Resenha: Tool – 10,000 Days (2006)

O crítico Valdir Montanari, no capítulo de introdução de seu livro “Rock Progressivo” (Editora Papirus, 1986), diz que o termo progressive rock foi mal traduzido por aqui, sendo que a tradução mais correta deveria ser Rock Progressista, visto que este último termo transmitiria, com mais precisão, a idéia de algo avançado, vanguardista, como esse tipo de música se propõe a ser.

Eu sempre me lembro disso, quando ouço alguma banda que traz idéias inovadoras para a música e ninguém as classifica como Progressivo (ou Progressista). A classificação mais clássica sempre inclui artistas como Yes, Gentle Giant, King Crimson, e também não esquece de abrir espaço para grupos mais contemporâneos como Dream Theater ou Opeth. Mas, e bandas como Neurosis, Primus ou Radiohead? Também não poderiam preencher esse nicho? Suas obras não são vanguardistas?

Sob essa ótica, o Tool é, sim, uma banda de Rock Progressivo. Naturais da cidade de Los Angeles, eles são frequentemente classificados como Metal Alternativo, e esse sim é um rótulo de lugar comum, um recurso de categorização para qualquer banda que não se enquadre em alguma das outras opções mais usuais e meio que não significa nada no fim das contas. Esse presente disco foi o último lançamento oficial da banda e já data mais de dez anos. Por não se encaixar em nenhuma corrente, prossegue sem soar datado e ainda é, hoje, tão sombrio e esquizofrênico quanto na época de seu lançamento, como já podemos perceber em “Vicarious”, a primeira faixa, repleta de contratempos, em uma performance magnífica do baterista Danny Carey, que, sempre que pode, preenche as músicas com conduções de percussão, gerando um efeito que amplifica as digressões mentais que as canções nos passam.

https://www.youtube.com/watch?v=UUXBCdt5IPg

As músicas do Tool são repletas de camadas, resultado dos arranjos que nascem do baixo de Justin Chancellor e da guitarra de Adam Jones, que soa diferente a cada momento, de acordo com os diversos climas, através da variedade de utilização de efeitos. O resultado se aproxima do post-rock e traz muitos dos elementos que encontramos em coisas mais obscuras do Pink Floyd. Essa musicalidade foi uma das portas de acesso para o surgimento de bandas como Mastodon ou Baroness, onde a influência do Tool é bastante perceptível.

A experiência de escutar um disco do Tool não é a de ritmo físico, que estimula a reação corporal de acordo com a música. Trata-se de algo mais sensorial e é por isso que seus shows são tão ricos visualmente, com projeções de imagens psicodélicas. Em algumas músicas, parece haver um crescendo de peso e velocidade que nos dá a falsa impressão de que haverá uma súbita explosão de levada mais próxima ao metal, mas tal qual um ataque de vertigem, que é seguido pela perda dos sentidos, essas partes inevitavelmente caem em uma retomada súbita de sua condução mais compassada. Em outros momentos, tal qual na introdução de “Wings For Marie” essa desorientação surge de imediato, transmitida pela reverberação em ecos gerada pelo som da guitarra, em uma melodia que transita entre o hipnótico e o incômodo.

Quando Maynard James começa a cantar “The Pot”, à capela, sua voz surge muito semelhante à de Peter Gabriel e nesse instante a ficha cai de vez. O veterano cantor inglês é certamente uma das influências do Tool, principalmente em seu trabalho solo, visto que nunca se acomodou também em seguir uma fórmula fixa, mantendo-se sempre como um artista experimental. Os ritmos de world music de “Lipan Conjuring” surgem para confirmar essa impressão, pois essa também foi uma das vertentes que Gabriel explorou com mais profundidade em sua carreira.

“10,000 Days” é uma longa viagem de 75 minutos de música complexa, densa, estruturada, e que, dependendo da pré-disposição do ouvinte para ter acesso a coisas menos ortodoxas, pode cativar de imediato ou demorar algum tempo para ser absorvida. Em ambos os casos a experiência valerá a pena, afinal, da mesma forma que podemos ampliar os conceitos das expressões que definem um tipo de música, devemos também ampliar a nossa receptividade aqueles que alargam as fronteiras da própria música. É isso que ser progressista significa.

Formação:

Maynard James Keenan – vocal

Adam Jones – guitarra

Justin Chancellor – baixo

Danny Carey – bateria

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