Talvez eu já tenha mencionado o quanto me incomoda a repetição. Detesto frases feitas, chavões ou bordões, principalmente quando são simplesmente arremessados em um texto, sem contextualização.
Por exemplo, alguém, ao ler uma resenha sobre o disco de estreia da banda novaiorquina Velvet Underground, já deve ter visto a seguinte frase ser citada: “esse é o disco que pouca gente comprou, mas todo mundo que comprou formou uma banda…”. Já vi isso tantas vezes que decorei e, como disse, surge simplesmente como um efeito decorativo, a citação apenas pela citação. Bem, aqui eu pretendo dar um sentido à sua menção, pois o álbum “Marquee Moon”, da banda também novaiorquina Television, foi claramente realizado por caras que compraram o álbum do Velvet Underground e o ouviram atentamente.
Mas não apenas o Velvet. O Television também foi influenciado por The Doors, Stooges, Jazz, e montou tudo isso para uma sonoridade única em seu período, que os converteu de seguidores para influência de um sem número de bandas que viriam a surgir no futuro.
Tendo sido formado em 1974, a fórmula do Television consolidou-se depois que o baixista Richard Hell abandonou o barco e abriu espaço para que Richard Lloyd integrasse a formação e formasse, junto com o guitarrista e vocalista Tom Verlaine, uma das mais efetivas duplas de guitarra de sua época e cenário. Contando com o baixista Fred Smith e o baterista Billy Ficca, o quarteto entrou em estúdio sob a batuta do produtor Andy Johns, que já havia trabalhado com Free e Humble Pie, além de ter sido engenheiro de som em gravações do Jethro Tull, dos Rolling Stones e do Led Zeppelin, para gravar este seu primeiro disco.
O Television já possuia um nome em evidência, pois foram a primeira banda punk a tocar no lendário CBGB, abrindo as portas para todos os artistas que, na sequência, viriam a subir no palco daquela casa. Para muitos, o termo “punk rock” pode estar mais associado ao estilo do Ramones ou do Dead Boys, mas a abordagem do Television era um pouco mais suave. Nem tanto a fúria dos Ramones, nem tanto o hermetismo do Talking Heads. Sua musicalidade ficou no meio termo que nortearia o rock alternativo e também o pós-punk, sendo referência para bandas tão díspares quanto R.E.M. e a inglesa Suede.
Os traços de Punk Rock surgem na faixa de abertura do álbum, “See No Evil”, que remete aos Stooges, com o riff hipnótico de guitarra e a voz de Verlaine incorporando um pouco de Iggy Pop. Já em “Venus” surgem os maneirismos de Lou Reed à frente do Velvet Underground, em uma canção com melodia doce e um ritmo que constantemente a impulsiona para frente, tal qual ocorre também em “Guiding Light”.
“Prove It” é marcada pela condução que bebe na fonte das velhas canções de rock´n´roll do fim dos anos 50, misturada com um refrão contemporâneo e belos arranjos de guitarra, mas é em “Marquee Moon”, a faixa-título, que o álbum alcança o seu grande momento. Contendo dez minutos, onde a interação de Verlaine e Lloyd atinge seu ponto mais alto, está música possui uma beleza atemporal, conseguindo, ao mesmo tempo, referenciar o passado, com seus solos no estilo Robby Krieger, do The Doors, e prenunciar o futuro, com seu andamento que anuncia muito do que bandas como Sonic Youth iriam fazer. Emociona saber que essa canção foi gravada em um único take, onde o próprio baterista não sabia que o resultado – daquilo que ele imaginava ser apenas um ensaio – seria a versão que entraria no disco. O produtor quis fazer mais um take, mas Verlaine foi irredutível.
Tendo completado quarenta anos de seu lançamento, esse disco continua atualíssimo e é uma peça fundamental do quebra cabeça que monta toda a história da música popular. O fato de ainda soar tão relevante mostra o quanto aqueles músicos, sem talvez a completa percepção disso, estavam à frente do tempo.