Recentemente, eu ouvi a seguinte história: Quando Jim Morrison morreu, os Doors restantes gravaram mais dois discos. Um deles, Other Voices, trazia uma foto do trio sobrevivente na capa. Um lojista de São Paulo fez uma camiseta com a capa desse disco e usou-a para ir trabalhar. Um dia, entra um cliente com uma camiseta com a famosa foto de Jim Morrison, sem blusa, de braços abertos. Olhou para a camiseta do lojista e disse “Está faltando uma pessoa aí”, ao que o lojista respondeu “Na sua estão faltando três”…
Esse diálogo representa bem o que eu penso. Jim Morrison foi fundamental, foi a cara da banda? Indubitável que sim. Mas o Doors não se resume a Jim Morrison. A concepção da personalidade do conjunto nasceu da atuação correta do baterista John Densmore e das contribuições essenciais de Ray Manzarek e Robby Krieger, emparelhadas com a atuação xamânica de Morrison.
As bandas de Rock dos anos 60, por serem a primeira geração (Rock´n´Roll é outra coisa) tinham muita liberdade pra criar, mas, ao contrário do que ocorreu a partir dos anos 70, que já foi influenciado pela geração dos 60, aquelas pioneiras só podiam construir sua musicalidade explorando as fontes disponíveis: o Jazz, o Blues e o Clássico. No caso do Doors, a busca por influências rendeu também a inserção de música espanhola e indiana, com elementos de psicodelia. Logo na primeira faixa, do disco de estreia, transparece uma carta de intenções, de ruptura. Um convite para atravessar as portas da percepção, conforme o poema que inspirou o nome da banda. Mais a frente, a quase-valsa “The Crystal Ship” faz o álbum crescer em beleza e foi onde o poeta Jim Morrison demonstra que era também um bom cantor. Através da variedade de climas, que permearam toda a discografia da banda, chegamos a “Take It As It Comes”, que é uma música com pegada mais roqueira, não à toa foi coverizada pelos Ramones. A sua catarse prepara o terreno para a calmaria do épico-hipnótico “The End”, clássico controverso que demonstra a diferença da temática lírica entre bandas inglesas e americanas, com estas últimas – Velvet Underground, principalmente – focando mais nos temas de sexo, drogas e morte.
Não poderia deixar de falar de “Light My Fire”. Deixei para o final de propósito, para poder tomar partido a favor dessa canção. Muita gente poderia dizer que ela pertence ao mesmo grupo de alguns outros clássicos oversaturados, como “Satisfaction”, “Hotel California”, etc. Eu discordo. Caso estivéssemos considerando apenas a versão editada para tocar no rádio, estaria inclinado a também pensar assim, mas a faixa original, com seus sete minutos, tem uma magnífica e lisérgica passagem instrumental, com solos de Ray e Robby, que enriquecem incomensuravelmente o resultado final. Foi um grande e merecido sucesso e, entre tantos outros clássicos, pode-se dizer que esse marcou mais a carreira da banda, tornando-se sua marca registrada, isso numa época em que Rock e Pop caminhavam com mais proximidade e sempre com um nível altíssimo de qualidade, bom gosto e produção elaborada, não obstante a prolífica produtividade. Os Doors, por exemplo, lançaram seis álbuns entre 1967 e 1971, e todos muito acima da média, mesmo em seus momentos menos inspirados. Nasceram como lenda e terminaram como lenda, cujo carater irretocável não se manteria, seja por uma parte isolada ou por um trio perseverante.
Formação
Jim Morrison – vocal
Ray Manzarek – piano, órgão
Robby Krieger – guitarra
John Densmore – bateria
Músicas
01 Break On Through (To the Other Side)
02 Soul Kitchen
03 The Crystal Ship
04 Twentieth Century Fox
05 Alabama Song (Whisky Bar)
06 Light My Fire
07 Back Door Man
08 I Looked at You
09 End of the Night
10 Take It as It Comes
11 The End