Alguns conceitos e definições de época ficaram mais sedimentados no inconsciente do que outros. E criaram bloqueios que demoraram a ruir. Apesar da imprensa nomear os primeiros discos do Kreator como Death Metal, o que me permaneceu, mais associado ao estilo, foram os discos do Possessed, Hellhammer/Celtic Frost e os primeiros álbuns do Sepultura. Depois disso, a coisa caiu em uma espécie de limbo para mim, enquanto eu estava voltado para outros subestilos, até que aconteceu a explosão de bandas do finalzinho dos anos 80, adentrando na nova década.
De repente, Death Metal passou a ser o foco absoluto. Só se falava disso. Death, Death, Death!!! Essa massificação de informação, que presumo ser alguma estratégia de divulgação, sempre tem um efeito contrário em mim. Tendo a repelir algum assunto quando as pessoas insistem demais nele e, por isso, demorei a absorver o novo cenário de Death Metal.
Alguns anos depois, olhei para trás e comecei a me aventurar em alguns discos. Apesar de vários hoje estarem entre alguns de meus preferidos, o processo foi lento. A absorção da proposta aconteceu aos poucos e o Obituary foi essencial para que ela ocorresse plenamente. Confortável é, certamente, um termo bem inadequado quando falamos desse tipo de música, mas foi como me senti com os discos da banda. O quinteto de Tampa tinha algo diferente das demais e foi o primeiro a cair nas minhas graças pois, ali, eu encontrei a conexão com o velho Death Metal, principalmente através do vínculo que faziam com os riffs celticfrostianos.
Também não recorriam a tão propalada fórmula dos blast beats. Muito pelo contrário. Era lento, com um timbre grave e volumoso tão pesado que poderia quebrar o piso da sua casa, ao ser liberado. A velocidade, quando surgia, era insana, mas tão eivada do mesmo peso absoluto do restante das músicas, que permanecia mórbida e perigosa, como o ataque de um ser possuído por demônios.
Estes se comunicavam conosco através da voz de John Tardy, que entre um IIIEEEEEUUUUURRRRRGGGGHHHHH e outro, narrava contos de morte e podridão. Embora meu contato com a discografia não tenha sido linear, era fácil perceber os graus de distanciamento entre “Cause Of Death” e seu predecessor “Slowly We Rot”. Este último tinha mais crueza e alguns finais de música súbitos que me pareciam falhas de arranjo. Aquele era mais centrado, mais técnico, como se houvesse método na putrefação. Méritos disso podem ser dados para a presença do guitarrista James Murphy, em seu único registro com a banda, depois de ter contribuído com o Death e antes de fazê-lo com o Testament. O guitarrista original, Allen West, que voltaria para o disco seguinte, está mais naturalmente vinculado a imagem do grupo, mas “Cause Of Death” tornou-se o – para muitos – principal trabalho do Obituary, graças ao talento e as inserções dos solos de Murphy.
Mas a assinatura indelével estava nas mãos de Trevor Peres e isso não se discute. Discreto na sua posição de guitarrista base, mas escancarado em seu talento como compositor e em seu timbre, reforçado agora pela presença do estreante baixista Frank Watkins, tão integrado as levadas de bateria de Donald Tardy como se tivessem tocado juntos por toda a vida.
Tendo sido produzido pelo inconfundível manejo de Scott Burns, para o Morrisound Recording, e possuindo uma capa que, segundo consta, seria a que o Sepultura utilizaria em “Beneath The Remains”, o disco possuía oito músicas originais e um cover para a clássica “Circle Of The Tyrants”, de sua principal referência, o Celtic Frost. Faixas como “Chopped In Half” e “Find The Arise” surgem como se fossem golpes de machado cortando carne e ossos em uma única incisão, e outras, como “Infected” refletiam o desespero e a dor de doenças corrosivas. “Dying” chama a atenção pelo fato de, em seus 4 minutos e meio de duração, a voz de Tardy só resolva aparecer faltando cerca de um minuto para a faixa terminar, ampliando os sentimentos de medo e fatalidade que ela traz.
Algumas divisões do Metal caíram em um contínuo de autoreciclagem do qual, esporadicamente, alguns artistas conseguem colocar a cabeça para fora, mas o Death Metal, ao contrário, segue exalando vida. Ele mesmo, estando repleto de suas próprias subdivisões, replica-se de formas distintas, como partes cortadas de um corpo que adquirissem vida própria e sobrevivessem da constante absorção de sangue. O Obituary não representa o Death Metal como um todo, mas representa uma de suas principais faces. E “Cause Of Death” é a melhor radiografia dessa face dilacerada.
Formação
John Tardy – vocal
James Murphy – guitarra
Trevor Peres – guitarra
Frank Watkins – baixo
Donald Tardy – bateria
Músicas
01. Infected
02. Body Bag
03. Chopped in Half
04. Circle of the Tyrants
05. Dying
06. Find the Arise
07. Cause of Death
08. Memories Remain
09. Turned Inside Out