É uma terapia quase diária para este redator ouvir a voz de Warrel Dane. Não importa se é através do Nevermore, do Sanctuary ou de seu trabalho-solo. Até mesmo pelo Serpent’s Knight, sua primeira banda, ou por participações em músicas de outras bandas. É preciso ouvir a voz de Dane, a Voz do Desespero.
Voz esta que foi registrada pela última vez em um álbum musical no ano passado, em São Paulo, ocasião em que o vocalista gravava seu segundo álbum solo, ao lado dos músicos brasileiros Johnny Moraes, Thiago Oliveira (guitarras), Fábio Carito (contrabaixo) e Marcos Dotta (bateria). Não deu tempo de Warrel registrar os vocais de todas as músicas; o mesmo faleceu no dia 13 de dezembro vítima de um ataque cardíaco. As oito músicas que puderam ser registradas pela Voz foram lançadas recentemente sob o nome Shadow Work via Century Media Records.
Parecia até que ele era ciente de que este seria seu último registro. Shadow Work é um dos trabalhos mais emotivos, densos e melancólicos já lançados pelo vocalista, se não for o mais. As letras sofridas e desesperadas são os matizes em caracteres da voz e da personalidade de Dane, que assim eram por natureza.
Musicalmente falando, Shadow Work não lembra tanto o primeiro álbum-solo de Dane, Praises To The War Machine (2008). Aliás, lembra bastante o Nevermore, principalmente os dois últimos álbuns da banda, This Godless Endeavour (2005) e The Obsidian Conspiracy (2010). Para quem ainda ansiava uma esperança pela volta da banda, este álbum serve como “amostra grátis” de como seria caso isto se concretizasse. Pesadíssimo e negro, ouvir Shadow Work transporta o ouvinte para dentro de seu mais profundo, denso e escuro calabouço mental, pressionado por névoas sulfúricas e de cor plúmbea a esmagar sua cabeça.
Um detalhe sobre a performance de Warrel Dane em Shadow Work é sua abrangência vocal, quase que na íntegra em regiões bem mais graves do que de costume (não que ele não costumasse cantar em regiões ultra-graves. Ele só não fazia isso frequentemente). Não era segredo para ninguém que o vocalista abandonara quase que por completo seu vocais agudos. Mas o fato é que nos últimos anos sua voz apresentava uma fragilidade até mesmo em alturas médias, como as que ele usava predominantemente no Nevermore. Basta ver os últimos anos em que ele cantou ao vivo no Sanctuary. Se Dane perdeu seus agudos, por outro lado seus graves ficaram bastante reforçados (inclusive o cantor arriscou alguns guturais quando a quebradeira musical assim pedia). Mais profundos que o Vale da Morte, seus vocais ultra-graves são os destaques de Shadow Work. Um clássico exemplo de um vocalista que se reinventa após a idade roubar-lhe seus atributos joviais.
Mas teve algo que Warrel Dane nunca perdeu: seu dom de interpretação, além de seu timbre característico. Não importa se ele cantava agudos estratosféricos ou graves infernais; o sentimento que ele passava em sua Voz era de desespero e de dor, como de alguém que clama incessantemente por ajuda, vendo seu mundo interno sucumbir. Em Shadow Work esta sua faceta foi bem explorada. Seria um pecado deixar de falar da maravilhosíssima banda que o acompanhou. As guitarras de sete cordas e a segurança do contrabaixo criaram os mecanismos necessários para transformar em arranjos musicais, adornados de belíssimas melodias e muita técnica, o mundo desolador de Warrel Dane. E que performance avassaladora do senhor Marcos Dotta!
Não vou destacar música nenhuma. Ouça tudo (aproveite e surpreenda-se com o cover do The Cure, que quase virou um Blackgaze. É notório que Dane era um fã de Rock Gótico). É um álbum curto, mal passa de 40 minutos. Preste este tributo a Warrel Dane. A Voz do Desespero foi calada ao encontrar-se com o único mal irremediável, mas ela reverberará para sempre na mente de seus fãs e seguidores, atormentando-os e inebriando-os até que os mesmos também provem deste mal.
SHADOW WORK – WARREL DANE (Century Media, 2018)
Tracklist:
01 – Ethereal Blessing
02 – Madame Satan
03 – Disconnection System
04. As Fast As The Others
05. Shadow Work
06. The Hanging Garden (The Cure cover)
07. Rain
08. Mother Is The Name Of God
Line-up:
Warrel Dane – vocais
Johnny Moraes – guitarras
Thiago Oliveira – guitarras
Fabio Carito – contrabaixo
Marcus Dotta – bateria