Quando se olha o cenário musical de 1986, ficamos imaginando que lugar poderia ocupar o Kansas à época.
Naquele período, a MTV já exercia uma influência fortíssima sobre o mercado e a música Pop de Madonna, Duran Duran e Pet Shop Boys dividia terreno com o Hard Rock de Ratt, Poison e Bon Jovi. A música de arena gerou um de seus expoentes máximos com o lançamento de “The Final Countdown”, do Europe, enquanto o Van Halen adquiria ares de sobriedade com a entrada de Sammy Hagar, sedimentada no álbum “5150”. Na seara do Rock Progressivo, alguns artistas buscavam se reposicionar, seja através de novas formações, como o renomeado Emerson, Lake & Powell, ou buscando mais acessibilidade, como o Genesis capitaneado por Phil Collins fazia em “Invisible Touch”, apesar de Peter Gabriel manter os altos padrões de sua discografia, incorporando cada vez mais os elementos da World Music.
O novo Kansas poderia ser visto como uma breve interseção do que vivenciavam o ELP e o Genesis. Em primeiro plano, a banda surgia reformulada com o retorno de seu vocalista e tecladista clássico, Steve Walsh, ausente dos dois lançamentos anteriores, onde John Elefante assumiu o microfone. Walsh retomava a parceria com o guitarrista Rich Williams e o baterista Phil Ehart, mas trazia o baixista Billy Greer para completar a formação acrescendo também o consagrado guitarrista Steve Morse, do Dixie Dregs.
Em segundo, a mudança de sonoridade, que seria percebida desde as primeiras notas do álbum. A ausência do violino, instrumento tão importante nos arranjos, já apontava uma busca por outros rumos… mas, estamos falando de Kansas – e Steve Morse – então não há como não esperar uma música de qualidade elevada e de elaborado refinamento. Essa habilidade tão intrínseca, porém, seria colocada a serviço de um som intermediário entre o Hard Rock e o Power Pop. O Progressivo, nos moldes anteriormente praticados, seria resguardado para uso futuro.
A abertura com “Silhouettes in Disguise” não mede palavras. Pessoalmente, adoro discos cuja primeira música parece querer refletir a imagem da capa. As batidas precisas de Ehart poderiam ser os golpes do martelo empunhado pelo operário da ilustração e, a partir desse momento, devemos esquecer a ideia daquilo que o disco poderia ter sido e focar no que ele é. Esta primeira música soa bastante empolgante e encerra com um bom solo de Morse enquanto se encaminha para o fade out.
A dupla Walsh/Morse assumiu de forma quase integral o trabalho de composição, embora tenham recebido auxílio em algumas músicas, como na radiofônica faixa título, onde contaram com a participação de Randy Goodrum, parceiro constante em trabalhos de Steve Perry, do Toto e dos solos de Steve Lukather. Nesse contexto, então, não é de se estranhar que os dois tenham sido os únicos a aparecerem no clipe do single “All I Wanted”, uma power ballad mediana, mas que soa mais interessante do que a seguinte “Secret Service”, que tentou favorecer-se de alguns efeitos típicos de filmes de espionagem, mas sem muito sucesso nessa empreitada.
“We’re Not Alone Anymore” tem partes melódicas cativantes e tenta entregar alguma dose de animação, mas soa burocrática em sua execução, ao contrário de “Musicatto”, instrumental inspirada e que mais se aproxima do som clássico do Kansas dentro do repertório do álbum.
Como se tentasse criar uma contradição, o disco despenca em qualidade com a lamentável “Taking In The View”, que felizmente é a faixa mais curta do trabalho. A partir daí, só teremos alguma reação de plena positividade com “Tomb 19”, pelo resgate do apelo característico de programações de FM, pois nem “Three Pretenders”, nem o cover de “Can´t Cry Anymore” revelam-se capazes de afastar a sombra burocrática já identificada anteriormente na audição.
“Power” é válido pela tentativa de reposicionar no cenário musical. Sob aspecto algum, um artista deve tornar-se prisioneiro de sua própria história, mas a energia contida nas primeiras faixas diluiu-se e ressurgiu apenas esporadicamente no decorrer dos 39 minutos de duração. Caso mantivesse aquele ritmo, a história poderia ter sido outra. Mas não foi, e o álbum é o que é: um produto mediano.
Power – Kansas
Data de lançamento: 28.11.1986
Gravadora: MCA
Tracklist:
01 Silhouettes in Disguise
02 Power
03 All I Wanted
04 Secret Service
05 We’re Not Alone Anymore
06 Musicatto
07 Taking In the View
08 Three Pretenders
09 Tomb 19
10 Can’t Cry Anymore
Formação
Steve Walsh – vocal, teclados
Steve Morse – guitarra
Rich Williams – guitarra
Billy Greer – baixo
Phil Ehart – bateria