Em 1993, uma notícia chocou o mundo do Rock/Metal: Bruce Dickinson estava deixando seu cargo de vocalista do gigante Iron Maiden para trabalhar em sua carreira solo. Por mais que não fosse o vocalista original, sua voz e sua maneira de cantar haviam se tornado tão sinônimos com o Iron Maiden quanto riffs agalopados e melodias dobradas.

Maior ainda se tornou este choque após a escolha do novo vocalista. Embora totalmente merecedor de seus méritos, é inegável que o estilo de Blaze Bayley era extremamente diferente do de Bruce Dickinson, e até hoje é discutido entre os fãs se Blaze havia sido a escolha correta, com muitos afirmando que o estilo dele simplesmente não casava com o Iron Maiden.

Não ajudou o fato de o primeiro álbum com a presença do então novo vocalista, “The x Factor” se diferenciar musicalmente também, apostando numa sonoridade mais pesada e sombria que seus antecessores. Embora esta mudança viesse a ser aceita mais tarde, e músicas como “Sign of the Cross” e “Lord of Flies” passassem a ser citadas entre os clássicos absolutos da banda, o álbum não recebeu a melhor das reações dos fãs em seu lançamento. O segundo álbum da “Era Blaze” foi “Virtual XI”, que teve uma recepção ainda menos entusiasmada, com muitas pessoas reclamando que a banda havia se perdido no próprio estilo, tentando emular sonoridades do passado que obviamente não combinavam com a mudança de vocalista.

Eis que em 1999 Blaze Bayley foi “convidado a deixar a banda” após experienciar problemas com sua performance vocal na última turnê. Após muitas considerações, o retorno de Bruce Dickinson foi oficializado, junto com o guitarrista Adrian Smith que havia deixado a banda em 1990. Porém ao invés de substituírem Janick Gers, que havia entrado no lugar de Adrian, a banda resolve seguir com três guitarristas, fato que se tornou característica icônica da banda.

Com uma formação turbinada e popularidade revitalizada, a banda embarcou em uma turnê de reunião extremamente bem sucedida e logo entrou em estúdio para a gravação de seu 12º álbum. Porém, haviam preocupações tanto de fora quanto de dentro da banda sobre se esse vindouro trabalho seria apenas um “álbum de retorno”, ou um esforço artístico honesto.

Em 29 de Maio de 2000 foi lançado “Brave New World”. E o resultado sanou todas as preocupações.

Confesso que estou tentado a parar este texto aqui, pois o que falar sobre “Brave New World”? (E também porque seria um fim dramático e diferentão)

Primeiramente, é importante dizer que este não é um simples “álbum de retorno”. Sim, ele resgata sonoridades de álbuns clássicos do Maiden, mas nunca de maneira apelativa e forçada. Além disso ele teve muito a adicionar à sonoridade da banda, o que torna este trabalho algo longe de ser apenas um disco marketeiro.

Este álbum é muito mais focado em melodia, do que muitos dos trabalhos clássicos. Ao invés de músicas energéticas e rápidas, muitas das faixas aqui são de tempo médio/cadenciado, com a velocidade vindo em forma de passagens e quebras de ritmo, tornando o álbum como um todo muito mais dinâmico e imprevisível. Arranjos e orquestrações nos teclados fazem seu retorno, porém de maneira mais “épica”, com sons mais puxados para coros e orquestras de corda do que sintetizadores, dando um toque a mais de refinamento ao som do Iron Maiden.

A banda também volta a apostar na progressividade – provavelmente influenciada por Adrian Smith que sempre se interessou pelo lado mais complexo do Maiden – com músicas longas e estruturas não tão convencionais, além de várias passagens alongadas focadas na instrumentalização.

E no campo das novidades, nós vemos o Iron Maiden investindo com muito mais força nas melodias. Nós até tínhamos visto algo parecido em faixas como “Afraid To Shoot Strangers” do álbum “Fear of the Dark”, porém aqui isto é trabalhado ao decorrer do álbum todo, com melodias fortíssimas e super trabalhadas, alcançando um nível quase orquestral em muitos momentos. Uma outra adição ao som da banda é um tom melancólico e muitas vezes etéreo que permeia o álbum inteiro. Isso acompanhado da performance sempre emocional de Bruce Dickinson resulta em um álbum profundo e impactante, que toca a alma do ouvinte.

Tudo isso pode até passar a impressão de que o Iron Maiden perdeu um pouco do peso aqui, mas muito se enganam aqueles que pensam isso. A ponte da faixa “The Fallen Angel” acompanhada de acordes fortes e pesadíssimos, e, bem, “The Nomad” inteira estão aí para mostrar que o Maiden continuava sendo tão Heavy quanto Metal.

O disco está repleto de faixas que se tornaram clássicos instantâneos. “The Wicker Man”, “Ghost of the Navigator”, “Brave New World”, “Blood Brothers”, “The Mercenary” e “Dream of Mirrors” (ou seja, o “Lado A” inteiro do álbum) são exemplos. E mesmo as músicas que não alcançaram a popularidade, são ótimas em seus próprios méritos. Fica claro que o Maiden seguiu aqui a ideia clássica na hora de estruturar o álbum, colocando as faixas com maior potencial de agradar o público na primeira metade do disco e deixando as faixas mais experimentais e complexas para o fim.

Felizmente, a “síndrome de álbum produzido pelo baixista” não está presente aqui também, o que significa que as quatro cordas de Steve Harris não afogam os outros instrumentos. O baixo ainda tem bastante evidência, mas no bom sentido, em uma maneira em que ele adiciona uma camada extra às músicas, ao invés de ficar por cima de tudo. Em outras palavras, a produção também é ótima.

Esse seria o momento agora no qual eu falaria sobre a performance da banda, mas sério, é Iron Maiden, o que esperem que eu diga? Nicko McBrain continua com suas levadas energéticas e cheias de pequenos detalhes que dão vida às músicas (sério, esse cara é o mestre do trabalho detalhado com bumbos e pratos de condução). Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gers mostram um entrosamento em nível tão alto que parece até que eles nasceram tocando juntos. Steve Harris continua mostrando que o baixo não está ali só de enfeite, e Bruce Dickinson continua sendo um dos melhores vocalistas da história do Heavy Metal.

Se for para reclamar do álbum, a única coisa que vem à mente é que as últimas músicas do álbum podem se tornar um pouco cansativas, considerando que são as mais experimentais, e entre as mais longas do trabalho inteiro, mas ao mesmo tempo estão longe de serem faixas fracas.

O Iron Maiden provou com espaço de sobra que este álbum não foi apenas um instrumento para capitalizar no “retorno à forma” da banda. Ele souberam misturar sabiamente os elementos clássicos e instantaneamente reconhecíveis da banda com novas ideias, e a dose correta de experimentalismo, criando um álbum competente, coeso, trabalhado e que agrada tanto aos fãs saudosistas quanto àqueles que estavam interessados em quais novos horizontes a banda poderia explorar. Este trabalho merece ser celebrado entre os melhores álbuns da discografia do Iron Maiden. Up the Irons!

Formação:

Bruce Dickinson – Vocal

Dave Murray – Guitarra

Adrian Smith – Guitarra

Janick Gers – Guitarra

Steve Harris – Baixo

Nicko McBrain – Bateria

Track listing:

01 – The Wicker Man (4:36)

02 – Ghost of the Navigator (6:50)

03 – Brave New World (6:19)

04 – Blood Brothers (7:14)

05 – The Mercenary (4:43)

06 – Dream of Mirrors (9:21)

07 – The Fallen Angel (4:01)

08 – The Nomad (9:06)

09 – Out of the Silent Planet (6:25)

10 – The Thin Line Between Love & Hate (8:27)

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