Embora o Nordeste brasileiro seja uma região de diversas nuances e contrastes, é certo que uma de suas imagens mais presentes no pensamento da coletividade – com um certo reforço da mídia – é a de terras áridas, secas, com o sol aquecendo o solo avermelhado.
Reforço em afirmar que o Nordeste possui muito mais do que apenas esse aspecto, mas, se mantivermos o foco nele, eu posso avaliar que nenhum estilo de música pesada me parece ser mais vinculado à estética de desertificação do que o Stoner. O som rude, calejado, afetado pelo calor, que faz com que tudo passe a se mover mais lentamente e traduz isso através da reverberação de timbres carregados de saturação.
É essa a impressão que a música do Void Tripper me passa. Originado de Fortaleza, o quarteto ainda tem pouco tempo de trajetória, mas vem se destacando na região, ocupando os palcos e espalhando sua abordagem que transita entre o Stoner e o Sludge, entre o Kyuss, o Sleep e o Eyehategod.
Essa presente edição, lançada de forma limitada, reúne seu EP de 2019, “Sabbath Worshipping Doom” com o EP “Volume I”, de 2017. Lamenta-se somente o fato da lisergia da capa do trabalho mais recente não ter sido aproveitada, mas fora isso, a primeira constatação é que os dois EPs convivem muito bem dentro da mesma embalagem. As canções de 2019 emanam mais pontos de personalidade, sem que haja, porém, a identificação de qualquer flutuação extrema de estilo, pegada ou mesmo sequer de qualidade sonora entre ambos. A produção tratou as composições com as devidas gradações de sujeira e distorção que lhes são inerentes.
Pelo que se percebe, a formação é bem homogênea em termos do nível de habilidade de cada um. São bons músicos, sem destaques individuais, que funcionam muito bem em conjunto, mas eu não poderia deixar de mencionar o som absolutamente gorduroso do baixo e a variação vocal entre as canções. Os dois guitarristas dividem as partes vocais e fazem isso de uma forma que agrega dinâmica ao disco como um todo, pois, embora no instrumental as músicas claramente sigam uma linha, na interpretação das letras há uma diferenciação clara, que individualiza cada uma.
É graças a essa abordagem que, dentre as faixas de “Volume I”, a música “Decaying State Of Mind” merece menção especial, pelo clima de caos desesperador transmitido pelo vocal. “Bastard Smoker” e “The Witches Live” são as melhores entre as mais novas e criam a expectativa para o trabalho vindouro que a banda promete. O Void Tripper é mais uma banda que vem somar e dignificar a imensa legião que eterniza o legado do Black Sabbath. O livro de regras que o quarteto inglês escreveu é, afinal, a grande linguagem universal na música pesada, quase como se fosse uma nova espécie de esperanto. Seja no céu nublado de Birmingham ou na luz solar de Fortaleza, a mensagem é claramente reconhecível e imediatamente absorvida pelos que nela possuem fluência.
Formação
Mário Fonteles – guitarra, vocal
Anastácio Júnior – guitarra, vocal
Samuel Barros – baixo
Gabriel Mota – bateria
Músicas
1 Black Roots Rising
2 Bastard Smoker
3 The Witches Live
4 Go My Way/Tripper of the Void
5 Acid Fuzz
6 Lost in the Void
7 Insanity
8 Lady Doom
9 Decaying State of Mind