Roadie Metal Cronologia: Agalloch – The Serpent & the Sphere (2014)

É um tanto quanto conveniente que para um disco que se chama A Serpente e A Esfera, o vocal soe como uma serpente. Não dá para começar a resenha desse álbum sem tocar nesse assunto. O efeito tem um eco sombrio, como se puxasse para o “ss”. Cria toda uma aura de misticismo em cima das músicas o que torna tudo muito interessante a ponto de atiçar curiosidade para as letras, na tentativa de achar uma explicação quase conceitual para tudo isso. O som melódico dos instrumentos virtuosos também inspira essa noção de algo mágico está acontecendo ali. O tom de ocultismo nas letras extremamente poéticas completa a apresentação de um material de extrema qualidade. A serpente é um ser místico até na própria bíblia e se pode dizer que ali representou o papel de “a sombria voz celestial da sabedoria”. A simbologia do álbum é inteira ligada à astronomia. A Constelação da Serpente (Serpens) fica no hemisfério norte e é a única que se divide em duas partes: cabeça e cauda. Ela contém uma nebulosa que se chama Nebulosa da Águia que contém os Pilares da Criação. Ela foi catalogada por Ptolomeu, no século II.

Agalloch é no fim uma mistura que poderia dar muito errado. São tantas influências em só som, que você escuta uma vez e volta para prestar atenção. “Birth and Death of the Pillars of Creation” abre o álbum, com dez minutos. É um minuto de introdução suave e cíclica para introduzir a melodia. E essa introdução lembra d leve a do Pink Floyd em “Time”, e soa um pouco experimental e progressiva, mas lá pelo terceiro minuto ela passa a se tornar um pouco repetitiva demais. Falta aqui um elemento criativo no ritmo ou na melodia. Quase na metade da música o vocal aparece, e acontece uma quebra. O vocal está em um contratempo e faz a música soar como se estivesse andando ao contrário. Nascimento e morte dos pilares da criação, é, faz sentido.

A segunda música “Serpens Caput” Cabeça de serpentes é instrumental e relativamente curta, com três minutos. O ritmo do dedilhado no violão e a marcação do tempo podem indicar, aos cérebros e ouvidos mais imaginativos, o andar da serpente por lugares ermos e até um pouco caótico como dão a entender os efeitos sonoros. Quase no final os barulhos aumentam e se parecem como uma floresta.

“The Astral Dialogue” discute a questão do astral na sua letra e até oscila entre o olhar de cima, das estrelas, para o olhar da Terra. Talvez esse seja o diálogo. “The firmament above the horizon of history/ Heathen fires burn the ancestral night/ Esoteric figures move across the/ Arcane plateau with their / Symbols engraved in the sky”. (O firmamento acima do horizonte da história /Incêndios pagãos queimam a noite ancestral /Figuras esotéricas se movem pelo Planalto arcano com seus/ Símbolos gravados no céu).

A matéria escura é algo que os astrônomos não sabem muito bem o que é, então é basicamente uma força invisível, sem luz. “Dark Matter Gods” começa com um ritmo diferente dos outros. A bateria já começa marcando forte o tempo. A alusão aqui se faz com a matéria escura sendo o centro de criação de tudo. “The dark mass is the father of all” (A matéria escura é o pai de todos). O que faz sentido de certa forma se for pensar no vazio da criação. “Dark Matter Gods/The abyss is the elder of time/Dark Matter Gods/The void is the archetype of being”. (Deuses da Matéria Escura/O abismo é o mais velho dos tempos/Deuses da Matéria Escura/O vazio é o arquétipo de ser).

A poesia é marcante nas letras do álbum, mas de alguma forma “Celestian Effigy” tem um lirismo mais maduro. “Gifts dwell in the depths of/things unspoken/this night”. (Presentes residem nas profundezas de/coisas não ditas/esta noite). Porque ela ainda continua falando da questão da divindade da matéria escura, mas aqui representaria o desejo da conexão. “My allegiance is with the inner self/The dark celestial voice of wisdom/Beyond the dust that is this world”. (Minha lealdade é com o eu interior/A voz celestial sombria da sabedoria/Além da poeira que é este mundo). Efígie tem como significado no dicionário de “representação plástica da imagem de um personagem real ou simbólico (esp. em vulto ou relevo)”. De qualquer maneira, “Celestian Effigy” tem uma certa melancolia na sua sonoridade.

“Cor Serpentis (The Sphere)” é o coração da serpente (ou Unukalhai) e também a estrela mais brilhante da constelação. A música, instrumental, lembra muito o dedilhado de “Serpens Caput”, com o mesmo senso cíclico. A esfera poderia representar também o Ouroboros, que é o símbolo do infinito e da serpente mordendo a própria cauda. Sua simbologia representa o domínio do inconsciente, e entra dentro da ideia da música anterior, sobre o contato com o infinito.

Se a gente continuar nessa linha de análise (e vamos!), “Vales Beyond Dimension” representaria o elo da conexão, a transmutação do tempo e do espaço diante dos Vales que vão além da dimensão. “I have arrived at the corridor of infinity; the great hall where the ages are kept” (Eu cheguei ao corredor do infinito; o grande salão onde as idades são mantidas). E a ligação com as serpentes que trocam de pele, trazendo um sentido de renovação. “I have peeled away layers of my humanity/No longer a being, the core of entity” (Eu descasquei camadas da minha humanidade/Não é mais um ser, o núcleo da entidade). No caso aqui, o nosso herói, ou seja lá quem for que esteja contando essa história, desprendeu-se de sua humanidade e na tentativa de buscar e conquistar o infinito.

“Plateau of the Ages” podia ser considerada como a própria Odisseia. É um instrumental de quase 13 minutos, muito bem construída, mantendo-se crescente, sem se tornar repetitiva. Platô das Eras. Platô tanto pode significar planalto como o disco da força motora de uma embreagem. Eu ficaria com a segunda opção. O infinito e o disco da força das eras.

A história aqui acaba em “Serpens Cauda”. A estrutura da música, junto com as outras que levam a construção da serpente, tem uma influência de violão clássico, beirando aqui o erudito e das três, é a composição mais complexa.

Quer ouvir? Começe por “Dark Matter Gods”, “Celestian Effigy”, ou seja corajoso e encare a “Serpens Cauda”.

Agalloch – The Serpent & the Sphere
Data de Lançamento: 13/05/2014
Gravadora: Profound Lore Records

Faixas
1 Birth and Death of the Pillars of Creation 10:30
2 Serpens Caput 3:08 (instrumental)
3 The Astral Dialogue 5:13
4 Dark Matter Gods 8:38
5 Celestian Effigy 6:59
6 Cor Serpentis (The Sphere) 3:00 (instrumental)
7 Vales Beyond Dimension 6:50
8 Plateau of the Ages 12:28 (instrumental)
9 Serpens Cauda 3:12 (instrumental)

Formação:
Don Anderson: guitarra, piano, vocal (backing)
John Haughm: guitarra, bateria, vocal (principal), letras
Jason William Walton: baixo
Aesop Dekker: bateria, percussão.

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