Prophecy, o quarto da banda, lançado em 30 de março de 2004 via Roadrunner Records. Para a gravação deste álbum, Max Cavalera reformulou completamente a formação da banda. Além da entrada de Rizzo, fizeram suas estreias no Soulfly o baixista Bobby Burns e o baterista Joe Nuñez. Pode-se entender que Prophecy é o último álbum do Soulfly com fortes direcionamentos a música tribal e à World Music, tendo em vista que a coisa começou a ficar mais pesada a partir do seguinte, Dark Ages, culminando no quasi-Death Metal de Enslaved, em 2012. A cabeça de Max à época, cheia de espiritualidade, refletia fortemente na música da banda, de modo que em vários momentos é difícil concluir qual era a real intenção do músico em criar as composições do Soulfly.
Como consequência, Max possuía uma mania chata de quase nunca conseguir criar uma música que, simplesmente, respirasse. Que fluísse numa única via do começo ao fim. Quase sempre ele tinha que intercalar, talvez obrigado por seu nirvana espiritual a fazer aquilo, momentos viajantes, esotéricos e tribais nas composições. O pior era que essas passagens chegavam do nada, sem sequer uma ponte ou uma advertência à testemunha auditiva do álbum. Enquanto o ouvinte se sente empolgado com momentos pesados e agressivos, ele toma um choque repentino de leveza e conforto provocados por abruptas mudanças de andamento e clima.
O lado bom é que Marc Rizzo foi escolhido a dedo na época por também ser um especialista em violão flamenco. Lógico que Max usou e abusou (usa e abusa, diga-se de passagem) desta habilidade excêntrica dentro do Metal de seu novo escudeiro.
Pois bem. O melhor momento de Prophecy é o conjunto formado por suas quatro primeiras faixas. A faixa-título começa com um lick de guitarra feito com ajuda do pedal whammy, que aumenta a nota em alturas impossíveis de serem tocadas naturalmente no braço da guitarra, donde segue-se uma condução com bateria lado a lado com percussão que faz a coisa parecer um Slipknot abrasileirado. O riff e as quebradas de Living Sacrifice apresentam indícios da sonoridade que o Soulfly adotaria nos anos posteriores, mas a música não esquece o lado World Music da banda com seu ritmo abaianado feito em sua metade. Execution Style foi feita para que Marc Rizzo mostrasse a que veio com toda sua técnica peculiar e precisa. O quarteto que abre o álbum se encerra com Defeat U, que conta com participação de Danny Marianino, do North Side Kings, que se tornou mais conhecido por ter agredido Glenn Danzig com um soco enquanto ambos estavam em turnê conjunta.
Os problemas relatados em alguns parágrafos mais acima começam a incomodar a partir de Mars. A faixa 5 começa muito empolgante, mantendo o alto nível deixado pelas suas quatro antecessoras, quando, do nada, um clima psicodélico entra e incenseia o ambiente (com uma belíssima intervenção do violão flamenco de Marc Rizzo), desaguando no final em um Reggae cheio de percussões e phaser nas guitarras. É válido destacar aqui também a marcante participação do baixista David Ellefson, co-fundador do Megadeth, que também deixa sua marca em mais quatro faixas. A aparente indecisão de Max em para onde levar a música estampa as faixas I Believe (pesadíssima quando o peso é proeminente) e Born Again Anarchist. A faixa Porrada não faz lá tanto jus ao seu nome. Apesar de sua levada calcada num Hardcore nervoso, Max ainda conseguiu enxergar onde encaixar uma bossa-nova no começo e um samba no final. Foi uma tortura para este escriba ouvir o Reggae maroto e “natirutsiano” de Moses, que conta com a participação do grupo sérvio de Reggae/Hardcore (?) Eyesburn; nunca fui fã de instrumentos de sopro tocando música alegres em tons maiores. O último resquício de guitarras distorcidas vem no cover de In The Meantime, do Helmet. As duas faixas restantes são a já tradicional Soulfly, desta vez a de numeral IV, e a incompreensível Wings, que começa soul/psicodélica na voz da ótima cantora Asha Rabouin e, após uns segundos de silêncio, termina com uma banda marcial tocando uma fanfarra daquelas que sua escola de ensino fundamental no interior fazia no feriado da Independência.
Ah, tal qual as cenas pós-crédito dos filmes da Marvel, no finzinho desta última faixa, depois da fanfarra e de um outro silêncio, surge muito baixo um trechinho de música médio-oriental.
Tanto reggae no álbum justifica a capa de Prophecy, que traz em primeiro plano o “Leão de Judá”, um dos símbolos do movimento Rastafari. Seja no Reggae, no Metal, na World Music ou em qualquer outra coisa que apareça no álbum, tudo ficou muito bem produzido e audível graças à lenda da produção metálica Terry Date, que fez toda a mixagem. Só mesmo um produtor do gabarito de Date para conseguir disjuntar aos ouvidos a salada musical que saia da cabeça incensada de Max Cavalera.
Durante 2004, Max passou por duas perdas irreparáveis: a de seu pequeno neto Moses, de 8 meses de idade (que compartilhou seu nome com a faixa 7 de Prophecy) e a de seu amigo próximo, o lendário guitarrista Dimebag Darrel, do Pantera e do Damageplan, assassinado quando se apresentava com esta banda em 8 de dezembro de 2004. Tais acontecimentos contaminaram a fonte inspiradora de Max Cavalera, que passou a compor músicas predominantemente mais pesadas e sombrias. O resultado disso você confere amanhã, na análise de Dark Ages, aqui no Roadie Metal Cronologia.
Prophecy – Soulfly (Roadrunner Records, 2004)
Tracklist:
01. Prophecy
02. Living Sacrifice
03. Execution Style
04. Defeat U
05. Mars
06. I Believe
07. Moses
08. Born Again Antichrist
09. Porrada
10. In The Meantime (Helmet cover)
11. Soulfly IV
12. Wings
Line-up:
Max Cavalera – vocais, guitarras
Marc Rizzo – guitarras, violão flamenco
Bobby Burns – contrabaixo
Joe Nuñez – bateria, percussão
Participações:
David Ellefson – contrabaixo nas faixas 1, 4, 5, 6 e 10
Meia-Noite – Percussão
John Grey – teclados, samples
Asha Rabouin – vocais nas faixas 6 e 12
Banda Eyesburn na faixa 7