Primeira metade da década de 80. O Heavy Metal dava seus primeiros passos em nosso país. Vindos de Belém do Grão-Pará, o Stress lança em 1982 aquele que seria considerado o primeiro álbum de Heavy Metal do Brasil, Stress. No ano seguinte, da cidade de Santo André, em São Paulo, o Karisma lança Sweet Revenge, possivelmente o primeiro álbum de Heavy Metal da América Latina cantado em inglês. Neste mesmo ano, o Flamengo ganhava o seu terceiro título nacional de futebol, os jovens Antônio Fagundes, Tony Ramos e Marieta Severo brilhavam na novela Champagne e Nelson Piquet faturava o bicampeonato mundial de Fórmula 1. As “Diretas Já” começavam a se fortalecer. Ao mesmo tempo, alguns amigos de escola montavam uma banda para se apresentarem num festival de talentos. Banda essa que se chamaria Korzus.
Desde então, a nova onda do “Rock Pauleira” começaria a tomar conta do Brasil, e de São Paulo. Com este novo movimento, Luiz Calanca, dono da loja Baratos Afins, resolve se engajar na cena que ainda engatinhava e banca a primeira coletânea do Metal Nacional, o obrigatório SP Metal, cuja segunda edição revelou o Korzus para o Brasil.
Surgida como “Mão do Destino”, nome obviamente inspirado pelo Black Sabbath, a banda rapidamente mudou seu nome para o qual se tornariam conhecidos. Influenciados por Accept, Venom e Slayer, a banda começa a trabalhar em suas primeiras composições, que são apresentadas pela primeira vez ao público em sua demo Korzus 1984 e no Ao Vivo, gravado no Sesc Pompeia, de 1985, mesmo ano em que a banda contribui com duas músicas para a segunda edição da pioneira coletânea que foi citada no parágrafo anterior.
Com as melhores impressões possíveis e com seu nome se fortalecendo, o Korzus, a época formado por Marcello Pompeu (vocais), Sílvio Golfetti (guitarras), Dick Siebert (baixo) e José Maria “Zema” Paes (bateria), entrou no estúdio Guidon, em São Paulo, para a gravação de seu primeiro full-length, Sonho Maníaco. Sob produção de Edy Bianchi, Sonho Maníaco foi lançado em 1987, trazendo sete composições, que mostravam o que havia de mais maldoso e satânico na mente dos membros do Korzus.
Lançado pela Devil Discos, que, na época, já havia lançado trabalhos seminais de nosso Metal como Antes do Fim, do Dorsal Atlântica, e No Limite da Força, do Anthares, o debut do Korzus sofre por ser um álbum de produção fraca, com qualidade sonora muito aquém do aceitável. Sobre este fato, Marcello Pompeu explicou em conversa com a revista Roadie Crew:
“Deixou muito a desejar. Hoje tenho estúdio, sou produtor e sei o quanto o disco é mal gravado e mal mixado. Bem, para a época eu não sei dizer ao certo, mas sempre achava estranho quando ouvia o ‘Sonho Maníaco’ depois do ‘Hell Awaits’ do Slayer. Esperávamos que ficasse no naipe do ‘Hell Awaits’, mas não havia suporte técnico humano capaz de pilotar uma banda de Metal decentemente aqui. Até tinha bons estúdios, mas não havia técnicos com conhecimento real do que era o Heavy Metal.”
Problema que afetava todas as bandas nacionais de Heavy Metal da época, concordemos.
Todas as músicas eram inéditas, a menos de Anjo Do Mal, que já era conhecida do Ao Vivo. As letras traziam um forte teor satânico, fruto das influências de Venom, Slayer e Mercyful Fate. Influências estas que afetavam também todas as bandas do fértil Metal Extremo brasileiro que surgia e abalava o underground mundial nos anos 80. Musicalmente falando, o Korzus mostrava porque era uma das principais bandas daquela época. Músicas rápidas e agressivas, pesadas e fortes. Marcello Pompeu vociferava as letras das músicas como se não houvesse amanhã. Silvio Golfetti segurava a barra com conduções seguras e solos inspirados, enquanto Dick Siebert e Zema Paes fortaleciam o ritmo intenso e frenético.
Tamanha pujança mostrada em Sonho Maníaco fez o Korzus ficar conhecido como “Slayer brasileiro”. Porradarias como a já citada Anjo do Mal e Juízo Final não poupavam pescoços, enquanto a cadenciada Suicídio mostrava a faceta mais refinada de composição da banda. A faixa que encerra o álbum, Paraíso da Morte, é uma peça de oito minutos que mostra toda a garra e senso de arranjo do Korzus, além do lado infame da banda, que trouxe uma ex-namorada de Dick Siebert para gravar os, digamos, ruídos libidinosos, sob a escuridão do estúdio, que servem como introdução da música.
Sonho Maníaco acabou se tornando um disco negro na discografia do Korzus. Além de ser soterrado pelos seus sucessores de produções muito superiores, foi esquecido pela própria banda em seus shows. Desde a turnê que o promoveu, o Korzus não toca mais nenhuma música de Sonho Maníaco, pois, segundo Pompeu, “falar do Capeta da azar”! Tanto que, logo após o lançamento do debut, o baterista Zema Paes comete suicídio, fazendo valer as palavras pregadas na música de mesmo nome, que era a preferida de Zema.
“Você grava um disco Black Metal em 1987, ele contém letras satânicas no máximo do surrealismo, sai em julho e seu baterista – que adorava a música ‘Suicídio’ – se mata em outubro! Eu pergunto: por que continuar com essas músicas?! Eu que tenho a palavra sobre o palco e essas letras eram viagens de moleque que nunca fizeram e nem fazem parte da minha vida. Me recuso a cantá-las, pois muitos jovens acreditavam que éramos os novos anti-cristo, sacerdotes satânicos… Nos procuravam como se fossemos semi-deuses. Foi foda!”
Então, deixaram o Capeta para lá. Para expurgar de vez os demônios, apostaram até na mudança de idioma. Mirando, é claro, o mercado internacional, assim como o Sepultura. De qualquer forma, Sonho Maníaco sacramentou o nome do Korzus como instituição do Metal Extremo brasileiro, e catapultou a banda para crescer ainda mais, sob todos os aspectos. Mas isso é assunto para o próximo capítulo desta Cronologia.
Sonho Maníaco – Korzus (Devil Discos, 1987)
Tracklist:
01. Anjo Do Mal
02. Juízo Final
03. Suicídio
04. Caminhando Nas Trevas
05. Anjo Maníaco
06. Guerra Nuclear
07. Paraíso Da Morte
Line-up:
Marcello Pompeu – vocais
Sílvio Golfetti – guitarras
Dick Siebert – baixo
Zema Paes – bateria