Roadie Metal Cronologia: Candlemass – Tales Of Creation (1989)

Se Black Sabbath, em sua era Ozzy, e Mercyful Fate tivessem um filho, com certeza ele seria o Candlemass. O quinteto de Estocolmo responsável por trazer essa tragédia teatral numa harmonia épica e cadenciada, passando dentro de um contexto fantasticamente gótico. Isso é Candlemass.

Seus 4 primeiros trabalhos full de entrada seguiram um processo bem retilíneo, sendo na época uma novidade dentro do cenário musical. Apesar das semelhanças dos timbres de voz, em Epicus Doomicus Metallicus a banda em seu line up seguia como um trio, tendo participações de um guitarrista a mais para os solos e a linha vocal de Johan Längguist. Após sua entrada triunfal com uma produção particularmente precária, a banda se alinhou em quinteto abraçando os membros Jan Lindth, Lars “Lasse” Johansson e o vocalista mais icônico da banda, Messiah Marcolin. Mantiveram a formação durante três álbuns, ascendendo a banda a patamares superiores dentro do underground, realizando turnês mas, infelizmente, gerando um atrito fervoroso que faria formação mudar em Chapter VI.

Afinal, produção, o que tem de tão interessante em Candlemass?

– Como filhos de uma terceira geração do metal europeu, a banda no seu primeiro álbum definiu seu estilo musical: o Epic Doom Metal.

– A todos os fãs de D&D. Inspiração total.

– É possível enxergar a essência fúnebre do Black Sabbath com as magnitudes fantasmagóricas e melodramáticas de bandas como Mercyful Fate, misturados com uma linha vocal potencialmente operística.

– É possível perceber a evolução significante da banda com o passar de seus trabalhos.

– O Messiah se veste de padre.

Tales Of Creation é a união dos 3 álbuns anteriores em um só. É também a ascensão máxima da banda dentro da proposta com Messiah. Não é puro Doom, Power e Heavy misturados numa só panela. Tem alma aí dentro.

Vamos largar de papo furado e escutar isso aí!

Já sabe, não é? A experiência pode ser muito mais prazerosa com o CD ou Vinyl ao seu lado, mas caso você não tenha o material físico, ele vai estar mais do que disponível  no YouTube ou Spotify.

  1. The Prophecy

Como nos outros álbuns, Candlemass começa seu trabalho de forma elegante e obscura. Para quem não se afilia muito com Doom Metal, pode achar que o material vai seguir assim durante o seu restante.  Acontece uma narrativa aí no meio durante uma marcha melódica e pesada, clássica em muitas passagens do Doom e do Power. Passagens assim são até bem perceptíveis em Helloween, e até me pergunto se não é uma inspiração forte de Keepers Of The Seven Keys. Passa super rápido, mas é fachada para o que canção seguinte promete.

  1. Dark Reflections

A banda sai para um passeio cultural e clássico nas terras épicas do Heavy Metal e acabam ficando com sede. Nessa necessidade, param para tomar água na fonte de Ozzy Osbourne e acabam recebendo inspirações mais do que explícitas. São arranjos cavalgados, uma melodia vocal muito referente ao príncipe das trevas.  E está mais do que estampado a evolução das técnicas e dos licks de “Lasse”. Parando para analisar o tratamento sonoro, os timbres das guitarras estão mais crunchy, sabe? Mais fechados, mais ocos e assim mais presentes. Consequentemente a bateria está mais tratada, deixando sua sonoridade com um corpo mediano. O trabalho feito na percussão está excelente. Consta em informações sobre a gravação do álbum que a pele do bumbo foi recortada e reaplicada para achar um timbre mais definido. A música guiada por galopes e vocais clássicos de Messiah tornam a identidade de Candlemass mais do que definitiva.  A música é retilínea, tendo alguns trechos icônicos como a melodia em dueto das guitarras com o vocal oitavado e riffs que possuem contagem 8/4. Mas ela é objetiva, sendo guiada de forma linear e sem segredos. De longe, uma das melhores e mais relevantes músicas do álbum. A receita utilizada por Candlemass é clássica, mas eles acabam aprimorando ela com mais elementos, como esses riffs mais rápidos como citados antes. Porém as estruturas obscuras de refrão já são mais do que clássicas.

  1. Voices In the Wind

Uma coisa praxe dos anos 80 é ter essas faixas narradas que duravam alguns poucos segundos e introduziriam uma nova música. Voices of The Wind, que é meramente um poema recitado por Jay Larrsen, se apropria da melodia tocada anteriormente no fechamento sombrio de Dark Reflections como cama para tais palavras incorporadas. Ao mesmo tempo que eu entendo o que a banda quis fazer nesse momento não vejo a necessidade de separar algo belo, porém muito singelo, para uma única faixa.

  1. Under The Oak

A música, para quem não conhece, já havia sido lançada no primeiro registro Epicus Doomicus Metallicus, porém, com uma qualidade mais crua. A estrutura de riffs não muda. Eles pegam um clássico e passam uma maquiagem muito melhor na canção já conhecida da banda.  A única coisa que difere com certa eficiência é a linha vocal, repleta de vibrattos do Messiah, onde o reverb colocado na gravação se torna até mais presente. Se pedissem para escolher, eu provavelmente não saberia dizer. Afinal, Johan fez um bom trabalho no primeiro álbum do Candlemass. São duas linhas de vocais completamente diferentes. São técnicas diferentes. Ele tem uma influência forte na linha de Bruce Dickinson enquanto Messiah varia para algo uma pegada mais clérica, digamos. Seria perda de tempo ficar se perguntando qual a melhor. A música em si não muda, somente seu tratamento é mais polido.  Afinal, clássico é clássico vestido em qualquer roupa (não é pra tanto também).

  1. Tears

A música se comporta como uma continuação da faixa anterior.  Algo como “ok, entendemos o recado. Gostaram do remember na última música? Vamos dar um pouco mais do mesmo numa música nova”. Tears não tem muito o que relatar, pelos riffs serem semelhantes, apesar de ter transições mais angelicais e a música ser mais linear e direta que o clássico regravado. É possível analisar os dois lados da moeda com “Tears”. Por ser relativamente rápida ela possui seu lado positivo e negativo. O lado positivo é mostrar que o Candlemass naquela época apostava com força na sua receita, na construção estética da música. Se apropriaram de um clássico para construir uma nova canção com um ar de “Throw Back Thursday”. O lado negativo, para possíveis interpretações, seria que Tears não passa de uma música um tanto desnecessária dentro do álbum por justamente ser mais do mesmo. Muitos poderiam pular para a próxima faixa ou achar que o Candlemass estava reciclando riffs, ou vivendo à custa do passado. Ela tá ali, na corda bamba entre o necessário e seu antônimo. Mas, fora de circunstâncias, não deixa de ser uma música boa. Lembre-se: boa, não necessária. São termos bem diferentes e facilmente confundidos. Uma curiosidade é que essa música foi feita em cima de outros poemas que haviam sido escritos para o álbum. Uniram eles numa única composição e voilà.

  1. Into the Unfathomed Tower

Tá aí uma dinâmica e sinfônica instrumental, repleta de pedal duplo e licks de fast pickings em sextinas, escalas melódicas e frases clássicas do Power Metal. Inicie sua expedição pelas masmorras ainda não exploradas de torres maquiavélicas, repleta de mistérios e criaturas desconhecidas. A música segue numa frenética incessante, mudando sua ambiência do Heavy pro Power (que sim, possuem muita diferença). Palmas aos tappings muito bem encaixados que passaram a interpretação mais do que perfeita de uma trilha sonora vorazmente erudita.  Na velocidade da luz, essa música passa seu objetivo e fecha as portas desta negra torre agora devastada.

  1. The Edge Of Heaven

A música começa com uma declaração teatral e melodramática, cantada num estilo totalmente badalado. Uma inspiração de bardos para um canção de peso e estética rítmica e singular. Quando as cantorias oitavadas e a levada obscura começa, os riffs seguem uma estrutura básica. Existem passagens com guitarras cleans que se escondem entre as sombras da distorção por alguns momentos. Os holofotes dessa música se encontram em destaque nos duetos das guitarras e o solo de Lasse que abusa de shreds e escalas tempestuosas que variam do doom para o Power. Assim como Tears e outras canções do álbum, é uma música relevante, sem segredos, mas que mostra um total amadurecimento do conjunto.

  1. Somewhere in Nowhere

O ritmo diminui, a essência “sabbathtica” retorna a banda com riffs dissonantes, condução singela, um segmento negro e nebuloso. Me lembrou uma passagem muito semelhante a Eletric Funeral ou Hand Of Doom. Sem fugir do planejamento do álbum, a música é completamente uma arquitetura RIFF A – RIFF B até sua repetição se tornar um pouco cansativa. A banda passa sua mensagem até ela se tornar totalmente compreendida  depois de um segundo refrão, levando para um andamento em pal multing e um solo que atrai atenções, direcionando a música para um fim. Ela passa praticamente despercebida. Talvez um melhor final, algo mais repensado teria dado uma identidade melhor, um pouco mais de brilho pra uma canção como essa.

  1. Through the Infinitive

Após algumas canções mais maquiavélicas e fúnebres, essa música possui uma introdução que sugere, após de alguns build ups e linhas rítmicas, uma outra canção de doom lenta. Mas na verdade, a alma de Children Of The Grave toma possui Candlemass, transformando a música num Power doom muito bem trabalhada e relevante. Vocais bem encaixados e linhas melódicas que não perdem a graça além de uma construção na percussão bem feita para um clássico heavy. Seguindo a ordem de estrutura, o andamento diminui, a base é cadenciada, os solos surgem das profundezas com licks estridentes e escalas menores harmônicas. Mas nada muito prolongado, pois o verdadeiro sentimento dessa música se encontra nos seus versos, em suas estrofes. Após a tempestade macabra, a música caminha novamente com uma levada lenta, sendo o background de uma narrativa. Talvez o ponto fraco da canção, que poderia ser melhor interpretada, melhor imposta, melhor proclamada. Se as músicas criam cenários fantásticos do mundo dark, talvez uma tenebrosidade nas citações seriam mais do que bem vindas.

  1. Dawn

Segundo lendas, essa passagem, quase como trecho da aventura da personagem gótica das músicas do Candlemass, gerou problemas na sua gravação. O produtor da banda e o Leif pegaram no pé de Messiah por causa da pronúncia da palavra “Dawn”,  criando mais atrito entre a relação do vocalista entre o restante dos músicos. O início de dawn mostra o acordar dessa personagem mas, como citado anteriormente, falta um pouco de sal, de vivência, de entrar nesse contexto. Talvez o estresse de Messiah o impossibilitou de colocar um pouco mais dessa vibe em sua voz.

  1. A Tale Of Creation

A música de fechamento do álbum inicia com uma harmonia pesada e cadenciada, enquanto o vocal guia como uma melodia de cantiga de ninar. Algo que acaba se tornando memorável numa próxima vez que for escutar a música. Existem alguns riffs sinfônicos, que precedem o refrão, que são acompanhados de singelos synths de teclado com uma estrutura bem erudita. Acredito que essa faixa possui o refrão mais marcante do material, fazendo boas apropriações dos campos que a banda abusa, utilizando o vocal oitavado de messiah. Depois de tornar o seu andamento marcante, ergue-se o momento de glória para os solos totalmente melódicos e criando essa ambiência pantanosa dentro da música.  Pelo fato dessa música não ter segredos, ela se torna bem relevante e um hino para banda. É possível perceber as referências esclarecidas pelo conjunto. O refrão é semelhante com a proposta da primeira música da banda no seu primeiro álbum, e o seu fechamento com os arranjos de The Prophecy, encerrando um ciclo do álbum. Uma viagem que se torna sedutora e cigana, provavelmente fazendo você apertar o replay.

Sobre o conceito do álbum. A cover art é uma apropriação da arte de Gustave Dore, sendo brevemente alterada. As letras de Candlemass poderiam servir perfeitamente de um ambiente de RPG Dark, onde você passa por uma fantasia gótica e fantasmagórica, repleta de melodias lacrimosas que relatam a tragédia de uma alma expulsa dos céus e que agora passa por tenebrosos caminhos para encontrar sua paz. Não é possível encontrar muitos materiais da banda relatando sobre sua  inspiração lírica, mas o mesmo é quase clichê pelos 4 primeiros álbuns.

Agora, será que o fervoroso relacionamento entre messiah e o restante do Candlemass, gerando sua saída, mudaria a aparência sonora da banda no seu álbum seguinte Chapter VI? Confira no próximo capítulo da Cronologia do Candlemass.

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