Robert Fripp com seu King Crimson sempre prezou pela excelência musical não importando quais integrantes o estivessem acompanhando ou qual direcionamento musical o guitarrista estivesse explorando. Contanto que aqueles que integrassem a banda fossem capazes o suficiente para dar vida às ideias complexas de Fripp, o Rei Escarlate sempre aprontava uma obra de arte musical digna de afagar quaisquer ouvidos divinais.

E músico capaz era o que não faltava na formação do King Crimson que gravou o trio Discipline/Beat/Three Of A Perfect Pair, que durou de 1981 até 1984. A química era tão boa entre Fripp, Adrian Belew, Tony Levin e Bill Brufford que este line-up foi o primeiro da história da banda a gravar dois álbuns seguidos. Não só dois, como também três, completando o mencionado trio de álbuns. As referencias musicais de Adrian Belew, que havia tocado antes com Frank Zappa, David Bowie e Talking Heads, e as últimas experiências musicais do próprio Robert Fripp junto também a David Bowie, Peter Gabriel e com seu próprio projeto The League Of Gentleman, fizeram a sonoridade da banda dar uma guinada para aquilo que estava em voga no começo dos anos 80, o New Wave e o Post-Punk.  Não é que o King Crimson tenha se tornado um tipo de The Police ou de Joy Division, mas elementos mais acessíveis do primeiro gênero e experimentações típicas do segundo passaram a dividir o mesmo espaço da música complexa e criativa que sempre foram marcas registradas do King Crimson. Aliás, é bom que se frise, esta formação se reuniu em 1981 não como King Crimson, mas sim como uma nova banda chamada Discipline, que logo mudou seu nome para o mais conhecido, ressuscitando assim uma entidade que estivera adormecida desde 1975.

Nossa conversa de hoje é sobre o segundo álbum desta era, Beat. Lançado em 1982 via E.G. Records e produzido por Rhett Davies (Talking Heads, Genesis, Camel, Dire Straits, etc.), Beat, apesar de não ser um álbum conceitual, gira em torno de uma única inspiração que foi a “Geração Beat”, um movimento cultural protagonizado por escritores norte-americanos que viveu seu auge entre os anos 50 e 60 e que explorava em suas escrituras o desapego aos padrões de vida outorgados pela moral da sociedade da época e pelo sistema capitalista. Os seguidores da “cultura Beat” viviam em comunidades em meio à natureza buscando elevação espiritual, mesmo que para isso fosse necessária uma determinada motivação alucinógena e são considerados precursores do movimento Hippie.

Musicalmente, Beat segue literalmente a partir de onde parou Discipline, pois o final da faixa que encerra este álbum é igual ao início da música que abre Beat, Neal And Jack And Me, apenas com uma mudança de tom. Um perfeito arranjo construído com as duas guitarras e com o providencial tempero do “Chapman Stick” de Tony Levin que seria repetido várias vezes ao longo do álbum com algumas alterações. Na verdade, a performance de Tony Levin tanto no Chapman stick quanto no contrabaixo tradicional é de fazer cair o queixo!

O King Crimson da New Wave: Andrew Belew, Robert Fripp, Bill Brufford e Tony Levin

Tanto esta faixa de abertura quanto a que lhe sucede, a radiofônica Heartbeat, são mostras claras da influência da New Wave na música do King Crimson. Já Sartori in Tangier é um suprassumo extraído do alto nível técnico e criativo dos quatro integrantes, com destaque para o groove e para os timbres do ex-Yes Bill Brufford, um dos melhores e mais elegantes e chiques bateristas da história, que tem nesta música a bondade de conduzi-la em compassos acessíveis para ouvidos mortais. O termo “Rock Gamelan”, que retrata os ritmos fortemente percussivos adotados pelo King Crimson nesta fase de sua existência, se aplica perfeitamente a Waiting Man e sua levada quase que massageadora e anestésica, enquanto que Neurotica faz jus ao seu título dada a frenética performance de cada integrante, especialmente nos vocais narrados de Adrian Belew e na pegada jazzística e nervosa de Bill Brufford (será que Chris Cornell tinha em Adrian Belew uma enorme influência?). Two Hands é uma composição etérea e atmosférica, na qual os efeitos de chorus e phaser muito bem empregados por Robert Fripp se sobressaem. The Howler apresenta arranjos mais perturbadores e timbres que lembram o noise. O Requiem de Beat começa com os famosos “fripperttronics” na guitarra de Robert Fripp antes que o restante da banda ingresse na faixa para transformá-la em um experimental rebuliço “krautrockiano”, encerrando assim um álbum que, em sua completude, é complexo, mas ao mesmo tempo simples e compreensível, assim como a sua capa, composta somente por uma colcheia que divide o nome da banda do título do álbum.

Apesar do alto nível técnico e de coesão que Beat apresenta ao ouvinte, as sessões de gravação do mesmo passaram por diversos momentos de tensão que culminaram no registro de Requiem, no qual Belew e Fripp gravaram diversos overdubs de guitarra um sem que o outro soubesse. Quando o imbróglio foi descoberto por ambos, Belew expulsou Fripp (!) do estúdio com tamanha intensidade que fez o fundador do King Crimson sumir do mapa por vários dias. Apesar dos estresses e da real cogitação de Robert Fripp em encerrar a banda por ali mesmo após tamanho desconforto, todo mundo se acertou e entrou em turnê para divulgar Beat. Depois, Belew foi ficando e ficando na banda até sair de lá somente em 2013. Tony Levin permanece até hoje na “super” formação atual do King Crimson.

Beat obteve uma ótima repercussão em meio à crítica e ao público, tendo alcançado a 39ª posição nas paradas britânicas e a 52ª nas ianques. O single Heartbeat atingiu a posição de número 57 na Billboard. Beat foi relançado em 2016 com nova mixagem e masterização sob responsabilidade do mago Steven Wilson e do próprio Robert Fripp.

Fripp, Belew, Levin e Brufford ainda lançariam mais um álbum dois anos depois para completar o perfeito par da era “New Wave” do King Crimson com Three Of A Perfect Pair. Mas este álbum é assunto para a intrépida redatora Daniela Farah amanhã aqui no Roadie Metal Cronologia!

Beat – King Crimson
Data de lançamento: 18 de junho de 1982
Gravadora: E.G. Records

Tracklist:
01. Neal And Jack And Me
02. Heartbeat
03. Sartori in Tangier
04. Waiting Man
05. Neurotica
06. Two Hands
07. The Howler
08. Requiem

Line-up:
Robert Fripp – guitarras, órgão
Andrew Belew – vocais, guitarras, percussão
Tony Levin – chapman stick, contrabaixo
Bill Brufford – bateria, percussão

https://youtu.be/swRF_XyheUg