Certa vez eu assisti uma entrevista com Ronnie James Dio em que ele dizia que, no seu entendimento, Heavy Metal era algo como um grande monstro, ou uma máquina, que avança lenta, pesada e implacável. Tentei achar esse trecho em algum DVD ou no YouTube, para transcreve-lo mais precisamente e para aferir em que época isso foi dito. Queria ver se, de alguma forma, ele estava fazendo alusões ao lançamento deste “Angry Machines”, mas, mesmo que não tenha sido, a analogia é perfeita. Ao escutar a primeira música do álbum, “Institutional Man”, e olhar para sua capa, essa foi a minha primeira lembrança.
“Angry Machines” é o segundo disco da formação da banda Dio que apresentou o músico Tracy G. na guitarra e é, também, o último álbum a constar com a presença do fiel companheiro, o baterista Vinnie Appice. Ronnie James Dio estava retornando de sua segunda colaboração com o Black Sabbath, que gerou o ótimo “Dehumanizer” e, nessa encarnação de sua própria banda, afastou-se dos temas que lhe são tão caros, contendo as histórias de fantasia que ele entoa como ninguém. Aqui, nesse álbum, o foco são os contos mais humanos, sombrios, de desilusão com o mundo. Muito provavelmente, Ronnie partiu para esse direcionamento tendo em mente o tipo de abordagem que Tracy G. obtinha de seu instrumento.
Por ser uma fase mais diferenciada, em relação ao resto de sua discografia, as críticas que vieram, em sua maioria, daqueles que não são muito abertos a mudanças, foram focadas mais sobre a participação de Tracy. Sobre isso, temos que considerar alguns pontos: primeiro, Tracy, de fato, não é um guitarrista de habilidade comparável aos que lhe antecederam na função. Pelo menos, não em relação à execução de solos. Seus solos são pequenas pontuações dentro das músicas, trechos tão inócuos que podem até passar sem que você perceba. Quanto às suas bases, essas são OK. São pesadas e atendem ao que as músicas pedem, mas fica faltando algo no contexto geral. Não é à toa que mal tem se ouvido falar do músico depois que ele deixou a banda. Sua passagem por essa formação não lhe capitalizou outras grandes conquistas na carreira.
Em segundo, devemos ver como andava o cenário da música pesada naquele ano de 1996. Estávamos na ressaca pós-Seattle e as bandas que estavam mais em evidência eram aquelas que lidavam com temas mais pesados em suas composições. Type O Negative, Korn e Ministry estavam no auge. Era o ano de “Roots” (Sepultura), “The Great Southern Trendkill” (Pantera) e “Load” (Metallica), então, se percebe que, para o Metal mais tradicional, principalmente na América do Norte, não parecia haver muita margem de evidência. Dio fez, portanto, um disco que realmente refletia o que estava ao seu redor e, para que não fique nenhuma dúvida, fez um grande disco.
“Angry Machines” não é perfeito, mas é um ótimo álbum. Tem momentos pesadíssimos e não se abstrai da persona de seu criador. É um disco de Ronnie James Dio, com as suas características e sua voz, que dispensa comentários, e que não deve e nem precisa ser comparado aos clássicos. Deve ser visto como é: um trabalho individualizado e com vida própria. Fora a já mencionada “Institutional Man”, outras faixas merecem ser destacadas, como “Don’t Tell The Kids”, cuja base veloz a diferencia do restante do álbum, a excelente “Dying In America”, a balada “This Is Your Life”, que lembra bastante o tipo de canções que Freddie Mercury executava sozinho ao piano, no Queen, e a angustiante “Stay Out Of My Mind”, cuja tensão do trecho central é o momento que fala mais de perto com o Metal daquele período. Em sua versão japonesa, o álbum trazia uma faixa bônus com o sugestivo nome “God Hates Heavy Metal”, que até que é uma boa canção, mas não chamaria atenção entre as demais, caso estivesse no lançamento normal.
No próximo capítulo de sua carreira, Dio iria se reunir ao guitarrista Craig Goldy e tornar a abordar a linha com a qual se sentia mais próximo, no álbum “Magica”. “Angry Machines”, porém, permanecerá na história como um grande trabalho e eu não me incomodaria se o velho mestre tivesse permanecido nessa linha, talvez podendo desenvolvê-la com o auxílio de um guitarrista mais hábil, apesar de que Tracy, repito dizer, era bom, mas tinha suas limitações. Prosseguir em uma abordagem mais densa e soturna poderia ser interessante e render grandes discos, como aliás, de fato acabou por acontecer, treze anos depois, quando uma clássica formação de músicos resolveu se renomear como Heaven And Hell e lançar um marco – e, infelizmente, um adeus – intitulado “The Devil You Know”.
Formação:
Ronnie James Dio (vocal);
Tracy G. (guitarra);
Jeff Pilson (baixo);
Vinny Appice (bateria).
Faixas:
01 – Institutional Man
02 – Don’t Tell The Kids
03 – Black
04 – Hunter Of The Heart
05 – Stay Out Of My Mind
06 – Big Sister
07 – Double Monday
08 – Golden Rules
09 – Dying In America
10 – This Is Your Life
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7.5/10