Após The Doors dar luz à união dos efeitos alucinógenos causado por entorpecentes com o estilo mais bombástico dos anos 60 na Europa, o rock psicodélico tornou-se uma ideia de fácil adesão pras bandas que surgiam naquela época. O Deep Purple foi um dos que abraçou a ideia, correndo a estrada do rock até hoje.
Do jazz ao erudito, o Deep Purple deita no berço de várias vertentes musicais para trazer a essência das mesmas em suas composições. A banda iniciou em 68, lançando dois álbuns no mesmo ano: o tão romântico e trágico álbum de estreia Shades of Deep Purple e, três meses depois, o místico e misterioso The Book Of Taliesyn. Em 69, lançaram o self titled Deep Purple. Porém, naquela época, a banda do Blackmore e do Lord (aceite, boa parte das composições são deles, e eles sempre estavam um passo a frente no estilo), que compuseram o álbum com a alma num estilo mais avançado, queriam explorar mais a vertente musical e apontaram que a voz de Rod Evans não estava acompanhando o segmento da banda. Então, por um convite de Ian Gillan, vocalista do Episode Six na época (mais tardar, Black Sabbath no Born Again) a banda conheceu o potencial do vocalista e viriam a chama-lo pra uma audição para ver como ele se sairia. De brinde o vocalista trouxe seu baixista junto e ambos passaram com muito sucesso no teste. In Rock é o quarto álbum da banda em dois anos de existência, estreando Gillan nos vocais e Roger Glover no baixo.
Mas afinal, produção, o que diabos tem de tão bom em Deep Purple?
Olha, eu nem deveria responder essa pergunta, mas como sigo meus padrões, vou tentar ser ao máximo objetivo.
– Deep Purple fortaleceu o estilo do Rock Psicodélico e o Rock Progressivo. As bandas de prog que vocês escutam hoje só existem por causa deles.
– Assim como algumas outras bandas, é possível ver a evolução do conjunto enquanto tramita entre vários estilos do rock ao heavy metal clássico.
– Eles tem TESÃO em deixar covers com a cara deles. Levadas cadenciadas, harmonias diferenciadas, mas sem fugir da essência.
– Eles ganharam prêmio do melhor riff da história e eu nem preciso dizer qual é, não é mesmo? Quase todo mundo com um violão ou guitarra na mão aprende em seu primeiro dia de aula “Smoke In The Water”. A música repercutiu tanto no mercado e envelheceu de maneira tão boa que tiveram várias adaptações e é abraçada até por músicos que não são do estilo, sendo reinterpretadas de forma genial (ou não).
Dizer que o Deep Purple é extremamente influente no rock/metal é como um pleonasmo ou ainda uma descrição fajuta pelo que eles realmente conquistaram e são.
Tivemos no terceiro álbum, Deep Purple, um Deep Purple que investe na tendência do jazz psicodélico misturado perfeitamente com as frases clássicas ao som do órgão de Lord. Em 1 ano de existência a banda percorreu por uma estrada de composição muito significativa e chegam nos anos 70 com o In Rock. Um álbum que teve seu devido reconhecimento nos anos 90 com sua remasterização e adição da música bônus “Black Night”, um hino da banda.
Chega de firulinhas. Ponha seu fone de ouvido, acenda um par de velas (qualquer vela) e um incenso de citronela. Hoje você vai viajar. Vamos escutar e analisar essa bodega juntos.
1. Speed King
A canção é o primeiro passo da banda dentro das tendências setentistas do Heavy Metal/Rock Clásico europeu. Como de costume a música te deixa respirar com esse começo impactante mas logo mais retorna com ênfase com o vocal de Gillan. Seria Speed King um pai de Highway Star? Ambas parecem andar juntas, e você provavelmente verá um pouco mais sobre ela mais a frente no próximo cronologia. A música troca suavemente entre levadas sem perder seu ritmo e tempo, suavizando ou tempestuando a composição. Nessa música é possível ver a evolução da banda em termos de arranjos, onde mostra um amadurecimento tanto da parte de Blackmore e Lord. Mas é claro, pra quem estava acostumado com os vocais de Evans, a voz de Gillan é um chute nas gônadas, um espeto que atravessa os tímpanos, um novo ar para a banda que parece ter saído de suas melodias pagãs, ciganas e ritualísticas e agora aproveita o dom de um pacto demoníaco com melodias musicalmente mais presentes.
2. Bloodsucker
Praticamente uma continuação da música anterior. Com segmentos retilíneos e quadrados. A banda se mostra profissional e abrangente nas suas melodias, trazendo influências do Rock’n Roll clássico a la Led Zeppelin. Apesar da música seguir sempre uma estrada única, ela é perfeita para se memorizar. Ao invés de algo de trabalho e polimento, que é normal do Deep, Bloodsucker se mostra um jam. O riff é esse, a melodia é essa e vocês tem que viajar em cima disso. Há shreds presentes entre Lord e Blackmore e é difícil saber quem ganha. A música é digna de holofotes para o álbum e acaba passando rápido até demais. Merece o selo de “replay com gosto”.
3. Child In Time
O espontâneo e misterioso Deep Purple retorna ao estúdio. Com levadas e sonoridades inusitadas, a música é um momento de calma. É algo que toca a alma pois varia entre a atmosfera calma que, repentinamente, atinge você por dentro com tanta agressividade e melodia juntas. A música nunca perde sua melodia, ficando sempre nos 3 mesmos acordes. Nessa meta, a banda se explora em seu máximo, entrando num trem em uma terra deserta e viajando entre estilos. Palmas a variação vocal de Gillan que se mostra competente em encaixar o que precisa no momento exato. Dar a música o que ela realmente precisa e ainda surpreender. Após a caótica e melódica, que acompanha shreds e duetos, a névoa de uma balada escura te toma novamente para te lembrar qual a sua verdadeira essência. Para mostrar que essa música é um Hulk, calma e tenebrosa, simpática e agressiva, trágica e explosiva. Se torna uma viagem ácida apta para qualquer ouvido. Para aqueles que são facilmente tocados, não se sinta culpado em chorar nessa música, mas não por tanto tempo. Um estupro sonoro te aguarda no final dela e a música termina de forma crescente e inesperada, diferente de muita coisa que o próprio Deep Purple já tenha feito.
4. Flight Of The Rat
In Rock definitivamente se torna um álbum Rock/Hard Rock/Heavy Metal por causa da presença de canções mais objetivas. Assim como a primeira e a segunda faixa, essa se torna uma música excêntrica, repleta de viradas e momentos de ápices que não fogem da sua espiritualidade. A gravação do álbum pode mostrar o interesse de Blackmore por riffs em duetos, e ele está pouco se lixando se não terá um outro guitarra para acompanhar. O que vale é o momento e a intenção. Lord por um momento vem com um solo fritante, digno de The Doors, explosivo e melódico. Vale destacar que existe uma influência muito forte do Funk americano na música com a presença de wah wah e riffs em palm muting. A música é o típico som de sexta/sábado a noite. A festa vai começar e você já está a todo gás, pronto pra enfrentar o que vier porque não sabe o que será do amanhã. Portanto, apesar da música ter sua assinatura e identidade fixa, ela possui momentos épicos que necessariamente não pertencem originalmente ao Rock’n Roll, mas graças ao Deep Purple, eles foram muito bem introduzidos. Palmas a virtuosidade de Ian Paice em seu solo de bateria com influência explícita de John Bonham.
5. Into The Fire
Se você quer apimentar sua relação com seu parceiro(a) peça para que ele(a) faça um strip-tease ao som dessa música. Uma das primeiras músicas mais sensuais de Deep Purple e que mostra como a banda entende a mensagem em se aprimorar nesse estilo que está no rock clássico, com a forte presença da agressividade em sua devida nivelação. Essa música viria lembrar mais tarde Maybe I’m a Leo por ter uma levada muito semelhante. A música passa super rápida mas serve para acalmar os ouvidos para o restante do álbum que é surpreendente.
6. Living Wreck
Uma música que poderia se tendenciar para um Pop Rock, mas não perde a essência do prog jazz da banda. Mais uma vez, a banda mostra que a entrada de Gillan deu uma nova atmosfera para a banda, explorando esses novos estilos que criam sonoridades extasiantes. É possível ver uma influência de Bill Ward em algumas levadas da música. Os timbres que Lord se apropria nessa música é como a droga dando marretadas em sua cabeça e a tontura consequente é a viagem para um horizonte desconhecido cheio de prazeres. Outra música que passa quase despercebida entre tantas outras boas que fazem parte do álbum.
7. Hard Lovin’ Man
O clássico riff cavalgado que seria muito presente nessa mas em muitas outras músicas da banda e, obviamente, em muitas outras bandas. Ian novamente mostra seu potencial para nos lembrar que ele é a cara da banda nesse momento. Ele explora a verdadeira essência, o orgasmo. Ele quem combina com a harmonia e a rítmica. Assim como o restante do álbum, a banda aposta na mesma receita: a base é tal, aproveitem e invistam em loucuras. Pode-se dizer que o conjunto era digno de um “shred”, mas um “shred” bem feito para a época. É possível perceber nos solos de Blackmore muitos licks e passagens que seriam mais do que recicladas dentro do metal. Afinal, ele consegue tornar qualquer levada épica. A fama de uma banda é dividida entre todos os membros nessa música. Ela fecha o disco com uma chave de ouro e, novamente, para dizer a todos, que a banda é dele, Blackmore sola com e sem a banda. Ele marca seu território, é ousado e brinca com a sonoridade de quem ouve, principalmente, com fones. A música termina de forma alucinógena e tonteante.
A banda faz jus ao nome do álbum: eles estão necessariamente no rock. Mostram uma ousadia misturada com profissionalismo e excelência. O álbum, que estreia o novo vocalista, foi muito bem recebido na Europa, diferente dos três álbuns anteriores, que foram bem recebidos na América do Norte. Aliás, essa formação do Deep Purple foi a mais clássica e bem sucedida. Mas não é possível saber porque não lançaram, seus dois clássicos, Black Night e Cry Free no lançamento original do álbum. Enfim, você não precisa de resenha para saber como essas músicas são especiais e podem muito bem ser guardadas no coração. Black Night principalmente, teve um uma repercussão muito forte, comparada ao álbum recente. A música ficou em segundo lugar nas paradas britânicas, jogando a banda para horizontes muito mais do que o infinito e o além.
E qual o conceito lírico disso tudo?
Sexo, Drogas e Rock’n Roll. A melhor definição. A música e a letra se casam perfeitamente com um som de fim de semana, a loucura de uma cidade noturna, o suor e a felicidade de sair do seu trabalho, receber o seu dinheiro e aproveitar os prazeres que o bem monetário pode propor. É possível ver que até a forma como as letras são escritas trazem um inglês mais urbano, mais coloquial, repleto de gírias, diferente das letras anteriores que ficavam em rimas simples. Eles unem a perspectiva pessoal com o misticismo e a a magia que o calor do sexo e as drogas podem te causar. São letras que tocam, são letras que te fazem viajar e refletir. É fácil e difícil ao mesmo tempo encontrar um significado. Mas ouvir essas músicas é imaginar o gingado, a dança, the sweet lil jizz que um som orgasmático pode te propor. In Rock é a porta de uma era de ascendência para o conjunto.