O que leva uma banda fundada há mais de quatro décadas, que lançou clássicos essenciais do Metal norte-americano oitentista e que é respeitada dentro de um cenário cult a anunciar que está abrindo mão do passado para iniciar uma nova era? E o que diabos seria uma “nova era” para uma banda com este currículo?

Bom, o Tyrant assim anunciou a sua volta às atividades regulares no ano de 2017. O grupo fundado em 1978 na cidade californiana de Pasadena lançou dois álbuns de estúdio nos anos 80 através da gravadora Metal Blade Records que os posicionou entre os principais nomes que praticavam aquele Heavy Metal na linha de Manowar e Manilla Road nos EUA, junto a bandas como Omen, Lizzy Borden, Liege Lord, Attacker, Jag Panzer, Brocas Helm e outras. Um terceiro álbum de estúdio, a saber King Of Kings, só seria lançado em 1996. De lá até aqui, o grupo atravessou hiatos e períodos em que esteve reunido para apresentações ao vivo, mais fortemente de 2009 para cá, sempre com os integrantes de longa data Greg May, baixista e fundador da banda, seu irmão Glen May nos vocais e Rocky Rockwell nas guitarras. A novidade nesse período foi a chegada de Ronnie Wallace para a bateria. Até que em 2017, o Tyrant anunciou a chegada de um novo vocalista. E ele não era ninguém menos que Robert Lowe, a Voz do Doom, de fama pelo Candlemass e pelo Solitude Aeturnus.

E o que um cantor que conseguiu o feito de ser o vocalista de duas das maiores bandas de Doom Metal da história faria numa banda de Metal tradicional com fortes inclinações ao Power/Speed Metal? No caso de Lowe, continuar fazendo o que sempre fez, ser A Voz do Doom. Então, foi o Tyrant que teve que mudar o direcionamento de sua sonoridade. Em suas primeiras apresentações ao vivo com o novo vocalista, focando exclusivamente em novas composições, percebeu-se que o Tyrant havia se transformado numa banda de Heavy/Doom, na linha do Black Sabbath, do Cirith Ungol e, claro, do Candlemass. Tal guinada se confirmou recentemente com o lançamento do quarto álbum de estúdio da banda, intitulado Hereafter e lançado no último dia 15 de maio via Shadow Kingdom Records.

Para dirigi-los em estúdio, o Tyrant mais uma vez recorreu a um velho parceiro, a lenda da produção norte-americana Bill Metoyer, que produzira seus outros três full-lenghts e que possui em seu currículo trabalhos com Fates Warning, Armored Saint, Sacred Reich, Trouble, Morbid Angel, Dark Angel e várias outras bandas importantes. A capa é uma clara referência as artes dos álbuns clássicos do Candlemass, tendo em vista que a mesma nos remete aos afrescos paisagísticos de Thomas Cole. Musicalmente, o Tyrant não abandonou de todo o passado, tanto é que foi mantida a tradição de ter uma música chamada Tyrant’s Revelation como introdução. A primeira música propriamente dita é Dancing On Graves, um Metal rápido e cavalgado acompanhado de um refrão marcante com a assinatura de Robert Lowe. The Darkness Comes mantém o pique elevado, mas não se pode perdoar o crasso erro de mixagem ocorrido no refrão, onde um arranjo de teclado soterrou impiedosamente todo o resto do instrumental e a Voz do Doom. Como diria o intrépido narrador Téo José: “Não, Bill Metoyer! Não é assim!”

Um Doom Metal daqueles infernais surge em Fire Burns, dona de um riff daqueles de sacudir o pescoço e que faz você sair por aí imitando aquela dancinha do Messiah Marcolin. Robert Lowe já está com 55 anos e sua voz não possui mais aquele alcance da época do Solitude Aeturnus nem aquela potência grave vista no Candlemass. Mas seu timbre e seu poder de interpretação continuam intactos. Uma intro acústica dá início aos oito minutos da “Dio-sabbathica” faixa título. Os harmônicos da guitarra de Rocky Rockwell são cortantes. Pieces Of Mine aceleram um pouco as coisas novamente e possui um clima mais tradicional, mas a paradinha na metade da música remete safadamente a de Children Of The Grave, do Black Sabbath. Mais uma intro acústica se escuta em Until The Day e seu desenrolar exibe uma generosa dose de volume ao baixo de Greg May, sempre discreto e fazendo o bom e velho feijão com arroz ao longo de todo o álbum, tal qual a performance do baterista Ronnie Wallace. Não é aquela cozinha do Henrique Fogaça, mas também não é aquele arroz que mais parece massa de reboco que você prepara e come fingindo satisfação. Um ótimo riff construído por cima de uma cama atmosférica de teclados dá a tônica de When The Sky Falls, que também carrega consigo um refrão marcante.

Apesar de as composições serem ótimas e empolgantes individualmente, uma certa linearidade ameaçava cansar a paciência deste crítico. Ameaçava, pois Bucolic se apresentou como uma das melhores composições de Hereafter com as simples, mas eficientes, escalas e ritmos árabes. Foi emocionante ouvir Robert Lowe cantar novamente como ele cantava nos clássicos do Solitude Aeturnus, banda que compunha baseada em escalas árabes como ninguém. Assim, pude me animar com fôlego revigorado para ouvir as duas faixas que encerram o álbum, a correta Beacon The Light e a agressiva From The Tower, única que é conduzida pelo pedal duplo de Ronnie Wallace.

Não sei em quais condições financeiras ou de equipamento o Tyrant concebeu Hereafter. Digo isso pois penso que uma banda histórica que se junta com Bill Metoyer deveria entregar uma produção mais satisfatória, mais cheia e imponente do que a testemunhada aqui, mesmo que respeitando a proposta orgânica e natural da gravação. Não está ruim, mas poderia ser bem melhor. A já citada linearidade atingiu o limite do aceitável em 11 faixas que totalizaram 53 minutos. Se fosse menos, teria sido melhor ainda; se fosse mais, o resultado seria deveras cansativo. Tanto é que temos a impressão de que Robert Lowe canta com as mesmas linhas vocais na maioria das músicas. Este detalhe não derrubou mais ainda a avaliação positiva de Hereafter pois a banda soube contornar bem alternando músicas cadenciadas e rápidas e inserindo as músicas mais interessantes, como Fire Burns, Bucolic e From The Tower, nos momentos certos e providenciais.

O Tyrant não mancha sua discografia com Hereafter. Pelo contrário: para uma banda que afirmou que estava dando início a uma “nova era”, este álbum foi um ótimo pontapé inicial. Heavy/Doom puro, sem arrodeios ou subterfúgios. A chama do Heavy Metal clássico continua acesa e o peso do Doom Metal ajudou a inflamá-la ainda mais. Não se esperava, logicamente, que uma banda veterana fosse retornar aos estúdios criando algo revolucionário. Mas o Tyrant compôs um Heavy Metal do jeito que ele tem que soar, com um forte conhecimento de causa e que vai agradar a maioria dos headbangers que o apreciarem.

Nota: 7,2

Tyrant – Hereafter
Data de lançamento: 15 de maio de 2020
Gravadora: Shadow Kingdom Records

Tracklist:
01. Tyrant’s Revelation 4
02. Dancing Of Graves
03. The Darkness Comes
04. Fire Burns
05. Hereafter
06. Pieces Of Mine
07. Until The Day
08. When The Sky Falls
09. Bucolic
10. Beacon The Light
11. From The Tower

Line-up:
Robert Lowe – vocais
Rocky Rockwell – guitarras
Greg May – contrabaixo
Ronnie Wallace – bateria