Ser o pioneiro de algum estilo metálico no Brasil, certamente, tem sua importância, assim como em qualquer outro lugar do planeta. Contudo, infelizmente as bandas não são totalmente reconhecidas por suas iniciativas primárias por aqui, talvez parte porque ainda impera a antiquada ideia de que Metal brasileiro não tem qualidade (rele equívoco, devo dizer), e parte porque as bandas não conseguiam bons contratos no passado – e, com as dificuldades enfrentadas no passar do tempo, acabavam encerrando suas atividades, caindo no definitivo esquecimento e, por consequência, sequer chegando ao conhecimento de outras pessoas mais tarde.
Vide casos como os de Stress (primeira a tocar Metal no país) e Vulcano (pioneira no Extremo por aqui), que deveriam ser muito mais lembradas e mencionadas do que são. Mesmo assim, há casos e casos. O lado bom é que com o avanço das tecnologias de internet e produção, cada vez mais bandas estão surgindo, lançando materiais caseiros com qualidade e se divulgando de forma independente pela web. Inclusive, algumas das que encerraram a carreira há muitos anos atrás estão voltando à ativa em meio ao cenário favorável. É o caso dos honoráveis baianos do The Cross.
A história também não foi tão simpática com essa que é considerada a pioneira no Doom Metal no Brasil. A banda, oriunda de Salvador, foi fundada em 1990! Desde aquela época, portanto, já existia a serenidade do Doom Metal por aqui, em terras ensolaradas. E isso não ficou só no ‘simples’ fato de eles existirem: duas fitas demo foram lançadas para comprovar isso: “Rehearsal”, ainda em 1992, e “The Fall”, em 1993. Entretanto, ficaram nisso…
Ao longo dos muitos anos posteriores, a banda inconsistentemente reativava e desativava… até 2014, quando o ‘status’ solidificou e o quinteto começou a trabalhar em novas composições. O resultado saiu em 2015 na forma de um incrível EP maquiavelicamente chamado”Flames Through Priests” e lançado com o auxílio da Eternal Hatred Records.
São apenas duas músicas inéditas (“Cursed Priest” e “Sweet Tragedy”), mas que demonstram que, embora a história não tenha sido tão boazinha com a estabilidade da banda, o tempo os coroou com maturidade e ainda mais domínio sobre o gênero, sem perder as raízes – e acredite, esse termo não é usado como chavão.
O quinteto composto por Eduardo “Slayer” (vocal), Elly Brandão (guitarra), Felipe Sá (guitarra), Mario “Baqueiro” (baixo) e Louis (bateria) se mostra afiado e mentalmente interconectado. O igualitário foco produziu duas músicas sombriamente densas e carregadas, cada uma com quase 10 minutos de duração. Os obrigatórios riffs arrastados e prolongados são encontrados em abundância aqui, sempre com medonhas distorções que aguçam o clima soturno. Mas nem só deles as faixas são feitas: há quebras de ritmo também, onde a sonoridade ganha contornos mais melancólicos por meio de teclados-base só para conferir ambientação e a exploração de arranjos de guitarras limpas e violão. Com essas mudanças de ritmo, vai junto o monstrengo vocal de Eduardo, que, com rasgados guturais herdados do Black Metal, interpreta as passagens na entonação correta, transmitindo clima de raiva, consternação ou mistério, dependendo do momento.
Toda a sonoridade é bastante tradicional, sem experimentalismos ou a menor tendência de sair da área demarcada pelas balizas do estilo. Contudo, eles não se esquecem também de introduzir solos de guitarra nas canções, coisa nem tão explorada pelas demais bandas do gênero. Esse complemento é sempre muito bem-vindo, ainda mais diante de um instrumental absolutamente melancólico e ‘sabático’, delineando claras influências de Candlemass e Black Sabbath. As sensações também podem ser estendidas a bandas como Solitude Aeturnus e Trouble.
“Flames Through Priests” ainda traz mais três faixas bônus, que são as que compõem a demo “The Fall”, lá de 1993. Essa inclusão causa uma divergência de produções, já que as duas primeiras são excelentemente produzidas e as bônus, nem tanto. Mas essas três faixas mostram que a banda já tinha qualidade desde os anos 90. A produção de menor qualidade e um vocal de rasgado ainda mais aberto por parte de Eduardo provocam uma sensação nostálgica das fases demo das grandes bandas do Black Metal. Logo, não fazem o trabalho decair em qualidade musical, apenas a mantém de maneira diversa.
Esse é o ressurgimento de uma banda provinda de um lugar improvável de se tocar o gênero, e um ressurgimento de extrema qualidade. É realmente fascinante! Só falta um álbum completo pra consolidar o excelente trabalho.
Formação:
Eduardo “Slayer” (vocal);
Elly Brandão (guitarra);
Felipe Sá (guitarra);
Mario “Baqueiro” (baixo);
Louis (bateria).
Faixas:
01 – Cursed Priest
02 – Sweet Tragedy
03 – Flames of Deceit (Bonus Track)
04 – The Fall (Bonus Track)
05 – Scars of An Illusion (Bonus Track)
Links oficiais:
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Soundcloud
https://soundcloud.com/the-cross-doom-metal/sets/flames-through-priests
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9/10