É engraçado como o Black Sabbath tem discos incrivelmente centrais e marcantes, frequentemente lembrados por todos, enquanto tem outros que vivem marginalizados na periferia, mesmo que sejam muito bons. Esse é um desequilíbrio que, na opinião de alguns, é injusto. Se a minha vale de alguma coisa, devo dizer que uma das vítimas desse não merecido esquecimento é o excelente “Cross Purposes”, lançado em 1994.
O álbum marca o retorno do vocalista Tony Martin à linha de frente, ele que já havia lançado os pouco repercutidos álbuns “The Eternal Idol” (1987), “Headless Cross” (1989) e “Tyr” (1990), eternizando uma fase que muitos preferem esquecer. Sim, Tony Martin, ele que havia sido demitido juntamente com o restante dos membros para que Tony Iommi reestruturasse o Black Sabbath com uma formação que contava com ninguém menos que os ex-integrantes Ronnie James Dio (vocal), Geezer Butler (baixo) e Vinny Appice (bateria). O resultado foi o incontestavelmente grandioso “Dehumanizer” (1992), que pôs o Black Sabbath de volta à competição do mercado em plenos anos 90.
Contudo, após a infantil saída de Ronnie James Dio por não concordar em abrir dois shows da carreira solo do Ozzy Osbourne (que planejava encerrar a carreira), o Black Sabbath arrematou Tony Martin de volta, para o descontentamento de vários. Com o vocalista, ainda vieram também o baterista Bobby Rondinelli, substituindo Vinny Appice, e a efetivação do tecladista Geoff Nicholls, que já vinha tocando o instrumento na banda de forma “extracampo”.
É então que, dois anos após “Dehumanizer”, o décimo sétimo álbum de estúdio, “Cross Purposes”, chega às prateleiras. A mais baixa e injusta repercussão do disco diz muito sobre como o público recebeu a volta de Tony Martin. Talvez seja anacrônico falar em justiça ou injustiça, já que todo um contexto permeava aquela época, mas é crível que, se o ouvinte se dispuser a namorá-lo sem lembrar da ex, a relação será feliz.
O álbum é verdadeiramente excelente. Suas composições apresentam uma banda que pode não ter lançado aqui verdadeiros hinos, nem as músicas mais marcantes da carreira, mas que ainda assim soube ser afiada e produzir músicas que valem a pena ser ouvidas, coletando alguns elementos de álbuns consagrados anteriormente. O ainda vivaz e técnico vocal de Tony Martin pode levar a percepção do ouvinte a enxergar um Black Sabbath diferente, já que sua conhecida voz é harmoniosa e adornada por drives com fáceis elevações de tom que seriam satisfatórios em qualquer grande banda de Hard Rock. Porém, o instrumental não engana: é um Sabbath que respira em plenitude.
Essa coleção de traços já praticados anteriormente deu origem a um trabalho cuja musicalidade não é uma novidade, mas é positivamente heterogêneo. Soa Black Sabbath. É diversificado, gostoso de ouvir. Não vemos aqui um Heavy Metal puro, mas um Metal que também se embebeda de outras fontes, trazendo por exemplo uma boa pegada Hard Rock em músicas como “Back To Eden” ou “Psychophobia”. Ou então, que tal algo mais flertado com o Prog, como em “The Hand That Rocks The Cradle”? Semi-baladas também não ficam de fora, experimente “Cross of Thorns” e a lindíssima balada “Dying For Love” (perfeita pra mostrar para a sua mãe fã de música oitentista). Até alusões ao Doom Metal praticado no início da carreira são encontradas, como na cadenciada “Virtual Death”, fora as músicas obrigatoriamente Heavy Metal que, por vezes, rendem flashes da era Dio, a exemplo de “I Witness”, “Immaculate Deception” e ainda “Cardinal Sin” e “Evil Eye”, que fecham o setlist. E por falar em “Evil Eye”, detalhe de ouro é a participação das seis cordas do guitarrista Eddie Van Halen na música, que inclusive a compôs ao lado de Geezer Butler e Tony Martin.
A participação do tecladista Geoff Nicholis não é frequentemente notada, a não ser nas canções mais cadenciadas. Mas ele está ali, conferindo um background negro às canções, ajudando a climatizar esse álbum que é obscuro e noturno como um disco do Black Sabbath deve ser.
Após o lançamento, veio uma extensiva turnê na sequência, turnê essa que revelou problemas na voz de Tony Martin por problemas de saúde, rendendo muitas críticas e dúvidas sobre sua continuidade como vocalista profissional. Diziam até mesmo que ele só era cantor de estúdio. Na verdade, era coisa de momento. Saúde é complicado. Ainda assim, essa turnê culminou no lançamento do álbum ao vivo “Cross Purposes Live”, lançado em 1995.
“Cross Purposes” não é o melhor álbum dos britânicos, isso é certo, mas não é menos digno de atenção. Deveria receber mais carinho.
Formação:
Tony Martin (vocal);
Tony Iommi (guitarra);
Geezer Butler (guitarra);
Bobby Rondinelli (bateria);
Geoff Nicholls (teclados);
Eddie Van Halen (guitarra em “Evil Eye”).
Faixas:
01 – I Witness
02 – Cross of Thorns
03 – Psychophobia
04 – Virtual Death
05 – Immaculate Deception
06 – Dying For Love
07 – Back To Eden
08 – The Hand That Rocks The Cradle
09 – Cardinal Sin
10 – Evil Eye