Resenha: Torture Squad em Fortaleza

Fotos por Victor Rasga

Nesta quinta-feira, dia 31 de agosto, Fortaleza teve a oportunidade de assistir a passagem de uma banda nacional consagrada, acompanhada de mais três bandas emergentes dentro do cenário. O fato de ter sido no meio da semana pode não ter favorecido o comparecimento de um público maior, mas aquele que se fez presente estava de acordo com o tamanho do local escolhido para a realização do show, permitindo a todos assistirem e curtirem confortavelmente.

A produtora Empire trouxe para a capital cearense a turnê do recém-lançado álbum “Far Beyond Existence”, do Torture Squad, que percorre vinte e cinco cidades brasileiras, no período de trinta dias, ao lado das cariocas Reckoning Hour e Hatefulmurder, e da paraibana Warcursed. Coube a essa última abrir a noite, pontualmente às 22 horas, nas dependências do Berlinda Club. Não poderia ter havido um ato de abertura melhor, pois essa é uma banda que necessita apenar conquistar mais espaços, pois a excelência musical eles já têm em plenitude.

Divulgando seu terceiro e temático álbum, intitulado, “Stages Of Death”, o Warcursed, que já visitou Fortaleza em oportunidades anteriores, desencadeou sem pausa as duas primeiras faixas daquele disco, “Pallor Mortis” e “Algor Mortis”, deixando evidente para o público que sua música é um Death Metal extremamente técnico e violento. Quem tivesse tido a oportunidade de escutar antecipadamente algum de seus trabalhos, que já são de qualidade acima da média, comprovaria ali que a banda consegue crescer ainda mais ao vivo. Após saudar os presentes e fazer as apresentações, o guitarrista Richard Senko, que agora acumula também a função de vocalista, anuncia a música “Deadline”, de seu primeiro disco “Escape From Nightmare”, lançado em 2012, e prossegue o espetáculo, alternando bases e solos rapidíssimos com o guitarrista Dudu Evsb, apoiados por um desempenho seguro de baixo e bateria.

O repertório, como um todo, é muito coeso, então tanto a faixa do disco de estreia, quanto as duas retiradas do álbum “The Last March”, casaram bem com as atuais, mas o foco da apresentação foi o presente trabalho e, deste, um dos destaques foi a música “Rigor Mortis”, absolutamente insana, com um andamento extremamente forte. Richard reiterou várias vezes, ao longo do show, o agradecimento a todos que ali estavam, em plena quinta-feira, apoiando o metal nacional e, ao final de aproximadamente 50 minutos, encerrou o show com a faixa “Skelonization”, retirada do repertório de “Stages Of Death”, deixando uma impressão muito positiva nessa sua mais recente passagem em nossa cidade.

Uma peculiaridade do local do show era a inexistência de palco. As bandas tocavam sobre uma superfície de pallets, estando no mesmo nível do público. Esse tipo de disposição de ambiente ajudou a ampliar a interação entre todas as partes. Bandas, público e equipe de produção, moviam-se e comportavam-se como um único organismo, e é assim que o metal underground tem que ser! Não há distinção entre artistas e plateia, todos tem o mesmo objetivo. E esse sentimento era reforçado quando observávamos o convívio entre os membros das bandas, ajudando-se mutuamente na organização do espaço, quando uma banda terminava e outra precisava começar, e também nos ajustes de som durante as apresentações.

Foi dessa forma, portanto, que às 23:10 hs, a Reckoning Hour dava início ao seu set, completamente focado no primeiro álbum completo de sua carreira, o disco “Between Death And Courage”. Após a intro, “The Awakening”, eles engatam a pesadíssima “Misguided”. É importante registrar que a qualidade, volume e equalização do som no Berlinda Club estavam impecáveis durante toda a noite, e isso favoreceu o Metalcore da banda carioca, caracterizado por músicas com muitos breakdowns, levadas rítmicas quebradas e peso.

O disco a ser divulgado foi completamente debulhado no show realizado, mas um dos destaques foi a faixa “What Really Matters”, que ao seu final, o vocalista JP esclareceu que era dedicada ao seu pai, recentemente falecido, anunciando na sequência que a próxima música seria uma porrada, e ele não exagerou, pois “Before Your Eyes” foi executada com muita energia.

JP interpreta as músicas alternando vocais guturais com passagens mais limpas, aproximando o estilo da banda, por vezes, do Death Metal Melódico, mas é necessário fazer o devido destaque para o guitarrista Philip Leander. O músico despejava incessantemente riffs monstruosos, com palhetadas fortes e precisas, gerando um som tão absoluto que era necessário estar vendo para crer que aquele resultado era gerado por um guitarrista apenas e, apesar da música do Reckoning Hour ser mais baseada em riffs do que em solos, ele não se furtava de executar alguns bem empolgantes, como o que foi feito na última música de sua apresentação e que nomeia seu disco, “Between Death And Courage”. JP esclareceu que essa derradeira canção falava sobre a trajetória da banda e o headbanging que ela arrancou dos que estavam próximos pode ser interpretado como um aval de que essa trajetória está no caminho certo.

Mais um intervalo para mudança de palco e o som ambiente toca músicas do Fight, o extinto projeto de Rob Halford, antes da entrada da primeira das bandas da noite que trarão uma vocalista feminina à frente. O álbum “Red Eyes” já consta como um dos melhores discos de metal nacional que escutei nesse ano e, portanto, havia muita expectativa para esse show. Exatamente aos quinze minutos do novo dia a banda iniciava sua apresentação com a música “Riot” e o nome dessa canção resume o que foi a performance furiosa do conjunto que traz a cantora Angélica Burns à frente. Dona de uma postura tão agressiva quanto carismática, ela conduziu o show com uma sequência de cinco músicas do disco de trabalho, antes de fazer a primeira visita ao passado da banda, com as faixas “Worshipers Of Hatred” e “Fear My Wrath”, retiradas do álbum “No Peace”, intercaladas pela música “Caught By The Arms Of Death”, do EP “The Wartrail”.

Essas músicas antigas são da época anterior a entrada de Angélica, quando o vocal era feito pelo ex-integrante Felipe Lameira, mas a cantora impõe a sua personalidade e equilibra o repertório com as magníficas músicas novas, das quais não dá pra deixar de destacar “Red Eyes”, um hino de violência que desafia qualquer tentativa de manter o pescoço estático, além de possuir uma linha de baixo fantástica, executada por Felipe Modesto.

A Hatefulmurder foi a primeira banda da noite a utilizar mais eficazmente o recurso dos backing vocals, feitos por Renan Ribeiro, um guitarrista dono de perícia e timbre singulares. Também chamava atenção a empolgação do baterista Thomás Martinola, que se levantava e fazia gestos para incitar o público, em uma noite em que, diga-se, quatro grandes bateristas desfilaram pelo palco. “Creature Of Sorrow” fechou com empolgação o terceiro grande show de uma noite que estava transcorrendo com perfeição. Hora de chamar o público para uma foto coletiva, hábito que foi praticado no final de cada um dos sets, e preparar o local para o último ato.

Até recentemente, o Torture Squad estava sofrendo com a inconstância crônica que sua formação apresentava. Isso acabou, definitivamente, e não se trata apenas de verificar a atual estabilidade na formação desde o EP “Return To Evil”, de 2016, mas de como transparece – no palco – uma aura de coesão, de que todos ali estão vibrando na mesma harmonia, voltados para os mesmos objetivos.

O intervalo foi um pouquinho mais extenso por conta dos preparativos para a finalização da montagem da bateria de Amílcar Christófaro, mas todos sabem que era uma espera válida, pois trata-se de um dos principais representantes das baquetas brasileiras na atualidade. Amílcar e seu velho parceiro, Castor, agora acompanhados do guitarrista Rene Simionato, e da vocalista Mayara Puertas, são o novo Torture Squad, e seu show está pronto para começar!

Às 01:25 soa a intro que dará início a faixa “Don´t Cross My Path”, que abre também o novo álbum, “Far Beyond Existence”. De imediato, o ritmo headbanging da música domina o local e ganha o público que, por diversas vezes, ao longo do show, chamará em coro o nome da banda. Houve alguns problemas com os microfones, tanto de Mayara quanto de Castor, mas que foram resolvidos com extrema eficiência pela equipe técnica. A presença e a voz de Mayara impõem autoridade imediata e a introdução de “No Fate” tem uma atuação sobrehumana de Amílcar, mas é na introdução da próxima música, a terceira em sequência do novo disco, que os ânimos exaltados explodem de vez, pois o suave cântico oriental prenuncia uma das melhores canções não apenas da atual fase da banda, como de toda sua carreira, a maravilhosa “Blood Sacrifice”, com sua temática hindu e, ao fim da qual, acontece a primeira pausa, permitindo que Mayara faça as saudações aos presentes.

A partir desse momento, a banda olha para o seu glorioso passado e apresenta uma seleção de clássicos de seu repertório, como “Area 51”, do álbum “The Unholy Spell”, e da empolgante “World Of Misery”, do disco “Pandemonium”. Voltando para as novas canções, destaca-se a cadência e o peso descomunais de “Cursed By Desease”, que já encaminha a apresentação para o seu final.

Se o show terminasse com “Chaos Corporation” já estaria adequado, pois poucas músicas poderiam vir depois desse momento fulminante, mas foi adequado concluir com “Return Of Evil”, a primeira faixa do EP que inaugurou essa nova fase, para demonstrar que esse é um ciclo que ainda está aberto e torçamos para que permaneça assim. O Death/Thrash do Torture Squad está tão relevante quanto sempre foi, mas demonstra que ainda pode ir além, muito além.

Concluídas as performances, hora de ir embora, esperando que apareçam mais iniciativas dessa natureza, com turnês coletivas, e que elas passem pela nossa cidade. É certo que muitos ainda podem ter resistência para comparecer em eventos no meio da semana, mas se isso é uma novidade por aqui, não é lá fora, e aos poucos pode vir a se tornar uma regra, pois é mais viável tanto para as bandas quanto para o público. Aguardemos, portanto, os próximos eventos, e aguardemos, também, o retorno de cada uma dessas quatro bandas, que nessa noite foram impecáveis.

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