Sinto-me grato e privilegiado em poder iniciar as considerações da equipe da Roadie Metal sobre os trabalhos daquela que vem a ser uma das pioneiras e grandes forças do rock progressivo e do psicodélico. Em seus mais de 50 anos de história, passando por alguns períodos de hiato e diversas mudanças no seu line-up, King Crimson soube se reinventar e continua a encantar o espectador proporcionando uma incrível experiência. O dia 6 de outubro de 2019, ocasião em que pude conferir o desempenho dos britânicos no palco sunset do Rock in Rio, jamais sairá das minhas recordações, tamanho o brilhantismo, virtuosismo e grande capacidade dos mesmos de unir vários outros gêneros musicais ao rock. Do setlist composto por sete músicas, três integram o álbum de estreia, “In the Court of the Crimson King”, sobre o qual discorrerei a seguir.
A banda surgiu em 1968 em Londres, após o insucesso do trio pop psicodélico Giles, Giles & Fripp. Objetivando a expansão de seu som, os irmãos Giles (Michael, o baterista e Peter, o baixista) e Robert Fripp (guitarrista e único membro original a integrar o grupo até hoje) recrutaram o multi-instrumentista Ian McDonald, que trouxe consigo o letrista Peter Sinfield. Por fim, Greg Lake chegou para assumir o baixo e também os vocais, quando da saída de Peter Giles, que não acreditava no sucesso. Ledo engano…
King Crimson realizou sua primeira performance ao vivo diante de um público de meio milhão de pessoas, em julho de 1969 no Hyde Park, na capital londrina, sendo a banda de abertura dos Rolling Stones. No mesmo ano, em novembro, era lançado o aclamado “In the Court of the Crimson King”, primeiro e mais importante trabalho da banda e que deu o pontapé inicial para que o rock progressivo começasse a ganhar força e terreno. Sob as batutas da Island Records no Reino Unido e Atlantic Records nos Estados Unidos, conta com cinco registros. Então, sigamos!
Somos introduzidos ao álbum por meio de “21st Century Schizoid Man”, que apresenta uma mescla interessante, com os metais que imperam no jazz unindo-se ao solo de guitarra de Fripp e aos vocais bem tratados de Lake, uma jam para ninguém colocar defeito. A faixa inclui também um subtítulo, “Mirrors”. “I Talk to the Wind” vem contrastar com a anterior apresentando uma calmaria plena, com o soar da flauta doce feito por McDonald embalando boa parte da canção, afinal, se tratamos de “conversar com o vento”, nada mais justo que o mais conhecido dos instrumentos de sopro integrar o trabalho.
Seguem-se outros dois trabalhos ímpares: “Epitaph”, que se subdivide em “March of No Reason” e “Tomorrow and Tomorrow”, proporciona o ápice do mellotron (teclado eletromecânico que já havia sido usado pelos Beatles no álbum ”Strawberry Fields Forever”) e, junto com a rica orquestração e a voz de Lake (na minha opinião, uma das maiores do rock), faz com que seja uma verdadeira obra-prima, que deve ser repetida à exaustão, ainda que tenha quase nove minutos de duração. “Moonchild” é a música mais longa do álbum, com 12 minutos e 13 segundos, e também é subdividida, iniciando com a tranquilidade da curta parte cantada “The Dream” e sendo complementada por “The Illusion”, que apresenta uma grandiosa sessão de elementos eletrônicos e sintetizadores. É uma ode ao psicodélico.
Chegamos à faixa-título, que digo com segurança que é capaz de agradar até aqueles extremamente críticos e ortodoxos no que tange a musicalidade. Sua primeira e maior parte, “The Return of the Fire Witch”, reúne os diversos elementos que fazem a ser além de épica: o vocal de Lake acompanhado por um excelente coro; flauta, mellotron e violão clássico executados com maestria; Michael Giles exercendo seu melhor desempenho com as baquetas; alternância entre partes líricas e instrumentais sem que o andamento da música seja prejudicado. “The Dance of the Puppets” finaliza com magnificência a canção e, consequentemente, o álbum, com outro grandioso instrumental.
O rock passou e tem passado por constantes transformações e inovações, e indubitavelmente “In the Court of the Crimson King” integra as mesmas. Permitiu que outros gêneros e instrumentos pudessem ser anexados à guitarra, baixo e bateria, formando uma perfeita e única combinação e não se importando com críticas. Outros grupos surgidos no mesmo momento do King Crimson, como Yes, Genesis e Jethro Tull tiveram boas influências do álbum e da banda, fazendo juntas com que o progressivo, de embrião, rapidamente amadurecesse e merecidamente se destacasse. Aos londrinos, a eterna gratidão não apenas do rock, mas da música como um todo. E à “Corte do Rei Carmesim”, a nota 10!
King Crimson – In the Court of the Crimson King
Data de lançamento: 10 de outubro de 1969
Gravadoras: Island Records (Reino Unido) e Atlantic Records (EUA)
Tracklist:
01 – 21st Century Schizoid Man
I. Mirrors
02 – I Talk to the Wind
03 – Epitaph
I. March for No Reason
II. Tomorrow and Tomorrow
04 – Moonchild
I. The Dream
II. The Illusion
05 – The Court of the Crimson King
I. The Return of the Fire Witch
II. The Dance of the Puppets
Formação
Greg Lake – vocais, baixo
Robert Fripp – guitarra
Michael Giles – bateria, percussão, vocais de apoio
Ian McDonald – teclado, sopros, mellotron, vocais de apoio
Peter Sinfield – letras, iluminação