1916. O mundo participava e acompanhava a maior guerra da história até então. De um lado, a tríplice aliança formada por França, Rússia e Grã-Bretanha; do outro, estavam os impérios Alemão e Austro-Húngaro, motivados por rancores advindos ainda do século XIX e que até então estavam adormecidos. 75 anos depois, um bem-sucedido músico e entusiasta das guerras resolve homenagear aqueles que morreram batalhando naquela catástrofe humana, lançando com sua banda um álbum cujo título é o numeral que marca na linha do tempo aquele ano.
1916, o décimo álbum de estúdio do Motörhead, foi lançado em 1991. Sua fase de produção foi um tanto turbulenta; não a ponto de causar a terceira guerra mundial, mas de causar a demissão de um produtor.
Ed Stasium, que produzira os dois primeiros álbuns do Living Colour, foi escalado para cuidar da produção de 1916. Só deu tempo de Stasium cuidar de três faixas: No Voices In The Sky, Going To Brazil e Love Me Forever. Quando Lemmy pediu ao produtor para ouvir a quantas andava a produção final, ouviu sons de tambores e de clavas, um pequeno instrumento percussivo de madeira, tudo acrescentado na mixagem por Stasium sem que a banda soubesse. Este fato foi motivo suficiente para a demissão do produtor, que foi substituído prontamente por Pete Solley. Stasium, por seu lado, sempre afirmou que ele próprio se demitiu da função de produtor do Motörhead por não ter paciência com Lemmy e seus vícios em álcool e drogas. Eram os resquícios da guerra dentro do estúdio.
Com Pete Solley agora na produção, a banda, na época formada por Würzel e Phil Campbell nas guitarras e Philty Animal na bateria, além de Lemmy, logicamente, conseguiu concluir o processo de produção de seu novo álbum, o primeiro após quatro anos desde o lançamento de Rock n’ Roll (1987). Com 11 faixas em sua edição regular, 1916 apresenta em algumas músicas elementos atípicos em termos de Motörhead, como faixas guiadas somente por teclados.
Tais aparecem na faixa 5, Nightmare-Dreamtime, e na última música, a que dá nome ao álbum. Ambas carregam a temática da Primeira Grande Guerra, em particular da Batalha de Somme, que aconteceu no rio francês de mesmo nome e que matou ou feriu mais de um milhão de combatentes, sendo assim considerada uma das batalhas mais sangrentas da história. Musicalmente falando, prova-se aqui que Lemmy cantando baladas é como se fosse um Dan McCafferty piorado, sem contar a chatice que a faixa-título protagoniza. A impressão sobre a voz de Lemmy é corroborada pela balada Love Me Forever, que, no entanto, conta com um belo e soturno instrumental.
Felizmente, as demais músicas do álbum mostram o bom e velho Rock n’ Roll da pesada que tornou o Motörhead referência, como a trica de abertura The One To Sing The Blues, I’m So Bad (Baby I Don’t Care) e No Voices In The Sky. A pegada Rock n’ Roll descompromissada surge em Angel City (que conta inclusive com metais em seu final) e na mais que amada pelos “motörheadianos” brasileiros Going To Brazil. A levada rápida em semi-colcheia de Animal e os riffs da dupla Würzel/Campbell destacam a pesadíssima Make My Day. Digna de nota em 1916 é a homenagem aos pioneiros do Punk Rock norte-americano Ramones na música que compartilha o nome com a banda agraciada. O próprio Ramones tocou esta música ao vivo com a participação de Lemmy no show que ficou registrado no ao vivo We’re Outta Here!, lançado em 1996. Cabe lembrar que ambas as bandas sempre deixaram explícitas a admiração que uma nutria pela outra. Segundo Joey Ramone, o sentimento ao ouvir R.A.M.O.N.E.S. foi como se John Lennon gravasse uma música para ele.
1916 foi o primeiro de dois álbuns do Motörhead lançado via selo WTG, uma subsidiária da major Epic Records e foi também o último a contar com o baterista Philty Animal, que fez parte da formação clássica do Motörhead antes de sua saída em 1984, tendo retornado entre os anos de 1987 e 1992, quando foi mandado embora em definitivo devido a sua queda de rendimento técnico. Animal viria a falecer em 2015.
No fim da guerra e dos problemas, apesar das feridas, o Motörhead provou por si mesmo que é arriscado invadir as trincheiras inimigas, tentando compor músicas somente com teclado. Assim como na Primeira Guerra Mundial, era mais seguro permanecer em seu território, atacando a distância, mas de modo incisivo e mortal. Assim é o Rock n’ Roll do Motörhead.
https://www.youtube.com/watch?v=SIQvncISaVY
Formação:
Lemmy Kilmister – vocal, baixo
Würzel – guitarra
Wizzö (Phil Campbell) – guitarra
Philty Animal – bateria
Faixas:
01. The One To sing The Blues
02. I’m So Bad (Baby I Don’t Care)
03. No Voices In The Sky
04. Going To Brazil
05. Nightmare – The Dreamtime
06. Love Me Forever
07. Angel City
08. Make My Day
09. Ramones
10. Shut You Down
11. 1916